Rudá Ricci (Foto: Arquivo pessoal/Twitter)
“A corrupção se dá em países que têm alta
desigualdade social e num Estado que é apropriado por elites”, diz Rudá Ricci à
IHU On-Line. Para ele, esse é o quadro do Brasil, onde “as elites ingressam no
Estado, capturam os fundos públicos e pagam os gestores para receber esses
fundos”.
Para romper com essa lógica,
assevera, “tem que atacar a desigualdade social e fazer o Estado ser
transparente”. E critica: “Há quem ache que corrupção é uma questão de foro
íntimo, de desvio de comportamento, quando na verdade a corrupção é do sistema;
essa ideia é típica de jovem que nunca atuou no Estado, que não sabe como se
fazem, inclusive, as pequenas corrupções morais, quando a pessoa chega ao
restaurante e todo mundo aplaude, cedem o lugar para ela sentar e a pessoa come
e não paga a conta. É isso que a transforma. A pessoa vira capa de revista e
acaba tendo um poder de servidor público que não poderia ter. Isto é corrupção:
achar que se é maior do que um cidadão comum”.
Na entrevista a seguir, concedida
pessoalmente à IHU On-Line quando esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU,
participando do “VI Seminário dos Observatórios. Democracia, Políticas Públicas
e Informação”, Rudá também faz uma avaliação das principais disputas existentes
no PT e menciona que a “queda de potência do PT vem obrigando o partido a se
realinhar”, embora nem todos os dirigentes concordem com isso, já que muitos
“vivem disso”, “se profissionalizaram na política, e toda a sobrevivência,
inclusive pessoal, se mantém com essa máquina, então é evidente que nesse
momento há uma resistência pela sobrevivência”. Na avaliação dele, a questão
central em debate no partido hoje é “ou a atual direção do PT se mantém e
esfacela o partido, ou cede espaço para novas correntes ou correntes de
oposição, embora não saibamos para onde essa mudança levará o partido”. E
conclui: “Está chegando a hora da verdade para o PT, o que deveria ter ocorrido
há anos, já em 2013, naquelas manifestações”.
Rudá Ricci é graduado em Ciências
Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em
Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em
Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva,
professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da
Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de
Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed.
Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A
Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como analisa a Proposta de Emenda Constitucional – PEC
241?
Rudá Ricci – Se a proposta é
fazer cortes, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal determina um controle
sobre o gasto. Isso significa, portanto, que a PEC está criticando a Lei de
Responsabilidade Fiscal ao apontar que se trata de uma lei frágil. Ao invés de
instituir a PEC, precisávamos ter claro, em primeiro lugar, como e em que áreas
os gastos devem ser cortados. O Brasil está entre a nona e a oitava economia do
mundo, e é o país mais rico da América Latina, mas estamos abaixo da média da
desigualdade social nesse território, segundo o IDH-D (Índice de
Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade). Portanto, estamos falando de
um país que é muito rico, mas que tem muitos pobres, ou seja, é um país
absolutamente injusto socialmente.
O problema é que no Brasil nós
forjamos uma elite, inclusive intelectual, que se forma dentro de uma cultura
estamental e é daí que vem esse discurso absolutamente insensível da
meritocracia. Como eu posso dizer que sou o melhor se eu sempre tive condições
de chegar a ser doutor ou pós-doutor? O Brasil, na área educacional, é um
funil, pois somente 2% a 5% de quem entra na educação infantil sai da faculdade
com emprego. Então, se temos que fazer cortes, não daria para fazê-los
justamente nas políticas sociais, que geram não só a proteção social, mas contribuem
para que um dia as pessoas possam disputar com a elite, se é o caso.
Então, onde deveriam fazer o
ajuste? Em primeiro lugar na sonegação de impostos, que perfaz hoje, segundo o
Banco Mundial, 13,6% do PIB. Só aí teríamos a resolução dos nossos problemas. O
segundo aspecto seria aumentar o imposto sobre as grandes fortunas; além disso,
temos que cortar a famosa “bolsa empresário” e diminuir a distância entre o
topo das escalas das funções de Estado com a base. Temos muitas possibilidades
de cortes que não esses que atingem os pobres.
