terça-feira, 29 de maio de 2012

Agências de modelos e tráfico humano


As agências de modelos Dom Agency Models, de Passos (MG), e Raquel Management, de São José do Rio Preto (SP) são acusadasde enviar pelo menos três moças para a Índia, sendo uma menor, por meio de contratos de trabalho que não foram cumpridos. Pela denúncia da Procuradoria, elas ficaram quase dois meses sem salários e mantidas em cárcere privado.


A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) protocolou ontem (21) ação civil pública com pedido de liminar para que as agências de modelos Dom Agency Models, de Passos (MG), e Raquel Management, de São José do Rio Preto (SP), sejam impedidas de enviar brasileiras para trabalhar no exterior. As empresas são acusadas de enviar pelo menos três moças para a Índia, sendo uma menor, por meio de contratos de trabalho que não foram cumpridos. Pela denúncia da Procuradoria, elas ficaram quase dois meses sem salários e mantidas em cárcere privado.
Se obtiver a liminar, a PRDC quer que as empresas sejam multadas em R$ 100 mil a cada modelo que venham a mandar para o exterior por conta de descumprimento à decisão judicial. O procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jefferson Aparecido Dias, também quer pagamento de indenização por dano moral e material às três jovens. Requer ainda indenização material à União de US$ 2.116,18, valor gasto pelo Consulado brasileiro na Índia para resgatar e reconduzir as moças ao Brasil e de danos morais coletivos.
 A ação abre possibilidade para que outras vítimas se habilitem no processo e também sejam indenizadas. "A conduta ilícita abalou a credibilidade e reputação do Brasil na Índia, bem como de seus nacionais”, aponta. O valor das indenizações deverá ser definido no curso da ação.
O proprietário da Dom Agency Models, Bené Bastos, disse que atua neste ramo há cerca de 12 anos e que jamais passou por situação similar. Ele afirmou que apenas indicou uma das modelos para Raquel Felipe, proprietária da Raquel Management, enviar à agência indiana K Models Management, com a qual tem parceria. Para ele, os argumentos da ação não se sustentam. Ele acha que talvez o proprietário da agência indiana tenha falado mais rispidamente com as meninas e isso pode tê-las feito reclamar para os pais, que, preocupados, procuraram o Consulado brasileiro. "Elas não falavam inglês fluente, e isso pode ter causado problemas de comunicação", disse. Bastos admite que tráfico de pessoas é muito comum neste meio, mas garante que sua empresa jamais se envolveu.
Para um representante da Raquel Management que preferiu não se identificar, nada do que foi relatado nessa ação é verdadeiro. "Nada disso aconteceu, temos provas", disse. Ele não transferiu a ligação para Raquel Felipe, que estava em reunião tratando do assunto e definindo a defesa da empresa.
Em uma página da internet, abaixo de um anúncio da Raquel Management Models, de São José do Rio Preto, meninas de 13 anos se comunicam por meio do espaço de comentários colocando-se à disposição, mostrando-se dispostas a tudo para se tornarem modelos. Abaixo, alguns detalhamentos da situação vivida pelas meninas e descrita na ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal:
Argumentos da ação civil pública
Pelos argumentos da ação movida pelo Ministério Público, duas irmãs, de 19 e 15 anos de idade, por meio de contratos firmados com Raquel Felipe, proprietária da Raquel Management, foram enviadas a Mumbai, na Índia, em 12 de novembro de 2010. Uma jovem de 19 anos chegou ao mesmo local, dez dias antes, enviada pela Dom Agency Models.
"As três jovens passaram por situações terríveis e degradantes durante o período de estada na Índia, principalmente por atitudes de Vivek Singh, proprietário da agência de modelos Indiana K Models Management e responsável pelas citadas jovens naquele país (moradia inadequada, salários inferiores ao contratado, agressões verbais, assédios, ameaças, cárcere privado, falta de assistência etc.), além do flagrante descumprimento dos contratos que celebraram com as agências brasileiras.
Ainda, as três jovens somente puderam deixar a Índia no dia 26 de dezembro de 2010, após resgate (no dia 22 de dezembro) efetuado pela policia local, mediante solicitação e acompanhamento do Consulado Brasileiro naquele país.
As três jovens, bem como seus familiares e o Consulado do Brasil na Índia, confirmaram que não tiveram a assistência e o respaldo das agências contratadas no Brasil. Tem-se, ainda, a informação de que as empresas continuam o vínculo com Vivek Singh, encaminhando outras pessoas para trabalharem no referido pais.
Além do prejuízo material, as jovens sofreram inequívocos danos morais, com todo o abalo emocional e psicológico que sofreram durante todo o tempo que permaneceram na Índia. Não somente as três jovens foram prejudicadas, mas também outras pessoas enviadas pelas agências ao exterior, bem como a União sofreu prejuízos materiais com o ocorrido. Portanto, houve o descumprimento de diversos preceitos constitucionais e legais que norteiam a proteção ao trabalho, ao consumidor, e à criança adolescente.
As jovens não tinham tempo de se alimentar, descansar, tomar banho e não tinham assistência, tanto da agência indiana, como da de São José do Rio Preto. Além disso, uma delas informou que não conseguia fazer os trabalhos em virtude da dor, e não tinha disposição de trabalhar em razão dos problemas.
Uma das jovens tinha, na ocasião da viagem, 15 anos de idade, o que lhe impediria de trabalhar, bem como de conseguir visto de trabalho. No entanto, de forma fraudulenta, obteve o visto de turismo, quando na verdade viajou para a Índia com a única finalidade de trabalhar, o que fez.
Frise-se que a situação das citadas jovens no exterior chegou a se aproximar ao crime de redução à condição análoga à de escravo. Relataram, dentre outros despautérios vivenciados, que, assim que chegaram a Mumbai, foram obrigadas a contrair dívida com Vivek Singh (tendo que trabalhar exaustivamente para quitá-la). Além disso, este teria mantido o apartamento em que estavam sob permanente vigilância, caracterizando nítido cárcere privado (cerceamento à liberdade)".

Por Evelyn Pedrozo (Rede Brasil Atual)

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