segunda-feira, 3 de março de 2014

A valsa das prostitutas

França criminaliza prostituição, Brasil tenta legalizá-la.

A prostituição é um assunto delicado, apesar de já não ser um tabu, como nos velhos tempos da Bíblia, um dos primeiros documentos históricos ocidentais onde se revela a existência da prostituta. Governos, escolas e famílias passaram a discutir a existência das garotas e garotos de programa, tentando entender seu papel social e motivação, mas muitas vezes de forma superficial. Muito se confunde quando a palavra em questão é "prazer", que nem sempre é o prazer próprio. E isso culminou na criação de uma figura  altamente estereotipada, caricata e desumanizada. Assim, a dificuldade real de se falar sobre o tema é proveniente da banalização, e não da falta de informação. Da hipocrisia também, pois não são poucos os exemplos históricos, brasileiros ou não, de homens políticos que foram pegos se envolvendo com prostitutas.

Para minimizar a responsabilidade sobre a infidelidade e inocentar o livre-arbítrio do contratante que recorre à prostituição, as mulheres e homens que vendem seus corpos são chamados de pessoas de “vida fácil”, frequentemente associados à luxúria, como se a prostituição existisse para o prazer da prostituta, e não do cliente. Essa denominação já mostra por si a errônea ideia que se tem sobre quem vive da venda de sexo. Doenças sexualmente transmissíveis, drogas, violência, marginalização, abortos e filhos indesejados; são múltiplos os perigos aos quais quem tem “vida fácil” se expõe, o que faz com que o pagamento recebido – às vezes alto, é verdade, mas numa minoria de casos – seja qualquer coisa menos “fácil”.

E, partindo dessa diferença de remuneração, vale prestar também atenção aos diferentes níveis sociais e públicos onde a prostituta existe, indo das esquinas escuras aos camarotes VIPs, onde são chamadas de “acompanhantes de luxo”, o que deixa claro que sexo, não é apenas um desejo humano, mas também um produto de consumo. Por que, então, existe tanta dificuldade em assumir que existem prostíbulos, ruas e avenidas conhecidas pelo turismo sexual, sites de acompanhantes? A resposta está no Estado e na religião, pilares morais que tentam definir os costumes da população, tentando controlar a realidade ao invés de analisá-la.

Vergonha do passado
É o exemplo da França, onde fica o famosíssimo bordel Moulin Rouge (Moinho Vermelho, em francês), construído em 1889 por Josep Oller e cenário de diversas obras artísticas, como pinturas, poesias e até mesmo filmes, como o homônimo, de 2001, estrelado pelos atores Ewan McGregor e Nicole Kidman. O filme, indicado a oito categorias do Oscar e ganhador de duas, além de três Globos de Ouro, mostra que o tema está longe de ser um tabu, como nos séculos passados, e hoje é motivo de romantização e fantasia.

Uma outra personalidade, que inclusive é mostrada ficcionalmente no filme, é a do pintor Henri Toulouse-Lautrec, que, não satisfeito em se inspirar pelo ambiente e retratá-lo, chegou a tornar-se residente do Moinho Vermelho. Lautrec, que era anão, não encontrava no suntuoso “palácio” a mesma dificuldade que em outros lugares em relação à sua condição física. Assim, pode ser visto como um símbolo de outro lado da prostituição: o de tornar possível o sexo para o feio, o tímido, o ostentador que coleciona, o que foge de compromisso, o casado infeliz e o impaciente conquistador sem tempo para conquistas. Esses tipos de homens (e mulheres, é claro) são eternos e não irão desaparecer, e é justamente por isso que chamar as prostitutas de criminosas, imorais ou pecadoras é auto-acusatório; se ninguém comprasse o que oferecem, não haveria prostituição, mas não é bem essa a realidade que se encontra embaixo das luzes vermelhas.

Esse é o exemplo da França, que, apesar de ser território do Moulin Rouge, teve aprovada em dezembro de 2013 uma lei que torna a prostituição um crime, uma dança de criminalização e descriminalização que acontece no mundo há tempo, o suficiente para se perceber que isso não faz diferença nenhuma na prática. Numa dimensão acima dessa interminável guerra, está o reconhecimento dos direitos humanos da prostituta. E é aqui que entram o Estado e a igreja como vilões: ao tentarem aplicar seu julgamento moral à sociedade, descumprindo seu papel democrático de Estado laico, tiram da prostituta – que, antes de qualquer coisa, é um ser humano – sua dignidade e direitos trabalhistas, o que é uma ofensa à igualdade de direitos e ao respeito que essas pessoas merecem, como qualquer outra pessoa.

A discussão acerca dos direitos desses e dessas protagonistas da indústria do sexo, todavia, é relativamente nova, e veio parar nos jornais muito depois dos próprios anúncios de acompanhantes, já comuns em qualquer jornal que tenha uma área de classificados e existentes desde a impressão dos primeiros folhetins. Como pode a sociedade, tão diversificada quanto as pessoas que oferecem e adquirem esse tipo de serviço nos jornais, fingir que não participa desse mercado?