Essa PEC é ignorante e foi
formulada completamente sem base técnica. Para termos uma ideia, o maior
especialista em estudos de retorno de investimento público, o inglês David
Stuckler, que esteve no Brasil recentemente, prova que as áreas que têm menor
gasto a médio e longo prazo, se investirmos hoje, são educação e saúde. Isso
significa que o corte que o governo fará em educação e saúde terá um impacto
negativo no futuro. Não adianta o governo falar que não terá corte, porque a
população brasileira crescerá em 20 milhões nos próximos 20 anos, e exatamente
porque haverá um crescimento per capita e teremos nesse período a mesma média
de gasto, mesmo corrigido pela inflação, haverá queda de recursos. O problema é
que gastaremos muito mais depois dessas duas décadas.
Stuckler mostra que aumentou o
número de doenças, inclusive de doenças contagiosas, e aumentou também o número
de suicídios em locais que fizeram cortes como os sugeridos pela PEC 241. Na
Europa, depois das propostas de austeridade orçamentária, foram registrados 12%
de suicídios e, em alguns países como a Grécia, o índice chegou a 17%.
Portanto, é um absurdo e uma irresponsabilidade pública o que estão propondo
com essa PEC. Se a PEC passar, esses deputados, senadores e governos pagarão
duramente nos livros de história.
IHU On-Line – Sua sugestão então
é que haja um aumento do gasto estatal, já que, mesmo gastando, o Brasil
continua um país muito desigual?
Rudá Ricci – É evidente que temos
que aumentar os gastos nas áreas que nos interessam. É a velha discussão: o que
nos interessa nesse momento, ter pesquisa de ponta e investir na elite ou fazer
com que este país tenha mais pessoas que possam pesquisar se elas tiverem
condições de ascenderem socialmente e se tornarem classe média? Essa é uma
opção política do país. O Brasil sempre opta pela elite, o dinheiro vai para a
elite e nunca vai para os mais pobres; quando fazemos qualquer ação, mínima que
seja, na direção oposta, vem logo uma reação ultraviolenta para retirar o
básico. A proposta da PEC 241 e as outras, como a da Reforma da Previdência,
fazem o Brasil voltar para antes dos anos 1950; estamos andando rapidamente
para o atraso.
IHU On-Line - Fazendo uma
retrospectiva do que foi o governo Lula, houve uma tentativa de avançar na
construção de políticas públicas e de romper com esse modelo que o senhor
descreve, ou não?
Rudá Ricci – O governo Lula ainda
tem que ser muito bem estudado, não tanto em termos de informação, mas em
termos de análise. O governo Lula não teve proposta nenhuma de esquerda, ele
teve propostas rooseveltianas e do New Deal, que consistia em ter um Estado
orientador dos investimentos da iniciativa privada, e o subsídio do gasto
popular para transformar o trabalhador em um consumidor da indústria nacional.
IHU On-Line - Mas os resultados
brasileiros foram diferentes dos Estados Unidos?
Rudá Ricci – Foram mais ou menos
iguais. Nos EUA houve uma retomada da indústria, como aconteceu aqui no Brasil,
e a cada ano subimos um ou dois postos no ranking do PIB nacional no mundo;
houve uma queda de 50% dos miseráveis no Brasil e praticamente se chegou ao que
se denomina de desemprego zero ou pleno emprego, com 5% de desempregados -
agora estamos com 12%. Ou seja, a situação melhorou muito.
O Lula também optou por outras
políticas neoliberais: o Programa Bolsa Família é uma proposta do Milton
Friedman, logo, é uma proposta neoliberal. A ideia do Bolsa Família é a de que
o Estado dá um recurso para fazer com que as famílias se tornem consumidoras e
isso alavanca o pequeno mercadinho do bairro.
Qual é o grande problema do
governo Lula? É que ele tutelou a sociedade civil e não aumentou o controle
social sobre o Estado. Na medida em que ele centralizou a política no próprio
governo federal e aumentou as alianças institucionais de cúpula, ele criou a
sua própria arapuca. O problema do Lula é político: ele fez o Brasil dar um
passo para trás fazendo acordos da Velha República. Ele poderia ter avançado
para uma verdadeira democracia, mas não foi por esse caminho, fez um pacto
entre elites, e aí estamos vendo o resultado.
