quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Mulheres reféns do crack

 
Acompanhar o processo de desintoxicação de usuárias de crack e identificar os fatores de vulnerabilidade a que essas mulheres foram expostas, durante a infância e a adolescência, associados à fissura. Com esse objetivo o professor Rodrigo Grassi de Oliveira, coordenador do curso de Psicologia da PUCRS, comanda a pesquisa Estudo de coorte sobre fatores de vulnerabilidade associados ao craving em dependentes de crack: impacto da negligência na infância na cognição, comportamento e resposta neuroendócrina.
O projeto desenvolvido no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (Nepte) da Faculdade, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) investiga fatores de risco para uso do crack ao observar o comportamento de 260 pacientes internadas na Unidade Psiquiátrica São Rafael, do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. O perfil encontrado é de mulheres entre 18 e 50 anos, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e de diferentes classes sociais.
O monitoramento das pacientes é de 21 dias, período médio da internação para desintoxicação. A pesquisa começou em março de 2011 e conta com 60 mulheres avaliadas. Até o momento, foi identificada uma diminuição do risco de suicídio, uma redução importante da depressão e estabilização dos sintomas de craving, a chamada fissura, um dos mais graves e intensos em usuários de crack. "A previsão é de resultados inovadores, de potencial importante, já que existem poucas pesquisas com abordagem interdisciplinar na investigação do processo de desintoxicação do crack", prevê Grassi.
O destaque dos resultados parciais é a relação com histórias de maus tratos na infância, em especial de negligência, e a dificuldade para reduzir os sintomas de fissura. "Essas mulheres levam o dobro do tempo das demais para superar essa fase. A hipótese é de que o estresse torna vulnerável o cérebro da criança e faz com que seu sistema de recompensa seja impactado, em virtude de alterações no desenvolvimento das estruturas cerebrais relacionadas, o que mais tarde cria uma dificuldade de controlar demandas de dependência química", explica.
Segundo o professor, das 60 mulheres investigadas, mais de 75% sofreram maus-tratos na infância. "Isso é importante porque o maior problema do crack é a recaída. Algumas delas estão internadas novamente e um dos fatores que contribuiu é a sensação de fissura", complementa. Há também uma hipótese neurobiológica relacionada com o efeito que o estresse precoce provoca no desenvolvimento do sistema de recompensa no cérebro. Os dados serão apresentados somente ao final do estudo, previsto para o segundo semestre de 2012. "O estresse precoce da criança contribui para o contato com as drogas. Essas pessoas se tornam mais suscetíveis a buscar alternativas de transgressão, como o uso de substâncias psicoativas. Quanto mais cedo a pessoa for exposta à droga, mais difícil será não se viciar e mais difícil será a desintoxicação", revela Rodrigo Grassi.
Segundo o psiquiatra, a média de idade para o início do uso de drogas nessa amostra é de 12 anos para substâncias como maconha e cocaína. O uso de álcool e cigarro começa mais cedo, por volta dos nove ou dez anos. "O estudo pretende mostrar a importância da prevenção primária. Políticas públicas de bem-estar infantil, reforço no Conselho Tutelar e intervenção familiar podem evitar esses problemas. Queremos quantificar a importância de uma infância adequada e evidenciar o dano que pode levar à intervenção", garante o pesquisador.
 
Os quatro pilares da pesquisa
Entre as várias perguntas que o projeto da Faculdade de Psicologia busca responder, a principal é do ponto de vista psicobiológico: o que acontece com pacientes durante a desintoxicação? Para encontrar as respostas, o projeto avalia aspectos biológicos, clínicos, cognitivos e comportamentais relacionados ao craving (fissura). Os resultados atuais foram obtidos com a avaliação de vulnerabilidade, na parte comportamental, onde está a principal relação com o estresse.
No âmbito cognitivo, verificam-se as funções executivas como julgamento e tomada de decisão. São realizados testes de memória e de atenção, como o experimento chamado Iowa Gambling Task, que consiste em um jogo de cartas para simular decisões da vida real em um paradigma de lucro e perda. Na área clínica são avaliados sintomas de depressão, ansiedade, fissura, gravidade da dependência química, transtornos psiquiátricos e comportamentos autolesivos.
Os estudos biológicos utilizam o fio de cabelo para identificar o grau de exposição ao hormônio do estresse nos últimos meses em uma parceria com o Laboratório de Toxicologia. Para cada centímetro de cabelo é possível determinar um mês. Por meio de amostras de sangue, em parceria com o Laboratório de Imunologia do Estresse, são analisados os marcadores inflamatórios, neurotróficos (responsáveis pelo crescimento de neurônios) e hormonais.
A pesquisa é desenvolvida por uma equipe multidisciplinar, em parceria com grupos de pesquisa do Nepte, do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da UFRGS e da equipe de Ação Social do Hospital Mãe de Deus. A coleta de dados conta com oito pesquisadores, sendo três do Hospital Mãe de Deus e cinco da PUCRS. No laboratório da Universidade, quatro profissionais trabalham na extração do material biológico e dois no gerenciamento de dados. Estão envolvidos profissionais de Psicologia, Psiquiatria, Enfermagem, Terapia Ocupacional e Educação Física.
 Reabilitação pelo exercício físico
 As Faculdades de Psicologia e de Educação Física e Ciências do Desporto da PUCRS (Fefid) pretendem implementar, em 2012, um projeto para intervenção na reabilitação cognitiva por meio da atividade física. Durante o segundo semestre de 2011, haverá uma seleção de alunos da iniciação científica e dois professores da Fefid serão capacitados no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (Nepte), vinculado à Faculdade de Psicologia, para trabalhar com trauma.
A proposta é desenvolver um programa de exercícios aeróbicos e de força com pessoas expostas a trauma na infância. Há uma série de evidências na literatura médica que mostra a redução de sintomas de fissura, de depressão e de ansiedade, além do aumento do período de abstinência por meio de exercícios físicos em dependentes de cocaína. "O exercício pode ser uma alternativa importante", esclarece o professor Rodrigo Grassi.

[Fonte: Revista PUCRS Informação Edição nº 156, setembro/outubro de 2011].

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