quarta-feira, 1 de julho de 2015

Ser mulher dói


por Amanda Gabriela Jesus Amparo via Guest Post para o Portal Geledés

Por mais, que facilmente se reconheça todos os estigmas de ser mulher dentro de ações mais simples do dia a dia, como nas discussões com seus amigos, maridos, parceiros, com homens em seus múltiplos grau de proximidade em que fica visível o quanto os irrita, o simples fato de ser uma voz feminina, se posicionando em igual tom. 

Os irrita em um grau tão absurdo, que precisamos ser taxadas, como histéricas barraqueiras e todos os outros adjetivos que comumente se entende para mulheres e que só uma mulher sabe o que é ter sua voz silenciada. Com argumentos tão inexplicáveis, mas que são tão bem aceitos socialmente, tão bem reconhecidos, que tira da boca, da voz das mulheres qualquer espécie de conteúdo valido do que foi dito. Por que o importante ali, é que ela seja apenas a louca a chiquilenta, a que não sabe o que diz por isto grita.

São tantas sensações de sutilezas mais micro que temos que naturalizar, no nosso dia a dia, para conseguir ser mulher. Sem esvair sangue constantemente, dentro das nossas relações mais intimas, que quando, se pensa em se estender estas frustrações para outras ações qe esperadamente acontece com mecanismos do mundo inteiro, fica impossível, conter que a veia se esvaia, e que sangre de maneira tão doida e tão forte. Talvez, não tenhamos outra opção se não, conter as reflexões, sobre praticas tão corriqueiras, e tão extensas que sofremos todos os dias, para que apesar de tudo seja possível viver. Ou melhor, sobreviver, para que ao menos neste simples ato de sobrevivência, conseguimos mostrar nossa cotidiana resistência.
Hoje pela manha (21/06) voltando da virada cultural, fui passar na catraca do metro republica, e o meu bilhete único não passou, não tinha saldo, com isso ficamos eu e uma amiga parada na catraca, fazendo umas brincadeiras. Imagino que nada incomum, para o evento do dia, e para a segurança do metrô que constantemente deve lida com pessoas voltando de eventos assim, na cidade de São Paulo onde isso tão comum. Na brincadeira passamos por baixo da catraca, obvio, tinham vários seguranças e vieram todos, começaram a fazer um pequeno cerco, para nos obrigar a volta. Logo gritamos que voltaríamos e que tínhamos dinheiro para pagar a passagem, no meio da confusão, aparece um segurança grande e forte que me pegou por baixo do braço de maneira coloquial, que eu não conseguia fazer o movimento de abaixar o braço, com isso ele foi me levando até a área fora das catracas com os braços esticados para cima, era tão forte, talvez uma técnica de contenção não sei, que apesar do espaço ser tão curto, que fui direcionada, até agora, horas depois, ainda dói, não apenas a área embaixo do braço que ele pegou, mas as costas e o pescoço também.
Imediatamente quando ele me soltou eu perguntei o nome dele e ele respondeu, em auto e bom tom, o meu nome é pintudo, eu e a minha amiga abismada gritamos o seu nome é pintudo e ele respondeu sim sou pintudo para vocês. Óbvio, fiquei tão chocada que foi impossível não fazer ali, naquele mesmo momento a reflexão daquela ação, que tava ocorrendo tão absurdamente ao fato de eu ser uma mulher. Que é uma daquelas horas que as veias não simplesmente se esvaem, mas jorra vasa, para todos os lados. Numa destas horas que sentimos tão fortemente o peso de sermos mulheres, e que por tal fato, não merecemos qualquer respeito, ou mesmo qualquer insulto, mas que nos mantenha em igual posição de gente, que esta ali ainda que seja para o combate para o conflito e que ainda neste ato de insulto se referisse a um oponente, a igualmente gente. Mas ao contrario, não, eu não era simplesmente quem transgride uma regra daquele lugar, eu era uma mulher, reduzida a sua total insignificância de tal.
A minha dimensão de ser mulher doía tanto, mais tanto, que qualquer dor física que me impulsionou a fazer o questionamento de com quem eu estava falando, desapareceu e em poucos segundos eu percebi que era possível senti saudades da dor anterior, mas que não era mais possível. Tava ali, instaurada um tipo de dor que na passava mais tarde.
