Por Ir. Rosita Milesi e William César de Andrade
Dados de 2010 da Secretaria Nacional de Justiça – SNJ indicam que a cada ano 60 mil brasileiros são vítimas da rede internacional de tráfico de pessoas, em sua grande maioria as vítimas são mulheres (entre 18-25 anos), vindas de famílias de baixa renda e traficadas para fins de exploração sexual. Também fazem parte do conjunto das vítimas a presença de homens adultos, crianças e adolescentes (entre 12 a 18 anos).
Pesquisas e estudos diversos indicam a existência de itinerários que levam à Espanha, Portugal, Suíça, Suriname. Mas é preciso salientar que o Brasil – no âmbito do tráfico de pessoas é país de origem, destino e transito o que torna muito mais complexo o enfrentamento desse crime e a construção de medidas sociais preventivas.
A CNBB em 2008 realizou o I Seminário Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, tendo articulado o evento em parceria com a SNJ e outras organizações da sociedade civil. Numa exposição dentro do seminário destacou-se como atividades a serem implementadas na Igreja:
“Reforço das redes e atenção aos grupos mais vulneráveis – como estão sendo atingidos pelas pastorais; atenção ao recorte étnico racial das vítimas do tráfico; buscar aliados nas diferentes instâncias da sociedade que têm sensibilidade para essa realidade; explicitação dos mecanismos e estruturas que favorecem a prática do tráfico de pessoas, lembrando também que as práticas de prevenção e contenção devem também ser disseminadas; aproveitar as estruturas eclesiais no sentido de marcar presença com os grupo mais vulneráveis; observar o aspecto ecumênico e interreligioso do desafio; campanha da fraternidade ou campanha específica de denúncia ao tema; e fortalecimento de um modelo eclesiológico aberto à ação profética.”[1]
Novos passos foram dados desde então – considerando-se aqui o contexto da Igreja Católica no Brasil -, seja na direção de reforçar a atuação das Comissões Justiça e Paz (nacional e em cada regional ou diocese), como no processo de sensibilização-prevenção e de denúncias de situações de vulnerabilidade social. Sintetiza essa perspectiva a criação do GT – Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas-CNBB, em 2010 e a mobilização por uma Campanha da Fraternidade com essa temática (agregando-se também o enfrentamento ao Trabalho Escravo).
Recentemente a CNBB, juntamente com a parceria da SNJ-MJ e da CRS, realizou o II Seminário Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo (11ª 13/agosto/2011). Foi um momento forte na caminhada pastoral pois indicou que algumas iniciativas estão se consolidando, tais como a Rede Um Grito Pela Vida, a parceria com outras organizações da sociedade civil e quando possível do próprio estado nos Comitês de Enfrentamento ao Tráfico, processos regionais de realização de seminários e outros tipos de encontros de formação nessa temática específica.
O II Seminário foi também espaço de reflexão e elaboração de sugestões para o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que está sendo elaborado pela SNJ-MJ. Destacam-se como Propostas apresentadas pelas participantes:
· Desafios na Prevenção: 1) Assegurar a presença do Estado com a realização de Políticas Públicas integradas para as populações expostas ao risco aliciamento e tráfico; 2) Divulgar o II PNETP na mídia estatal, com vídeos, filmagens, matérias, impressos, etc.; 3) Garantir orçamento para estruturas (abrigos, capacitação pessoal, atendimento à saúde), prevenção ao tráfico e para ações integradas de enfrentamento nas localidades onde estão sendo construídas as grandes obras; 4) Criar estratégias para que os Ministérios e Órgãos de segurança priorizem o enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo em suas ações; 5) Incluir o tema TP e TE nos programas de formação de profissionais que atuam com a população atingida, bem como assegurar o conteúdo de DH nas escolas, voltado aos estudantes e aos educadores; 6) Implantar e implementar mecanismos específicos para o enfrentamento do TP nas fronteiras nacionais; 7) Desenvolver Campanhas permanentes de enfrentamento ao TP e TE; 8) Adotar medidas para que o II PNETP seja definido como Política Pública de Estado, articulando os três níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal), de modo a garantir a adesão e o compromisso dos Estados e municípios a programas de proteção às vítimas, aos denunciantes e aos defensores de direitos humanos, entre outros.
· Incidência em Políticas Públicas: Sociedade: Fortalecer as redes de organizações da sociedade civil, para assumir controle social – monitoramento, denúncia, comunicação; Potencializar os mecanismos de comunicação; Estado: Aperfeiçoar/ampliar os mecanismos legais de enfrentamento ao TP e TE; Efetivar as ações de responsabilização dos culpados e correspondente punição; Garantir infra-estrutura/recursos para implementação das ações; Articular os diversos setores do poder público e corresponsabilização das três esferas; Atingir as raízes do problema (miséria / ganância / impunidade); Criar políticas públicas capazes de garantir mudança estrutural, tanto para vítimas, quanto para as pessoas em risco; Responsabilizar a mídia pelas informações divulgadas em suas programações.
· Cuidado e atenção às Vítimas: Garantir recursos econômicos e implementar estruturas adequadas para o atendimento às vítimas; Realizar campanhas na mídia; Garantir o funcionamento e fiscalização dos órgãos públicos existentes e a serem criados, voltados ao atendimento e proteção às vítimas.
Iniciamos essa reflexão com uma expressão bíblica :“Cuide dele (a)” , presente na narrativa do bom samaritano (Lc 10,25-37). O testemunho de quem acredita em Jesus passa por reconhecer no homem caído à beira da estrada, vítima de bandidos e deixado para morrer, um ser humano e, portanto um sinal da presença viva de Deus entre nós.
As vítimas de tráfico humano e suas famílias requerem de nós uma presença ‘samaritana’, acolhedora e dialogante, pois há muito a ser reconstruído. Mas ao mesmo tempo exige uma atitude vigilante, para acompanhar as políticas de estado e sua implementação. Denunciando sempre que isso se fizer necessário, e também ser propositiva na busca de respostas mais adequadas à realidade brasileira do tráfico de pessoas.
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Fonte: Rede Um Grito pela Vida
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