Lembro que, quando criança, não gostava de ir aos encontros de catequese. Achava chato e tão sério esse negócio de religião. Nunca aprendi as coisas básicas do catecismo, não sei os mandamentos de cor, e tem orações da nossa tradição que eu sei só de olhar os lábios de quem está rezando. Nunca fui boa menina de igreja, mas gostava, no tempo da minha infância, aos domingos, de ir ao cinema da paróquia. Lá, o pároco (que agora, tenho certeza, é um fofo e divertido anjo do céu) me deixava entrar na sala de projeção e me ensinava a mexer com as máquinas que faziam rodar os filmes.
Eram máquinas enormes e barulhentas. Eu, montada em cima de um banquinho, ajudava a rodar o filme, aprendia a cortar certinho os pedaços de película que enroscavam ou queimavam, sabia juntar de novo o filme e fazê-lo rodar. Era divertido, aos domingos, rodar os filmes no salão paroquial. Deste período, eu me lembro de um filme, em branco e preto, bem antigo que eu não cansava de rodar e de assistir. Não me lembro mais do título, mas a atriz era uma grande atriz, Ingrid Bergman. No filme, ela era uma missionária leiga. O sonho dela era ser missonária da China. Nenhuma organização missionária queria investir numa mulher, sem muita escolarização, solteira e leiga que queria ser missionária num país longínquo e desconhecido como a China. Lembro-me que, no filme, a missionária foi trabalhar para pagar a passagem do trem no norte da Europa até a China!
Os meus olhos se arregalavam de maravilha quando, da pequena janela da sala de projeção, eu assistia a esse filme e via aquela mulher corajosa, viajando muitos dias e noites, de trem, milhares e milhares de quilômetros até chegar à China.
Mas o que aquela missionária foi fazer na China? Ninguém queria se converter ao cristianismo. As pessoas se sentiam bem na religião que frequentavam. A missionária se uniu a uma outra velha missionária e, juntas, abriram uma casa para oferecer chá. Imaginem o absurdo, deixar o próprio país, a própria cultura, o próprio povo, viajar para o fim do mundo para... oferecer chás!
A jovem e a velha missionárias ofereciam chá para aquele povo sofrido e desconfiado e, junto com o chá, ofereciam contos de histórias. Passavam dias e noites contando para homens, mulheres e crianças lindas histórias de um homem querido que falava de amor, de paz, de solidariedade. Contavam histórias sobre Jesus e seu movimento. As pessoas adoravam entrar na casa das missionárias para se esquentarem ao calor do chá e de palavras boas, de carinho e de esperança. Tudo isso era um azeite bom que esquentava o corpo, curava as feridas e as deixava fortes para a vida sofrida do dia-a-dia.
A missionária não converteu ninguém para a sua religião. Mas, quando caminhava pelas ruas da aldeia, as pessoas sorriam e, como é costuna na China, a reverenciavam, dizendo "que bom te ver, Gen-ai", Gen-ai, um nome chinês que significa "aquela que ama é é amada pelo povo".
Eu gostava de assistir àquele filme, acho que o título era "A taverna da sétima felicidade". Gostava de ver o jeito daquela missionária; era azeite para o meu coração e me deixava forte na vontade de ser gente.
Azeite... Há pessoas e jeitos de ser que são azeite: que curam feridas, dão coragem para enfrentar dificuldades, fazem bem para os corpos e almas espalhadas pelo mundo. É importante ser azeite na vida. Ser instrumento para o amor e a ternura poderem vingar.
Provavelmente, isso é ter vocação e ser missionário. Parece-me que o importante não é o estudo, a preparação, a "pureza"... Importante é ser azeite, ser gente de acolhida, de amor, espaço aberto para todos os pobres; sorriso indefeso para todas as lágrimas... Ser azeite para a vida poder sempre ser a última palavra.
E me vem, ao coração um texto do Evangelho de Mateus, no capítulo 25, versículo 1 ao versículo 13.
"Naquele dia, o Reino do Céu será como dez virgens que pegaram suas lâmpadas de óelo, e saíram ao encontro do noivo. Cinco delas não tinham juízo, e as outras cinco eram prudentes. Aquelas sem juizo pegaram suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. As pudentes, porém, levaram vasilhas com óleo, junto com as lâmpadas. O noivo estava demorando, e todas elas acabaram cochilando e dormiram. No meio da noite, ouviu-se um grito: 'O noivo está chegando. Saiam ao seu encontro'. Então, as dez virgens se levantaram e prepararam as lâmpadas. Aquelas que eram sem juízo disseram às prudentes: 'Dêem um pouco de óleo para nós, porque nossas lâmpadas estão se apagando'. As prudentes responderam: 'De modo nenhum, porque o óleo pode faltar para nós e para vocês. É melhor vocês irem aos vendedores e comprar'. Enquanto elas foram comprar óleo, o noivo chegou, e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento. E a porta se fechou. Por fim, chegaram também as outras virgens, e disseram: 'Senhor, Senhor, abre a porta para nós'. Ele, porém, respondeu: 'Eu garanto a vocês que não as conheço. Portanto, fiquem vigiando, pois vocês não sabem qual será o dia, nem a hora".
Uma vez, ouvi este testemunho de uma pobre mulher do Nordeste: "O meu nome é Aparecida. Eu trabalho, tenho seis filhos e sou virgem. O chefe do lugar onde trabalho muitas vezes me ofereceu dinheiro para que eu entregasse as companheiras de trabalho que chegavam atrasadas e aquelas que participavam das reuniões do sindicato e da greve. Eu sempre me recusei. Um outro convidou-me para jantar e depois fazer um programa com ele, e eu disse que não. Isto é, para mim, ser virgem. Eu não me vendo para esses homens..."
Aparecida, missionária da vida digna, missionária que provavelmente nunca saiu do Nordeste. Aparecida, virgem da vigilância e da teimosia pelo Reino. Mulheres... virgens... chás... azeite... consolo... Vida em plenitude!
Fonte: cebi
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