segunda-feira, 5 de março de 2012

Luis Felipe Pondé escreve polémico artigo na Folha de São Paulo


Luis Felipe Pondé escreveu na Folha de São Paulo (27/02/2012) que "prostituta é a primeira e a mais sublime vocação de toda mulher". Para a escritora e militante feminista Rose Marie Muraro, "o argumento expressado é falacioso". "A vocação primeira da mulher é a maternidade. A prostituição tem raízes patriarcais e motivação econômica. Pondé quis ser provocativo e foi apenas tolo, além de demonstrar desconhecimento da história."

O FIO DE CABELO DE UMA MULHER
 (Luis Felipe Pondé, Folha de São Paulo, 27/02/2012)
Dias atrás escrevi que não me preocupo com a África nem com as baleias nem com você. Pânico na bancada da classe média… Muita gente pergunta o que eu queria dizer com isso. Uma pessoa se indignou porque eu tive a ousadia de dizer que ele não era objeto de minha preocupação. Se ele me lê, pensa ele, devo me preocupar com ele. Ele, ele, ele. Não. Sou indiferente a sua necessidade de autoestima.
Só levo a sério um argumento como este (quem me lê deve ser objeto de minha atenção) se nele estiver em jogo as leis de mercado e olhe lá. Mas pessoas indignadas normalmente acham que seus sentimentos morais são infinitamente mais caros do que as leis de mercado. Eu, de minha parte, sei que minha fisiologia é parte das leis de mercado.
Assim como a prostituta é a primeira e a mais sublime vocação de toda mulher, afirmo: sou lido, logo existo. Saber que eu tenho um preço é uma das formas mais belas de libertação que conheço. Mas a queixa de nosso mal-amado está longe disso. É a queixa de um indignado com a maturidade. Se Freud já dizia que pessoas adultas são uma raridade, hoje ficaria chocado com o fato de que infantilidade se tornou um direito de todo cidadão.
A maior desgraça da democracia, dizia Nelson Rodrigues, é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade. Aceitar a idade adulta hoje em dia é tão raro como a virtude de uma mulher que bebeu vinho demais no jantar.
Aliás, devo pedir perdão às mulheres “fáceis”, por compará-las a tão miserável condição: a recusa da maturidade.
Ainda bem que nem todo mundo que me lê ou me conhece depende de mim para se sentir amado, porque, antes de tudo, amo muito pouco. E, com os anos, menos ainda. O deserto pode ser uma graça.Dou hoje uma indicação para os adultos que me leem. “Adulto” aqui, como sempre, não tem a ver com a data de nascimento no RG. Já vi pessoas muito jovens serem capazes de suportar “a hostilidade primitiva do mundo” (“Mito de Sísifo”, outro livro de Camus) sem reclamar da gloriosa indiferença do Sol.
Assista à bela e econômica montagem do “O Estrangeiro“, uma adaptação feita pelo dinamarquês Morten Kirkskov do livro com o mesmo nome do francês Albert Camus. Ela está em cartaz, até 4/3, no Teatro Cacilda Becker, com Guilherme Leme e direção de Vera Holtz. Uma pérola discreta, como deve ser tudo o que tem valor.
O estrangeiro da história, Meursault, vive em Argel, Argélia (país de Camus). Ele mata um árabe e é preso. Dias antes, sua mãe morrera. Ele não chorou no enterro. Para muita gente, assim como para o promotor que condena Meursault, não chorar na morte da mãe é prova cabal de “ter o crime no coração” (antes mesmo de ele matar um “homem qualquer”), e é, portanto, o ato de um niilista.
Por isso, o promotor diz que Meursault tornou possível o parricídio ao ser julgado no dia seguinte, e, por isso mesmo, deveria ser julgado por ambos os crimes. Para o promotor, não chorar a morte da mãe é abrir as portas para o parricídio.
O fato de, no dia seguinte à morte da sua mãe, ele ter se deliciado, na praia, nos braços de uma mulher, Marie, cheia de amor para dar, era evidência de sua desumanidade. Pior: fora ao cinema com ela para ver uma comédia.
Vê-se que Camus era um apreciador do sexo frágil (coisa cada vez mais rara) na forma como descreve Marie, linda, cozinhando sua comida, de vestido solto e listrado, enchendo sua vida de desejo, com os cabelos caindo nos ombros. Marie usava aquele tipo de vestido de verão solto, que permitia Meursault tocar, como se fora seu dono, o calor úmido entre suas pernas.
Mas o promotor está enganado. Chorar no enterro da mãe pode ser tão falso como as indignações de hoje em dia. Como diz Meursault ao padre: “Sua religião não vale um fio de cabelo de uma mulher”. Em meio à “doce indiferença do mundo”, o desejo por uma mulher pode ser mais difícil do que chorar a morte de uma mãe “distante”.
Concluo, com uma ponta de dor, que sou da raça de Meursault. Prefiro a hostilidade primitiva do mundo e mulheres fáceis com vestidos de verão.

