terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cultura machista dá origem à agressividade dos homens

Assédio é diário, em todo lugar e constrangedor para as vítimas, que mudam a rotina para evitá-lo.

Morena, Diene Darlys, 26, sentiu-se agredida quando um senhor, de dentro de um carro, a chamou para pedir informações, e o filho dele pegou em seus seios. Magra, Karine Simões, 23, deixou de ir à academia, até que comprasse um carro, para não ouvir cantadas grosseiras ao andar pela rua. Negra, Telma Lúcia, 55, fica constrangida dentro de ônibus quando os homens sentam ao lado dela e olham seu decote. “Eles só faltam entrar nos seios da gente”, diz.

Independentemente do tipo físico e da idade, as mulheres são assediadas de várias formas e muitas se sentem diariamente violentadas em diferentes lugares. Segundo estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 70% das mulheres em todo o mundo sofrem algum tipo de violência de gênero ao longo da vida. No quinto dia da série “Que amor é esse?”, a reportagem de O TEMPO apresenta a cultura machista que está na origem das atitudes agressivas dos homens.

“As populações violentas estão inseridas em uma sociedade orientada para a opressão das mulheres e dominação dos homens. E as pessoas aprendem isso nos momentos mais primários, nas relações familiares e, depois, na escola”, pontua a psicóloga Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), da Universidade Federal de Minas Gerais.

Quando Karine chegou em casa e contou ao pai que havia sido atacada verbalmente por homens na rua, ele perguntou: “Não foi a roupa que você estava usando?”. “Achei que foi machismo dele”, diz. Mas será que só o pai dela pensaria assim?

Perguntamos a homens e mulheres nas ruas de Belo Horizonte se a roupa influencia o modo como eles as tratam. As respostas ficaram divididas entre: “A mulher tem que ter bom senso”; “Muitas extrapolam nas roupas”; e “Elas têm o direito de usar o que quiserem, sem serem agredidas”.

Mas o que é considerado agressão não encontra consenso. Aqueles que “cantam” acham que as mulheres gostam, mas muitas preferem “aumentar o som do fone de ouvido” e ignorar as abordagens. Até mesmo enquanto a reportagem entrevistava trabalhadores que descansavam na praça da Savassi, eles não pararam de olhar e “cantar” as mulheres que passavam.

“No lugar”. Homens que cumpriam medida judicial por terem agredido a mulher, ouvidos pela reportagem, reforçaram a cultura machista. “Minha mulher usa o que a deixa satisfeita. Temos quase sete anos de casados, e ela sabe que uma pessoa casada não pode sair com uma saia vulgar. A mulher de respeito sabe se colocar no lugar”, disse um deles. Outro, que teve que se afastar da companheira, concorda. “Sempre falei para ela: ‘Se vai sair na rua, olha o tipo de roupa, se alguém mexer com você, eu não vou agradar’. Mas esse negócio de ficar assoviando mulher na rua agora dá até cadeia, né?”.

É nas atitudes mínimas, baseadas na “inferioridade dela e no controle dele”, que o machismo justifica e sustenta a violência contra a mulher. Para Marlise, apesar de avanços, mantemos amarras, principalmente em ver a mulher como parte do mundo privado e o homem, do público. “A mulher ainda é vista como a rainha do lar. A criança menina, você manda brincar de casinha, dá panelinhas, bonecas. Para o menino, você dá uma bola para ele brincar lá fora. Nisso, ele é o protagonista (público), e ela é vista como objeto de dominação (privado)”, explicou a psicóloga.

As mulheres, defende Marlise, não podem achar natural as imposições masculinas. “Isso não é amor, é posse”.

Novas gerações integram luta

A esperança na igualdade de gêneros vem também de um grupo de adolescentes que não aceita regras machistas. A editora da empresa Lugar de Mulher, Clara Averbuck, postou nas redes sociais, na última semana, que duas alunas de uma escola de São Paulo foram impedidas de assistir à aula porque estavam com “shorts curtos e distrativos”.

No dia seguinte, elas foram de burca e meninos de samba-canção, para protestar. “Proibindo o uso de ‘shorts curtos’ ou regatas, os adultos estão nos dizendo inconscientemente que a culpa do abuso sofrido pelas mulheres é das roupas que elas usam e mostrando que a vestimenta importa mais do que educação e respeito”, disseram.

44% Das cassações de registros médicos no país (27 das 61 entre 2009 e 2014) são por assédio sexual a pacientes, conforme dados do Conselho Federal de Medicina, divulgados no ano passado.

Mês passado
Uma estudante de 18 anos sofreu uma tentativa de estupro no banheiro feminino no campus de uma universidade federal do Triângulo Mineiro. De acordo com a Polícia Militar, o suspeito seguiu a vítima e, quando ela saiu do local, ele a esperava. O homem a arrastou, dando uma gravata no pescoço. Após se debater e gritar, a estudante conseguiu escapar.

Em letras de música

“Não venha não/Eu vivo do jeito que eu quero/Não pedi opinião/Você chegou agora e, tá querendo mandar em mim/Da minha vida cuido eu/Deitou na minha cama/E quer dormir com o travesseiro/Folgado”. Na letra da música, a cantora Marília Mendonça dá o recado que as mulheres não estão dispostas a aturar homens “folgados”.

Mas também eles deixam a mensagem de que existem homens novos para essas mulheres. “Mais uma vez/ Ele te feriu,/E é a ultima vez/Que ele vai por a mão em você, Te machucar, fazer sangrar,/Te humilhar, fazer chorar seu coração./Não tenha medo, denuncie/Deixa ele e vem morar comigo/Eu vim pra te buscar, eu vou te amar”, diz a música do cantor Fred Liel, que quando criança via o padrasto bater na mãe e fez a letra gravada pela dupla Zezé de Camargo e Luciano, trazendo muitos retornos positivos para mulheres que escutaram a música, segundo Liel.

Por cantadas melhores

A primeira mulher que conversamos, a advogada Paloma Baeta, 28, mostrou um vídeo que o marido acabara de postar nas redes sociais onde pedreiros – mundialmente conhecidos como os reis das cantadas – faziam elogios “inofensivos”, na visão dela. “Bom dia!”; “Essa roupa ficou bem em você!”; “Como você está?” – eram as frases ditas pelos homens da construção. A simulação foi produto de uma propaganda internacional de um chocolate que causou polêmica no ano passado porque deu a entender que os trabalhadores estavam agindo assim porque estariam com fome.

Para não deixar dúvidas

A Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher), adotada pela OEA em 1994, definiu que a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

Fonte: O Tempo

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