segunda-feira, 29 de abril de 2013

Nhá Chica será beatificada sábado no interior de Minas


Baependi, no sul de Minas, receberá no sábado mais de 40 mil visitantes - o dobro de sua população - para a beatificação de Nhá Chica, que se notabilizou no século XIX pela vida de oração e dedicação à caridade. Analfabeta e muito pobre, recebia diariamente em casa dezenas de pessoas pedindo orações para obter graças e milagres, por intercessão da Imaculada Conceição.


Neta de escrava, filha de ex-escrava e de pai desconhecido, Francisca de Paula de Jesus nasceu em 1810 em Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, distrito de São João del Rey (MG). Morreu em 1895 em Baependi, onde viveu por mais de 80 anos e onde será beatificada às 15 horas do dia 4 em cerimônia presidida pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, representando o papa Francisco.

A prefeitura de Baependi montou um esquema especial. O centro da cidade será fechado ao trânsito e linhas de ônibus especiais farão o transporte a partir de localidades vizinhas. Voluntários estão sendo treinados para orientar visitantes. A cerimônia se iniciará com missa solene num espaço de 55 mil m² de uma antiga beneficiadora de pedras.

A beneficiária do milagre aceito pelo Vaticano - a professora Ana Lúcia Meireles Leite, de Caxambu - vai acompanhar a cerimônia. Ela tinha um defeito no coração, comprovado por exames médicos, e deveria fazer uma cirurgia, que foi adiada por estar com febre alta. Posteriormente, novos exames constataram que não existia mais o problema. Uma comissão médica da Congregação para as Causas dos Santos declarou, em outubro de 2011, que a cura não tinha explicação científica.

Os restos mortais de Nhá Chica estão guardados numa urna de acrílico, dentro de outra de granito, no Santuário de Nossa Senhora da Conceição em Baependi. O túmulo onde estava foi aberto para exumação em 18 de junho de 1998 - 103 anos após sua morte. Já estava em andamento o processo de beatificação, iniciado em 1989. A Congregação para a Causa dos Santos deu parecer favorável sobre as virtudes da futura beata em junho de 2010 e em junho de 2012 reconheceu a autenticidade de um milagre atribuído à sua intercessão.

Vida de devoção

Nhá Chica viveu em Baependi com a mãe, Izabel Maria, e o irmão, Teotônio. Era uma "moreninha clara, olhos verde-gaios, jovial, dengosa, um encanto de criança, alegre e comunicativa", conforme relato de monsenhor Lefort, citado pela pesquisadora Rita Elisa Seda na biografia Mãe dos Pobres - Nhá Chica, lançada em março pela editora Comdeus - Servos da Imaculada.

A avó de Nhá Chica, uma africana trazida de Angola num navio negreiro em 1725, ficou conhecida como Rosa de Benguela. Tratada torpemente aos 14 anos pelo seu "amo e senhor", como registrou em manuscrito, foi vendida e levada do Rio para Minas, onde morou no Inficionado, a 12 km de Mariana. Cativa na Fazenda Cata Preta, viveu 15 anos na prostituição. Aos 30, doente, resolveu mudar de vida. Vendeu os poucos bens que tinha, distribuiu o dinheiro aos pobres e começou a participar de ofícios e liturgias nas igrejas da região. Sua filha Izabel Maria, a mãe de Nhá Chica, foi alforriada. Mulher piedosa, pediu a Francisca que não se casasse para dedicar a vida à caridade.

Foi em Baependi, cidade de 18.307mil habitantes pelo Censo de 2010, que Francisca cresceu e viveu numa casa de quatro cômodos até 1895, quando morreu. Tinha 85 anos - ou 90, ou 82, segundo dados contraditórios dos registros de nascimento e óbito. Ficou quatro dias insepulta, mas o corpo não se decompôs. "Seu corpo não exalava mau cheiro, mas um suave perfume de rosas", escreveu d. Diamantino Prata de Carvalho, bispo da Diocese de Campanha, no livro de Rita Elisa.

Seis anos mais velho, Teotônio estudou e ocupou cargos públicos de prestígio. Insistia para a irmã morar com ele, mas Nhá Chica sempre recusou. Obediente à recomendação da mãe, vivia celibatária cultivando verduras, frutas e flores e rezando muito. Com esmolas e ajuda do povo, mandou construir uma capela que ficou conhecida como igreja de Nhá Chica.

A menina nunca foi à escola. Viveu e morreu analfabeta. Lamentava não poder ler a Bíblia, da qual decorava trechos e recitava de cor nas orações. Rezava diante de uma pequena imagem da Imaculada Conceição, retirando-se para junto dela no quarto, enquanto pessoas que recorriam às suas preces aguardavam na sala.

A piedosa literatura que conta sua história registra casos de premonição, curas, localização de parentes e animais, encaminhamento de noivados e casamentos. "Sou apenas uma pobre analfabeta, mas rezo com fé, peço a Deus e Ele me atende pelos méritos de sua Mãe santíssima", dizia.
Fonte: Estado de S. Paulo

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