IHU On-Line – Parte da militância
petista ainda aposta numa mudança do PT e na sua renovação. Diante desse
desejo, será possível retomar o lulismo?
Rudá Ricci – Não há possibilidade
do lulismo como o conhecemos. O pacto desenvolvimentista rooseveltiano tem três
vértices: um Estado orientador, com alta concentração orçamentária – 65% do
orçamento público está na União; um investimento forte para subsidiar os gastos
populares, das famílias em especial; e um terceiro vértice - esse acabou -, um
pacto com as empresas para, através de recursos do Estado, fazer investimentos
orientados para aquela política forjada no pacto. O alto empresariado, em
especial a Fiesp - porque nem todas as federações de empresas entraram nessa
aventura -, resolveu radicalizar e conspurcar o governo e uma política de
transferência de renda. Eles resolveram jogar tudo o que eles podem para, de
novo, concentrar renda e investimentos em São Paulo, não mais no Nordeste.
Vamos lembrar que nos anos do
lulismo houve um aumento de 650% dos investimentos do BNDES para o Nordeste, e
mesmo com esse aumento absurdo, o Nordeste só levava 16% do bolo de recursos do
BNDES, todo o restante ia para o Centro-Sul. Mas essa pequena mudança gerou uma
revolta do empresariado paulista. O empresariado paulista vive a síndrome da
Revolução de 1932, que foi contra o Getúlio; paulista tem esse problema, se
eles não mandam no Brasil, eles não brincam mais.
IHU On-Line - Mas o senhor acha
que a crise geral da economia e o fim do lulismo podem ser explicados por essa
questão envolvendo o empresariado?
Rudá Ricci – Não, a crise
econômica brasileira tem uma série de fatores. O mais recente foi o pacote que
a Dilma Rousseff baixou em janeiro de 2015; ali ela girou a roda da recessão.
A recessão brasileira não é de
natureza econômica, ela poderia até chegar a isso, mas a recessão brasileira é
de natureza político-administrativa. O pacote elaborado por Joaquim Levy, que é
o pacote do Bradesco, é um pacote de desmonte do Estado social brasileiro. Ele
foi o início, mas é lógico que não esperávamos que a situação chegasse ao
Temer, com essa política suicida de esgarçamento do tecido social. O Temer está
quebrando todos os elementos do pacto do Estado social que o Brasil montou
desde Getúlio Vargas. Esses políticos terão que pagar por isso, pois realmente
estão colocando o Brasil em choque, brasileiro contra brasileiro. Dados do
Latinobarômetro revelam que o grau de confiança interpessoal no Brasil, ou
seja, a confiança do brasileiro no brasileiro, só atinge 3% dos brasileiros.
Então, nós viramos o país da desilusão, da frustração, e não se constrói uma
nação desse jeito. O governo Temer acelera cada vez mais essa situação.
IHU On-Line - Havia alternativas
para além do ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy? Qual?
Rudá Ricci – Evidente que poderia
haver alternativa. Nós teríamos condições de fazer alguns ajustes de gastos,
sem dúvida nenhuma, algumas políticas de controle, inclusive de recuperação de
recursos de evasão fiscal de sonegação de impostos. À época, o Brasil tinha que
optar: queremos dar mais dinheiro para quem é rico ou queremos fazer com que a
população que sempre esteve abaixo da linha de pobreza, ou na pobreza, tenha
suas condições de vida e de dignidade mantidas.