Prostitutas ouvem segredos, compartilham carícias, veem a fraqueza dos homens que suspiram sobre seus corpos, conhecem a homossexualidade de pessoas moralistas; não é de se estranhar que políticos, contrariamente a artistas, queiram fingir não ter contato algum com esse mundo. Nada que se tenta fazer tabu é por acaso: tudo parte da tentativa de se esconder algo, de não permitir que as pessoas tenham consciência e abominem práticas que são, na verdade, comuns e reais.

Demanda crescente
Bons exemplos existem, e de tão incomuns, acabam chocando a sociedade. Um deles é o noticiado pelo jornal belga Nieuwsblad, que informava que a prefeitura de Belo Horizonte irá pagar aulas de inglês para profissionais da prostituição, antecipando a demanda da Copa de 2014. Além disso, como noticiado no jornal Correio da Manhã, após batalha da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), conseguiram viabilizar máquinas de cartão de crédito, numa parceria com a Caixa Econômica Federal, também na expectativa do aumento de fluxo vindouro.

E também no poder público existem as iniciativas de reconhecimento da prostituição, para que isso permita à categoria ter direitos trabalhistas como qualquer outra. O político Fernando Gabeira, do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros a elaborar projetos de lei que criassem regularização nas casas de prostituição. A causa dessa fiscalização seria impedir que homens e mulheres que se prostituem sofressem abusos por parte de seus contratantes, os chamados cafetões e cafetinas, que muitas vezes criam ambientes de escravidão domiciliar para seus funcionários. Além disso, a medida possibilitaria ao órgão responsável identificar menores de idade ou casos em que a prostituição não fosse voluntária, salvando vidas e destruindo redes de crime.

Atualmente as casas de prostituição existem em larga escala, e a polícia tem conhecimento de grande parte delas. Mas já que não existe regulamentação específica, não se pode exercer controle sobre tais empreendimentos. É o que tenta mudar, agora pela segunda vez na história do país, o deputado Jean Wyllys (Psol - RJ), com o projeto de Lei Gabriela Leite (PL 4211/2012). A medida tem por objetivo regulamentar as condições de trabalho do profissional do sexo, e tem clara, em seu primeiro item, a definição da função: "Art. 1º - Considera-se profissional do sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração". Mais à frente, em seu conteúdo, acrescenta: "Como demonstrado, não existe prostituição de crianças e adolescentes. Muito pelo contrário, essa prática se configura como abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes e se tipifica como crime severamente punido pelo Código Penal".

Assim, a prostituição, temporária ou não, autônoma ou não, é muito diferente da pedofilia e da escravidão sexual, que são condições de existência degradantes, onde a prostituição não é voluntária. "O projeto é urgente, sobretudo às vésperas dos grandes eventos (...) e não vamos ser ingênuos de achar que os turistas não vão demandar por esse serviço sexual. Então, as prostitutas têm de ter um ambiente seguro para prestar esse serviço", declarou Wyllys.

"Se aprovado, o projeto garante às prostitutas o acesso à saúde, ao direito do trabalho, à segurança pública e, principalmente, à dignidade", defende. Um dos exemplos internacionais que o deputado tem é o da Alemanha, que, durante a sua Copa, em 2006, teve em torno de 440 mil prostitutas trabalhando, número esse que o Brasil talvez supere em 2014.

Sobre o projeto, o deputado lançou uma declaração que percorreu a mídia e gerou a inimizade de parlamentares, justamente por sua veracidade: "as prostitutas, embora estigmatizadas e marginalizadas, são uma categoria menos odiada que os homossexuais. E tem outro fator, eu diria que 60% da população masculina do Congresso Nacional faz uso dos serviços das prostitutas, então acho que esses caras vão querer fazer uso desse serviço em ambientes mais seguros".

Fonte www.dm.com.br

Um comentário:

luciano disse...

A questão de descriminalizar ou não a prática das prostituição no Brasil aparece como algo bastante pertinente uma vez que ,na prática ,a prostituição existe e tende a continuar existindo.Outrossim, qualquer pessoa que tenha um mínimo de sensibilidade social reconhece que a mulher em situação de prostituição é gente, é um ser humano.
Na prática, todavia, a referida proposta não assegura os direitos das pessoas em situação de prostituição.É uma ingenuidade acreditar que mudanças na lei possam transformar em profissão de fato esta atividade que se exerce na informalidade.Ser prostituta é na verdade um "bico".
Para ser "profissão" ,como entendemos este termo,todas as esferas do Direito teriam que ser mobilizadas.
Será que os que exploram a prostituição alheia contratariam as mulheres segundo o que determina a CLT como se faz em relação a outras atividades regulamentadas?Elas teriam carteira assinada?Teriam direito às férias remuneradas?Teriam décimo terceiro e FGTS?
A prática demonstra a grande dificuldade de se estabelecer um vínculo empregatício nesse caso.A mulher que se prostitui viaja constantemente.Procura por outras estabelecimentos se aquele onde trabalha não lhe proporciona ganhos por falta de clientes.
SE aprovada a referida lei continua tudo como está para as pessoas em situação de prostituição.Assim como a Lei Maria da Penha tem sido inócua nos casos de violência doméstica contra as mulheres,também no caso da prostituição os direitos destas pessoas não seriam assegurados.
Quem se beneficia é o dono da boate ,do hotel, da "casa de massagens".Ele sim, seria beneficiado.