Talvez pareça muito difícil dimensionar e reconhecer tudo o que eu to falando. Há sim talvez pareça muito com histerias e chiliques típicos de mulher, daqueles que citei acima e que suprime todo conteúdo, por que mulher é histérica e quem precisa ouvir. Naquele momento me dei conta disto também e também por isso me preocupei em construir o meu discurso, ali naquele momento apelando para toda e qualquer tipo de sensibilidade que pudesse especificar a gravidade da violência e ao fato de sermos mulheres e por isso a agressão estava ocorrendo.
Então nos gritamos eu e minha amiga, começamos a apelando a todos que estavam a minha indagando o que sentiriam se fosse com alguma mulher do seu ciclo intimo, se tudo bem para eles que um homem virasse e se identificasse para elas como pintudo, se fosse suas mães, suas esposas suas filhas irmãs, se elas fossem limitadas ao fato de serem, ser sexuados e que não precisasse ser reconhecidas como nada mais alem de um simples pedaço de carne que presta o serviço aos homens do sexo, logo, a sua identificação para com elas não precisaria ser mais que pintudo.
Passei daí a explicações mais didáticas, de que ocorriam ações contra mulher, inclusive naquela mesma instituição, como o recente caso da menina que foi estuprada naquela mesma estação do metro. Não era por acaso, mas por que todos eles eram coniventes com ações como esta contra mulheres.
Mas enfim, nos estávamos gritando e falando para uma plateia em sua grande maioria de homens, tanto passageiros, como os próprios seguranças. Então tentamos mudar a argumentação e apelar ao fato de serem funcionários de um estado que os reconhecia de forma tão degradante, que certamente não valia o preço de humilhar e desrespeitar pessoas daquela maneira.
Lógico, também não adiantou muito. A ideia de talvez comover quem estava passando os passageiros, a uma pequena resistência coletiva e mais forte, nos gerou um homem a parar e nos dizer, o quanto éramos ridículos, e que pouco adiantaria aquele escândalo, com isso ele conseguiu tirar o pequeno foco dos funcionários que estavam ali, não por que quisessem nos ouvir, e ao menos registrar uma reclamação, mas por que estávamos obstruído uma das passagens, ainda sim estes, aproveitaram a oportunidade e foram desaparecendo.
Lógico, o Sr Pintudo, já tinha desaparecido há muito tempo, os poucos funcionários que se mantiveram, já se referia a situação como se não soubesse o que tinha acontecido, e muito menos quem era este tal de pintudo. Depois de uma hora e meia de desgastante discussão conseguimos que um dos funcionários se identificando como supervisor do novo plantão ( os plantões sempre muda incrivelmente em horas de problema) nos dissessem que registraria uma ocorrência, nos deixou tirar uma foto dele, e a gravar uma declaração em áudio, se comprometendo em registrar uma reclamação do que aconteceu. Perguntamos se tínhamos como acompanhar a reclamação ele disse que não, quem era o supervisor do suposto plantão anterior ele não sabia nos dizer, muito menos quem era o pintudo.
Anterior a isso eu fiz algumas tentativas de ligar para a polícia e fui igualmente desrespeitada, com a desculpa que viria uma viatura em tempo indeterminado e com o telefonema desligado a minha cara, por insistir de ter uma previsão de tempo para a chegada da viatura. Que é claro não apareceu, pelo o menos nos quarenta minutos seguinte que ainda nos matemos na estação após o telefonema. O interessante é que na própria estação do metro fica de plantão a presença da policia militar. Mas esta era apenas uma desta tentativa e erros que cometemos em momento de desespero e total desamparo, por que em nada confio nesta gente.

Por que to aqui fazendo este relato? Por que apesar de chegar em casa as oito da manhã, depois de uma noite cansativa que o corpo pede apenas ama, o meu não para, não descansa, as veias não param de esvair, a garganta com um nó gigantesco, a boca seca e a lagrima não para de rolar, uma indignação tão grande que não cabe dentro de mim, uma raiva indescritível, e a infinita sensação quer ser mulher dói e dói muito.

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