Vamos lembrar que grande parte
das dívidas privadas das grandes empresas brasileiras vai para o Estado, o
Proer foi isso. A imprensa brasileira só vive com anúncios, porque se tirarmos
os anúncios dos jornais, os jornalões brasileiros e grande parte da imprensa
brasileira vão à falência, ou seja, nem capitalistas eles são. O fato é que
esse dinheiro de anúncio deveria ser proibido imediatamente para blog e
jornais. Não tem por que um governo fazer propaganda em imprensa privada, pois
isso significa comprar, e a imprensa passa a fazer propaganda para o partido
que governa. Eu não compro um jornal pensando que é um panfleto eleitoral, se
eu quiser dar dinheiro para um partido, eu dou; agora, eu compro um jornal para
me dar notícias. Portanto, temos aqui um desvirtuamento. Estou citando o caso
da imprensa no Brasil para mostrar como ela é atrasada e como as empresas
brasileiras abocanham, através de lobby ilegal, dinheiro do Estado.
Aliás, a acusação contra o Lula é
que ele fez lobby com empresas brasileiras; ora, se ele fez lobby, então o
lobby existe. E só o presidente será punido? O empresário, não? Todas as
grandes empresas brasileiras – Globo, Tam – pegaram dinheiro do BNDES no último
período, e a juros baixos, e agora vão falar que o problema é a Previdência, o
salário mínimo indexado, os recursos para educação e saúde? Esse pessoal está
fazendo uma escolha que parece completamente desumana e isso tem um preço
político, pois em algum momento essa fatura será paga.
IHU On-Line – Qual é a situação
do PT hoje? O que se pode esperar do racha que existe no partido?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar,
precisamos falar do tamanho do PT. Nesse momento, o PT é um partido médio, como
o PDT. O fato é que essa queda de potência do PT vem obrigando o partido a se
realinhar. O que tem sido esboçado, nesse momento, inclusive com participação
do Lula nessas discussões, é a convocação de um congresso para o primeiro
semestre do ano que vem. Nesse congresso, primeiramente, se faria uma revisão
das bases programáticas do partido, as atuais direções declinariam da
capacidade de comando do partido e se convocariam novas eleições da direção do
PT no país inteiro.
Mas a grande questão em discussão
é que, nesse momento, a corrente majoritária, a Construindo um Novo Brasil -
CNB, seria alijada ou diminuiria seu poder dentro do PT, porque foi ela que
conduziu o partido para esse desastre. Essa é a discussão que hoje está muito
intensa dentro do partido. As três principais correntes do PT vêm discutindo de
maneira muito pesada. A CNB é a principal corrente, à qual o Lula está ligado,
e ele próprio vem cedendo ou abrindo essa discussão, mas outros dirigentes da
CNB nem aceitam essa possibilidade. A Mensagem ao Partido, que é ligada ao
ex-governador Tarso Genro, ao prefeito Fernando Haddad e ao Paulo Teixeira,
deputado federal por São Paulo, está propondo essa rearticulação, com a eleição
de um presidente que seja oposição à atual direção. Depois tem a Articulação de
Esquerda, coordenada pelo Valter Pomar, que propõe uma mudança radical da
orientação do PT e uma aproximação do partido com os movimentos sociais e com
os partidos de esquerda, baixando a arrogância petista e percebendo que em
alguns lugares o PT não é mais hegemônico e terá que ceder. Essa é a discussão
do momento do PT.
A questão é: ou a atual direção
do PT se mantém e esfacela o partido, ou cede espaço para novas correntes ou
correntes de oposição, embora não saibamos para onde essa mudança levará o partido.
Mas, sem mudança, o PT se arrisca a ser um partido pequeno, e não mais um
partido médio.
IHU On-Line - Há muita
resistência interna em fazer essa mudança?
Rudá Ricci – O problema é que há
muitos dirigentes que vivem disso, que se profissionalizaram na política, e
toda a sobrevivência, inclusive pessoal, se mantém com essa máquina, então é
evidente que nesse momento há uma resistência pela sobrevivência. Acontece que
o PT não é só dessas direções, o PT está envolvido com milhares de militantes
políticos.
Está chegando a hora da verdade
para o PT, o que deveria ter ocorrido há anos, já em 2013, naquelas
manifestações. Aquele era o momento de o PT ter revisto que tinha perdido as
ruas, porque quando começaram as acusações contra o Lula no caso do mensalão,
em 2005, ele se reelegeu porque chegou a ameaçar a colocar as ruas contra a
direita e, portanto, a direita recuou. Mas agora não tem mais essa ameaça; ela
virou blefe. A direção do partido tem que assumir a responsabilidade por ter
conduzido o partido para esse desastre.
