Esse texto foi escrito à época do assassinato de Eloá (outubro de 2008) e circulou entre um grupo restrito. Achamos oportuno publicá-lo no momento em que o caso vai a julgamento.
Assentada a poeira inicial, não consigo parar de pensar neste assunto. Nos últimos dias, vimos passar diante de nossos olhos, pelas telas de nossas TVs, um tratado completo sobre as relações de poder entre mulheres e homens. Aquilo que os “iniciados” chamam de “relações de gênero”, e que tanta gente tem dificuldade para entender.Lindemberg e Eloá eram jovens moradores de um conjunto habitacional de trabalhadores da Grande São Paulo. Até onde sei, com histórias e vidas parecidas. Nada que envolvesse grandes disparidades socioeconômicas.
Envolveram-se num relacionamento amoroso, quando ela era pouco mais que uma criança, e ele um rapaz de dezenove anos. Segundo informações que circulam, era um namoro tumultuado, com vários rompimentos e reconciliações, geralmente motivados pelo comportamento possessivo de Lindemberg.
Até o dia que Eloá decidiu não se reconciliar mais com ele. Uma decisão que ele não podia aceitar, um atrevimento, uma manifestação insuportável de egoísmo, como falou por telefone a um repórter. Como ela não cedia às suas tentativas de diálogo, ele resolveu obrigá-la, da forma que lhe pareceu mais adequada. Ou seja, ela o empurrou a tomar aquela atitude extrema!
Invadiu a casa dela numa tarde de segunda-feira, insinuando que os colegas que estavam ali tinham intenções a respeito de Eloá que só ele mesmo poderia ter. Estava armado, e a situação logo evoluiu para cárcere privado.
Não tinha nada para pedir em troca, pois o que ele queria, que era a atenção exclusiva dela, já havia conseguido. Que fazer, então? Prolongar indefinidamente o inferno, para que não restasse dúvida sobre quem controlava a situação, para reafirmar, hora após hora, que ela era propriedade dele, e faria o que ele quisesse.
Não me venham com essa lorota de que ele foi movido pela paixão. O que moveu Lindemberg foi o medo de ser rejeitado de forma definitiva e de perder a voz de mando numa relação que ele controlava tão bem. Como ficaria sua hombridade? Como lidar com o vazio deixado por tamanha humilhação?
Passaram-se os dias, as noites, mais dias e noites, até que ele mesmo não suportava mais a situação que havia criado. Mas, como sair? Impedindo que Eloá continuasse a viver, e, agora, sem ele, que é um rapaz inteligente e sabe que não teria mais nenhuma chance. Mirou seu revólver na cabeça e no sexo da ex-namorada. Bem dentro da lógica de que “se não for minha, não será de mais ninguém”.
Lindemberg inviabilizou sua vida e seu futuro, mas ele ainda pode dispor de uma e de outro. Eloá foi imolada para que o macho pelo menos preservasse sua macheza, pois viverá o resto de seus dias assombrado pelo que foi capaz de fazer. Isto pode soar como uma simplificação extrema, e talvez seja mesmo, mas como encontrar razões defensáveis para o que aconteceu?
Peço vários minutos de silêncio e reflexão sobre este caso tão emblemático e, ao mesmo tempo, tão corriqueiro, em maior ou menor grau, em tantas relações supostamente afetivas entre mulheres e homens.
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