sexta-feira, 13 de abril de 2012

Conceder o perdão é fundamental para viver de forma menos angustiada


“Quem não pode se perdoar e perdoar as injustiças cometidas ou sofridas fica ressentido, magoado, preso a um passado que não passa. O ressentido se torna guarda de um cemitério de ações passadas que não pode superar”,  assinala o psicanalista Abrão Slavutsky.  O resultado são sentimentos vingativos. E complementa: “perdoar é suportar a ferida narcisista que implica aceitar que todos os seres humanos são, às vezes, piores do que admitimos, mas não se pode esquecer que, às vezes, também somos bem melhores”. Perdoar e sermos perdoados nos tornam seres humanos melhores.

Abrão Slavutzky é psicanalista e médico psiquiatra com formação em Buenos Aires. Graduou-se em medicina em 1971, na Fundação Católica de Medicina do Rio Grande do Sul. Desde 2001, é colaborador do jornal Zero Hora e de diversas revistas. Entre outros, é um dos autores e organizadores de Seria trágico... se não fosse cômico – humor e psicanálise (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), Quem pensas tu que eu sou? (São Leopoldo: Unisinos, 2009) e Psicanálise e cultura (Rio de Janeiro: Vozes, 1983). Alguns dos livros que organizou são O dever da memória – o levante do gueto de Varsóvia (Porto Alegre: AGE, 2003) e A paixão de ser – depoimentos e ensaios sobre a identidade judaica (Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1998).
Confira a entrevista realizada por IHU OnLine.
IHU On-Line – Que relações podem ser estabelecidas entre a fé, o processo de perdão e a superação do mal?
Abrão Slavutsky – O perdão não é diretamente um tema psicanalítico, a não ser pelas suas relações com a melancolia, o supereu, a culpa, a questão do nome do Pai, entre outros. Seria conveniente pensar, primeiramente, o perdão a si próprio quanto a falhas e fracassos que todos temos. Retomarei essa questão mais adiante bem como a interessante etimologia da palavra perdão. Agora, vamos à pergunta sobre algumas relações entre perdão, fé e o mal.
O perdão de Deus aos homens, ou a capacidade de perdoar ao outro, é essencial na fé. O famoso Pai-Nosso, talvez a oração mais importante do cristianismo, que teria sido ensinada pelo próprio Jesus Cristo, considera o perdão como um meio de estabelecer a relação entre Deus e os homens. “Perdoa nossas ofensas como nós perdoamos aos que nos ofendem”. Já no Velho Testamento, o tema do perdão está presente em Levítico, 16, quando Moisés determina um dia especial para a purificação dos pecados, conhecido como Yom Kippur, Dia do Perdão.
Por sua vez, a questão essencial do mal é pensada pela religião como uma questão externa. A serpente induz Eva ao mal e ao pecado e segue, por exemplo, na bela parábola do joio e do trigo do Novo Testamento. O mal como vindo do inimigo, do exterior, quando, na verdade, o mal é externo e interno, integra a condição humana. Enfim, as palavras perdão, fé e mal se relacionam com a religião, a justiça, e com o conjunto da sociedade. Porque o perdão é derivado da justiça divina ou humana, mas perdão nunca exclui a justiça. Por outro lado, a justiça que não considera a possibilidade do perdão é injusta e má.

IHU On-Line – Qual é a maior dificuldade em perdoar?
Abrão Slavutsky – Não sei se seria uma só dificuldade. Na verdade, são várias. A primeira é o ódio para com quem cometeu uma maldade. Superar a agressividade gerada pela maldade, por um ato injusto, não é muito fácil. Perdoar implica suportar não só a falha do outro, mas a de cada um, pois todos nós falhamos. Há perdões mais fáceis de se dar, especialmente com o passar do tempo; já outros podem ser impossíveis. É, no entanto, sempre um desafio. Um exemplo clínico: perdoar entendendo as falhas, os erros de nossos pais na educação, é indispensável para se reconciliar com eles e, em especial, consigo mesmo. Finalmente, perdoar é suportar a ferida narcisista que implica aceitar que todos os seres humanos são, às vezes, piores do que admitimos, mas não se pode esquecer que, às vezes, também somos bem melhores.

IHU On-Line – Como podemos compreender a importância do perdão para a transcendência do ressentimento?
Abrão Slavutsky – O ressentimento é sofrimento, é uma das maiores mortificações de quem não pode perdoar e se perdoar. Quando escrevi Quem pensas tu que eu sou?, citei o escritor húngaro Sándor Márai, que na novela As brasas trata justamente do ressentimento. Novela impressionante, que dizem ser autobiográfica, na qual relata a história de um triângulo amoroso. Henrick, um general aposentado, estava ressentido, pois fora duplamente traído pela esposa e seu amigo inseparável de toda a vida, Konrad. Esses dois últimos se apaixonam e vivem uma relação clandestina que, ao ser descoberta, cria um terremoto psicológico. O amigo vai embora da cidade sem se despedir do casal, e Henrick nunca mais dirige sua palavra à esposa, pois esperava por parte dela ao menos um pedido de desculpas. O tempo passa, os amigos envelhecem e, passados 41 anos da separação, o amigo Konrad o procura. Acabam por combinar uma janta, na qual comem em silêncio; ao terminarem, Henrick fala durante horas num tom de queixa, desabafa suas mágoas.
O general, ao final do livro, diz: “Há algo pior que a morte e qualquer sofrimento, é a perda de amor-próprio ... quando uma ou mais pessoas nos ferem em nosso amor-próprio, que é a nossa dignidade de homem, a ferida é tão profunda que nem a morte consegue pôr fim a esse tormento... o amor-próprio é o que há de mais profundo na vida”. O general não pôde perdoar o amigo, nem a esposa, e passou a vida ressentido, sofrendo pela grave ferida narcisista. Suas queixas, na verdade, não eram só contra a esposa e o amigo, mas se vinculam também à sua vida infantil, quando ocorreu uma primeira traição, que é a da mãe, por quem a criança era apaixonada e um dia descobriu que ela amava a outro. Todo ser humano, toda criança esteve ligado à sua mãe, da qual foi separado, gerando queixas, sentimento de ser vítima, de ressentimento. O general do livro As brasas teve reatualizado seu drama infantil, pois sua esposa e seu grande amigo o traíram. Perdoar uma traição é difícil e, às vezes, como nesse caso, é impossível. Na verdade, todos nós fomos traídos e traímos, se não o cônjuge, alguma pessoa que esperava mais de nós, por exemplo. Há os que não conseguimos perdoar e há os que não nos perdoam, tudo faz parte da comédia humana, diria Balzac . Por fim, cuidado com os triângulos amorosos, nem sempre se tem o perdão!
Fonte: IHU On Line

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