IHU On-Line - Dessas três
correntes principais, alguma delas é mais forte dentro do partido ou tem mais
condições de conduzir esse processo de mudança?
Rudá Ricci – A que me parece ter
mais condições de conduzir esse momento é a Mensagem ao Partido, que é a mais
equilibrada no sentido de ter muito contato com a CNB, mas também tem contato
com as outras correntes mais à esquerda do PT. Além disso, essa corrente tem
figuras públicas de grande projeção nacional e internacional, como o ex-governador
Tarso Genro, por exemplo, e os seus dirigentes são muito técnicos. Essa
corrente, nesse momento, parece que não esgarçaria tanto o partido. Claro que
há outras correntes de esquerda muito capacitadas, mas, talvez, esgarçassem
muito a relação interna com a direção atual e não haveria uma transição
tranquila. Em um momento que nós estamos vivendo num país em ebulição, talvez a
melhor condução seja ir mais devagar.
IHU On-Line – Desde a crise do
governo Dilma há uma discussão em torno da possibilidade de o ex-presidente
Lula voltar a ser candidato à presidência em 2018. Hoje ainda existe essa
possibilidade, dado o resultado das eleições municipais?
Rudá Ricci – Ainda existe, claro,
tanto existe que estão tentando prendê-lo sem uma acusação plausível ou sem
provas. Quando se ataca e se “caça” um ex-presidente da República duas vezes,
com uma projeção nacional como essa, é porque ele é um risco. Acusação por
acusação, existem acusações ao Fernando Henrique Cardoso e ao Aécio Neves, mas
ninguém faz essa “caça” a essas personalidades, deixando correr um processo e
vendo se é possível ter mais provas contundentes ou não. Às vezes, temos que
pensar um pouco no equilíbrio político do país para não levar o Brasil a uma
aventura. É possível ser justo sem açodar, sem desequilibrar o país. No caso do
Lula, as ameaças diárias contra ele mostram um açodamento e um certo desespero
de tirá-lo do páreo. Por que estão querendo tirá-lo do páreo? Porque em todas
as pesquisas realizadas até agora, o Lula aparece em primeiro lugar e em
segundo lugar aparece a Marina.
IHU On-Line – Mesmo com o
resultado das últimas eleições municipais, o senhor ainda aposta numa vitória
do Lula em 2018?
Rudá Ricci – Mas ele é muito
maior que o PT, sempre foi. Até a vitória do Lula em 2002, o PT não chegava nem
perto do que era o Lula. O Lula é uma liderança popular.
Por que o Lula e a Marina são os
dois primeiros nas pesquisas? Porque eles não têm cara de classe média, porque
a maioria dos eleitores brasileiros é pobre. Não adianta a classe média, a
minha classe social, ficar batendo panela, porque não elegerá um presidente.
Nós somos 25% da população, nós não vamos eleger presidente; quem elege são os
trabalhadores. Se a classe média conseguir convencer os trabalhadores, muito
bem, se não, a eleição terá cara de Marina e Lula.
IHU On-Line – Mas a Marina já
declarou que não sabe se vai concorrer nas próximas eleições.
Rudá Ricci – Ela está sendo
inteligente, porque é muito cedo. Nesse momento eu diria que temos três nomes
fortes para concorrer à eleição presidencial, e uma pessoa no banco. Os três
nomes, levando em conta que não temos dados de pesquisa depois da eleição
municipal, seriam Lula, Marina e Alckmin. O Alckmin foi o grande vitorioso
dessas eleições municipais e é o dono do bastão para 2018 no PSDB. Ele fechou
as portas do Aécio Neves, tanto que o Aécio está colando no governo Temer para
ter algum lugar.
Quem está na reserva é Ciro
Gomes, só que ele, pela lógica que eu estava dizendo, tem cara de classe média
e não tem base social ampla. Além disso, o programa que ele defende sempre é
muito confuso, meio liberal com forma radical de esquerda. É como se fosse uma
espécie de bombom: a casquinha é durinha e por dentro é meio mole; não sabemos
direito para onde ele vai.