NELSON RODRIGUES VOLTA À TONA APÓS COLUNA POLÊMICA
 (Folha de São Paulo, 02/03/2012)
 "Assim como a prostituta é a primeira vocação da mulher, afirmo: sou lido, logo existo." O arroubo do filósofo Luiz Felipe Pondé em sua coluna, publicada na última segunda-feira na Folha, mobilizou leitores do jornal.
A frase faz alusão a um relato do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, publicado em 1967 no "Correio da Manhã", em que ele conta os bastidores e ensaios da peça "Vestido de Noiva", quando havia disputa entre as atrizes pelo papel de meretriz.
Tão logo o conseguiam, escreve Nelson, se punham a interpretá-la "com naturalidade, graça, movimento exato e inflexão certa", como se fossem vocacionadas para o ofício que representavam. Pondé, condensando o pensamento de Nelson em suas memórias, estendeu a colocação ao gênero feminino.
Entre os que se sentiram agredidos pela coluna está a cineasta Paola Prestes, que puxou por e-mail um cordão de protestos.
 Pondé revela uma arrogância ciclópica do meio intelectual contemporâneo, construído mais em divãs de psicanálise do que fruto de um pensamento rigoroso e sensível", diz, no texto endereçado a cineastas e artistas, que endossaram a crítica.
Para a escritora e militante feminista Rose Marie Muraro, "o argumento expressado é falacioso". "A vocação primeva da mulher é a maternidade. A prostituição tem raízes patriarcais e motivação econômica. Pondé quis ser provocativo e foi apenas tolo, além de demonstrar desconhecimento da história." Aludir a Nelson Rodrigues reaviva questões em torno da persona e da obra do dramaturgo, a quem muitos acusam de conservador e misógino.
Sobre a expertise de Nelson em polêmica, Ruy Castro, biógrafo do dramaturgo e colunista da Folha, diz que "ele é o escritor brasileiro que botou mais dedos em feridas". "A prostituição como vocação é apenas uma delas, e numa época em que não se admitia nem às prostitutas serem prostitutas."
A familiaridade que Pondé sustenta haver com o texto do dramaturgo é rebatida pelo diretor de teatro Antunes Filho. Para ele, houve uma interpretação enviesada. "Estão querendo fazer pegadinha com a frase de Nelson. Ele fala de situações míticas, de arquétipos, do inconsciente coletivo. É preciso tirar essa ideia do social, do pequeno."
Diretora da Daspu, grife de roupas criada e divulgada por prostitutas, Gabriela Leite defendeu o ponto de vista do dramaturgo e a alusão. "Nelson é moderníssimo, as pessoas é que não são". Mas ela aponta que "ninguém quer ser chamada de puta". Ouvido pelo jornal, o colunista disse que o seu texto é uma "armadilha de pegar hipócrita. Se eu tivesse mencionado o dramaturgo e escritor, perderia o impacto", admite.

Fonte: Folha de São Paulo

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