quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Lulus ofendidas

Recentemente, as redes sociais e as rodas de conversa foram tomadas pela polêmica em torno do aplicativo Lulu, em que mulheres avaliam o perfil de homens, atribuindo-lhes notas e comentários.

Por Talyta Carvalho

Não interessa debater a questão dos direitos individuais por dois motivos. Primeiro porque é possível retirar seu perfil. E segundo porque, em tempos digitais, qualquer desejo de privacidade e sigilo totais com relação a informações sobre você soa tão ingênuo quanto acreditar em unicórnios.

O aplicativo se apresenta como uma ferramenta que visa reunir informações sobre rapazes. Trata-se de um propósito inócuo, uma vez que desconheço o fato de mulheres ficarem com um rapaz porque alguém disse que ele é bacana, ou ainda não ficarem porque alguém disse que ele não presta.

A questão a ser discutida está no âmbito das relações homem versus mulher. Em pouco tempo, o Lulu angariou defensoras fervorosas, que reivindicam estarem apenas se valendo de sua liberdade para fazer na internet o que já faziam entre amigas. Do lado masculino, a reação é ambígua: há os que gostaram (avaliações positivas se tornaram "boa propaganda") e há os que odiaram (pela exposição).

Gostaria de me restringir à relação entre os homens que se sentiram agredidos e as mulheres que defendem o Lulu.

As reações oriundas da porção feminina foram desde a afirmação de que eles são fracos e "não aguentam brincadeira" até brados de "eles finalmente provaram um pouco de seu próprio veneno."

Décadas de feminismo nos tornaram especialistas não apenas em políticas de ressentimento, mas também em reações prontas de defesa em vista de qualquer coisa vinda de um homem, opressor por definição mesmo que em potência.

Isso posto, não há, para essas mulheres, como legitimar a indignação masculina. Claro, se a história fosse a inversa, se tivessem sido os homens a criar primeiro o Tubby, já estaríamos preparando as fogueiras para a nova inquisição.

Sabiamente, Alexis de Tocqueville (autor de "A Democracia na América") já apontava que os princípios de liberdade e igualdade são inversamente proporcionais; um cresce para o outro diminuir.

O Tubby seria sexista em princípio e estaria a serviço do machismo, perpetuando desse modo a objetificação das mulheres. Mas, quando se trata de homens, não configura objetificação? Só é sexismo quando o alvo são mulheres? Em cenários de busca por igualdade, o cerne não deveria ser que não se deve objetificar pessoas? Eu, particularmente, não vejo grandes dramas na objetificação; tudo é objeto.

Há quem tenha defendido o Lulu mesmo admitindo que se incomoda com a objetificação das mulheres e que de fato há ali uma objetificação dos homens, muito embora esta última seja legítima tendo em vista todos os séculos de objetificação/humilhação que as mulheres sofreram e sofrem cotidianamente, em todos os lugares que frequentam: trata-se de dizer que não é possível comparar homens e mulheres por motivo de "falsa simetria". Ou argumenta-se a favor de uma "justiça histórica". Se há apenas dívida histórica e a impossibilidade de homens e mulheres se sujeitarem aos mesmos critérios de julgamento, todo debate necessário silencia.

O momento é de abandonar o papel de "vítima histórica", como diz a filósofa Elisabeth Badinter ("Fausse Route"), e nos empenharmos em discutir sem medo como viabilizar as relações entre homens e mulheres e, ainda, como sermos mulheres que agem no mundo sem mediação de uma lógica revanchista.

TALYTA CARVALHO, 27, é especialista em Renascença e mestre em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


#Lulu #injúria


Por Fernando Castelo Branco e Frederico Crissiúma de Figueiredo, advogados criminalistas

A internet traz sensação de anonimato que, muitas vezes, não condiz com a realidade, mas estimula comportamento irresponsável - e punível

Os americanos são aficionados por listas. Está em seu DNA cultural a incansável tentativa de categorizar, ordenar e atribuir notas a tudo que tenham contato.

A revista "Time" apresenta anualmente a lista dos mais poderosos. A "Forbes" relaciona os mais ricos, a "People" os mais bonitos. O filme "Alta Fidelidade" --para muitos, referência cultural deste século-- narra a história do dono de uma loja de discos de vinil obcecado pela elaboração das mais diversas listas.

Agora, no momento em que o Facebook torna-se onipresente, com mais de 1 bilhão de usuários no mundo - 65 milhões deles no Brasi --, surge nos Estados Unidos um aplicativo que se dispõe a dar notas aos homens, listando-os de acordo com suas qualidades - ou falta delas.

O aplicativo Lulu, oficialmente lançado no país na semana passada, permite que as mulheres - e somente elas - acessem o perfil dos homens no Facebook e, por meio de uma série de perguntas, atribua-lhes notas de 1 a 10, além de oferecer hashtags para classificá-los.

Hashtags são uma forma de indexação que começou a ser usada no Twitter e se espalhou pela internet, na qual se acrescenta o símbolo # a uma palavra qualquer, tornando possível indexá-la automaticamente. O aplicativo fez sucesso: atualmente é o mais baixado no iTunes e Google Play brasileiros.

Entre os operadores do direito, porém, a situação traz uma série de inquietações, e suas consequências já começam a aparecer. Há notícia de que as primeiras ações cíveis contra o Facebook e a Luluvise (empresa desenvolvedora do Lulu) foram ajuizadas e o Ministério Público instaurou um inquérito civil público.

Das hashtags, as depreciativas tiveram maior apelo, transformando o programa também em uma forma de vingança pessoal. Entre as mais usadas estão #maisbaratoquepãonachapa, #prefereovideogame, #arrotaepeida, #tocavuvuzela, #piormassagemdomundo, #curteoromerobritto, #4e20 (analogia ao consumo de maconha).

Em que pese o tom inconsequente de brincadeira, fica clara a possibilidade de que as pessoas sintam-se efetivamente ofendidas por essas e outras expressões. Além disso, graças à enorme quantidade de suas usuárias, há um vasto potencial dessas proliferação de injúrias.

Para os homens que pretendem preservar sua intimidade, são criados diversos obstáculos. Aqueles que tiveram seu perfil avaliado e desejam exclui-lo deverão percorrer tortuoso caminho, expondo, mais uma vez, logados pelo Facebook, seus dados pessoais, que serão armazenados indevidamente pelo Lulu, em troca da exclusão.

A internet traz uma sensação de anonimato que, em regra geral, não condiz com a realidade, mas estimula um comportamento muitas vezes irresponsável. Por outro lado, é certo que a nossa Constituição protege, como garantia fundamental, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O Código Penal, por sua vez, tipifica como injúria, punível com pena de detenção, ofensa à dignidade ou decoro de outra pessoa.

Por isso, menina, #cuidado!


Fonte:  Folha de São Paulo

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