IHU On-Line – A esquerda tem
apostado no Freixo nas eleições municipais do Rio de Janeiro? Há possibilidade
de ele se eleger?
Rudá Ricci – O PSOL é muito novo
e é muito difícil o Freixo se eleger: a última pesquisa dava 50% para o
Crivella e 25% para o Freixo; a distância é gigantesca. A não ser que aconteça
algum fato político nos próximos dias, é muito difícil o Freixo vencer, mas ele
foi para o segundo turno. O fato é que agora o PSOL é uma força política, se
não da mesma grandeza do PT, muito próxima nesse momento, mas isso não significa
que tenha força para eleger um presidente. O PSOL tem o mesmo problema do PT na
origem: é um partido de classe média; Freixo e Luciana Genro têm cara de classe
média. A Erundina era a candidata com mais cara de povão, mas o PT declarou
voto útil e desidratou a candidatura da Erundina. O Edmilson, no Belém do Pará,
tem cara de povão, mas estamos vendo o que aconteceu.
Porém, há nomes muito jovens no
campo da esquerda, que, se não serão candidatos competitivos, começam a mostrar
uma nova geração de lideranças, não exatamente partidárias, como é o caso do
Guilherme Boulos. Ele é um nome muito importante hoje no Brasil, um jovem com
uma formação política, é muito equilibrado, uma pessoa de muita escuta e com
uma liderança de massa incontestável: ele coloca 25 mil pessoas, brincando, ao
redor do Itaquerão – Estádio do Corinthians. Várias vezes ele liderou o
cercamento do apartamento do Michel Temer em São Paulo, mesmo a polícia falando
que iria reagir e reagiu. Mas várias outras lideranças estão surgindo, em
nichos de representação, como é o caso da Márcia Tiburi com a #partidA, no
movimento feminista, que vem sendo uma liderança cada vez mais respeitada,
também de classe média e intelectual.
IHU On-line - Mas esse tipo de
movimento feminista ainda pode “colar” no Brasil?
Rudá Ricci – Acredito que a soma
“cola”. O Lula fragmentou as demandas, e os governos lulistas acabaram
fragmentando essas demandas e organizações. A sociedade brasileira, assim como
a mundial, vem socialmente se fragmentando e isso fortaleceu os movimentos
identitários – movimento negro, feminista, LGBT. Então, a grande questão do
campo popular democrático e de esquerda é como fazer uma costura dessa
fragmentação e isso leva um tempo, mas está sendo feito.
IHU On-Line – Alguns fazem uma crítica
a esse movimento no sentido de que a direita também pode assumir pautas
identitárias, como se pode observar em São Paulo, na eleição de Fernando
Holiday, que é negro, gay e pobre.
Rudá Ricci – Esse menino é uma
fantasia, tanto que ele se chama Holiday.
IHU On-Line – Mas ele recebeu
muitos votos, inclusive nas periferias.
Rudá Ricci – Ele ganharia de
qualquer jeito, mas a direita não entra nesses movimentos, ela vai ter que
“comer muito feijão” para entrar nesses movimentos, porque inclusive esses candidatos
foram financiados pelo PSDB, PMDB, pela Fiesp.
IHU On-Line – Mas há uma crítica
de que quando a esquerda valoriza mais as pautas identitárias em relação a
outras, ela deixa de lado questões como a situação real dos trabalhadores que,
como o senhor disse, são a base do eleitorado da esquerda. Não concorda?
Rudá Ricci – Eu acho que está
acontecendo o inverso: esses movimentos identitários, em função da
extrema-direita e das políticas do governo Temer, estão caminhando para a
esquerda. Por exemplo, as organizações de favela estão criando o partido Frente
Favela Brasil e percebendo que, com a cláusula de barreira estabelecida, nem
vão conseguir fundar o partido. Então, eles vão se juntar a outros movimentos e
partidos e terão que se fundir para criar um partido. Nesse caso, terão que
negociar com outros movimentos identitários e a tendência é que esses
movimentos caminhem para a esquerda. Alguns movimentos com pautas específicas,
como saúde e habitação, que são muito pragmáticos e negociam com qualquer
governo, também estão tendo que caminhar para a esquerda, porque o atual
governo está destruindo essas pautas.
IHU On-Line – No PT há uma
divergência acerca de como o Lula deveria se posicionar em relação à Lava Jato
desde que ele virou réu. Alguns defendem a sua saída do país e outros
argumentam que seria melhor ele ficar e, se for preso, sair como um mártir. O
que lhe parece mais adequado?
Rudá Ricci – É muito difícil
falar da vida de uma pessoa que está sendo “caçada”. Primeiro tem uma dimensão
individual que é inalienável, quer dizer, não posso dizer o que o Lula tem que
fazer de uma maneira categórica por ser um personagem político, porque ele tem
família, currículo, uma história pessoal e é uma figura pública. Nos EUA, por
exemplo, ex-presidentes têm um cargo público e há um respeito por eles pelos
serviços prestados, mesmo se o presidente esteve envolvido em um escândalo
sexual com uma estagiária. Há uma autocensura e um autocontrole de como se
respeita a autoridade. As noções de autoridade e hierarquia são uma fantasia,
mas se não respeitamos essa aura da autoridade pública, destruímos todas as
relações institucionais e, inclusive, a lei. Então, tem que haver um certo
limite, e nós estamos destratando os ex-presidentes da República no Brasil. Com
essa história toda, tenho que dar um passo atrás e respeitar os temores, as
depressões, os medos de uma pessoa que está sendo “caçada” e que tem um
currículo como o do Lula.
Como cientista político, eu diria
que a pior saída seria ele pedir asilo, porque ele ficaria muito longe de um
país que não está numa ditadura, mas num estado de exceção, o que é diferente,
ou seja, nós continuamos tendo respeito à Constituição e à Ordem democrática,
porém, na franja da legislação brasileira, algumas autoridades públicas estão
cometendo excessos e criando essa lacuna de exceção, de acusação sem prova, de
penalização antecipada e de destruição de currículos.
Lula, estando fora do país, não
teria como se defender. Nesse caso, a melhor aposta é se transformar num
“Mandela brasileiro”, num mártir, mas é uma aposta. Chegamos a esse estado de
exagero no Brasil, em que temos uma aposta numa grosseria radical, primária,
selvagem: ou se prende e se elimina uma pessoa da política, ou se prende a
pessoa e ela se transforma num mártir. É preciso chegar a isso? Estamos numa
situação tão degradante para jogar no tudo ou nada? Não é a hora de o país ter
um equilíbrio e de parar com essa “caça” absurda que está sendo feita por
pessoas jovens, que sofreram pouco na vida e têm pouca experiência, decidindo
sobre a vida de pessoas com mais de 70 anos? Estou falando do Lula, mas também
do Fernando Henrique. É como diz o Nelson Rodrigues: “O que se espera do jovem?
Que envelheça”. Portanto, está na hora de parar de ficarmos vivendo com
adrenalina; precisamos viver com o cérebro.
IHU On-Line – Diante dos casos de
escândalos, a sua leitura é a de que a Lava Jato tem como finalidade “caçar” o
ex-presidente Lula?
Rudá Ricci – A Lava Jato está
prestando um desserviço ao Brasil; é um exagero. Podemos compará-la a uma
situação numa escola em que há casos de furto e, por conta disso, se comece a
pregar o terror, a bater na porta da casa das crianças para falar com os pais,
a expulsar os alunos. Nesse momento a Lava Jato descarrilhou, perdeu o controle
e está virando um instrumento político. Tenho certeza de que se o Ulysses
Guimarães estivesse vivo, ele já teria feito algum tipo de movimentação. Alguém
tem que dizer que não é assim que se constrói um país, destruindo-o inteiro.
Essa ideia de que vem um salvador, uma pessoa hiper- honesta, que vai
reconstruir o país, é um discurso messiânico.
IHU On-Line – Mas não há um
clamor ou um desejo de acabar com a corrupção que se dá entre o setor público e
o privado?
Rudá Ricci – Não há clamor
nenhum. Em 2006 o Ibope fez uma pesquisa com os brasileiros e 75% deles
disseram que, se fossem do governo, também fariam pequenas corrupções. Não se
viu nenhuma manifestação de massa de trabalhadores falando da corrupção.
Podemos ouvir e interpretar as urnas: todos os partidos hoje não merecem a
atenção dos brasileiros. Entre 36 e 44% dos eleitores dos grandes centros não
votaram.
IHU On-Line – Mas como
interpretar esses dados? Por que o brasileiro considera que os partidos não
merecem o voto?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar,
porque a imprensa está falando em nome da classe média e não do Brasil e usa o
termo “os brasileiros” sem ter o menor cuidado de ouvir os brasileiros. Em
segundo lugar, tem que ouvir os marginalizados e os pobres, tem que parar de
fazer entrevista com o Temer, com o Cunha e ir para a periferia. Em terceiro
lugar, precisamos colocar ordem neste país e um limite nessa história, porque
em nome da corrupção está se destruindo o Estado social.
Nesta semana, em Porto Alegre, o
coordenador de uma campanha foi assassinado. E qual é o motivo desse
assassinato? Quer dizer que a Lava Jato resolveu a situação da corrupção? Está
instigando o Brasil, e o país hoje é o primeiro do mundo em linchamento; tem um
por dia. Ou seja, não é possível que achemos que um país vive na luta contra a
corrupção. Não existe um país no mundo que viva assim.
A corrupção se dá em países que
têm alta desigualdade social e num Estado que é apropriado por elites. Quando
isso acontece, o meio de ascensão social é por meio da corrupção, ou seja, as
elites ingressam no Estado, capturam os fundos públicos e pagam os gestores
para receber esses fundos. O que tem que fazer para acabar com a corrupção? Tem
que atacar a desigualdade social e fazer o Estado ser transparente. Há quem
ache que corrupção é uma questão de foro íntimo, de desvio de comportamento,
quando na verdade a corrupção é do sistema; essa ideia é típica de jovem que
nunca atuou no Estado, que não sabe como se fazem, inclusive, as pequenas
corrupções morais, quando a pessoa chega ao restaurante e todo mundo aplaude,
cedem o lugar para ela sentar e a pessoa come e não paga a conta. É isso que a
transforma. A pessoa vira capa de revista e acaba tendo um poder de servidor
público que não poderia ter. Isto é corrupção: achar que se é maior do que um
cidadão comum.
IHU On-Line - Não é isso que os
políticos fazem em geral?
Rudá Ricci – Exatamente. Então,
por que a “caça”? A única saída para combater a corrupção não é a “caça”. Se
todos estiverem presos, vamos transformar o Brasil em “O Alienista” do Machado
de Assis: todo mundo preso e só alguns fora. O que temos que ter claro é que
precisamos diminuir as desigualdades no país e ter um Estado transparente e com
menos regalia para os altos cargos. Teria que haver condições de ter um
instrumento que possibilitasse, inclusive, fazer um veto popular para alguma
proposta que a população considere inadequada. Então, o problema da corrupção
não é o principal problema do Brasil; o principal problema é a desigualdade.
IHU On-Line – Quais os desafios e
possibilidades dos observatórios nos processos de democratização da democracia?
Rudá Ricci – Os observatórios
apontam um caminho correto, e a questão agora é de aumento de volume de
trabalho e aumento de articulação. Os observatórios levantam dados da realidade
e dos resultados de políticas públicas de um amplo território, fazem um
trabalho de monitoramento e de análise desses dados e fazem formação e
assessoria a gestores. A grande questão que está faltando nesse momento, como
desafio para os observatórios, é aumentar o grau de informação da sociedade,
inclusive com tecnologias que estão à disposição, como WhatsApp, aplicativos,
material mais popular, como cartilhas, e aumentar a formação para aumentar o
controle da sociedade sobre o Estado. Mas o caminho dos observatórios está dado
e essa é uma das experiências mais importantes que temos no Brasil hoje.
Fonte: Revista IHU Online
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