terça-feira, 22 de setembro de 2015

Papa Francisco, um perigoso "feminista".

Perdoem-me se sou um pouco feminista”, brincou o Papa Francisco ao saudar, na quinta-feira, um grupo de jovens consagrados, para elogiar especialmente o trabalho das mulheres.
O Papa Francisco é um homem corajoso. Todos admiramos a força com que ele propõe à sua Igreja uma prática que corresponda aos ensinamentos do Evangelho. A acolhida, pôr à disposição o que se possui, o respeito pela lei. Recém-eleito, ele disse, "chamam-me de comunista". Chegamos a pensar que se declarar "um pouco feminista" em uma instituição que há dois milênios é feita só de homens é ainda mais perigoso.


A opinião é da jornalista italiana Bia Sarasini, ex-diretora da revista feminista Noi Donne, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 18-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto.


Bia Sarasini

Nessa quarta-feira, para se definir, o Papa Francisco usou uma palavra proibida e quase temia, em âmbito eclesial: "Perdoem-me se sou um pouco feminista". Ele falava de improviso em uma audiência a jovens consagrados e queria agradecer "o testemunho das mulheres consagradas".

Há dois dias, no entanto, ao concluir uma semana dedicada à família, ele demoliu um mito tenaz, Eva e a sua serpente que corrompem  Adão, o homem: "Existem muitos lugares comuns, alguns até ofensivos, sobre a mulher tentadora", disse ele na homilia.

No passado, ele já havia falado da "má figura que Adão fez quando Deus lhe disse: 'Mas por que você comeu o fruto da árvore?' E ele: 'A mulher deu para mim'". Mas há uma orientação, uma direção ou, melhor, uma intenção em todas as palavras que, desde o início do seu pontificado, o Papa Bergoglio dedicou às mulheres?

Na verdade, não é fácil se orientar, e isso é surpreendente, em um pontífice que mostra uma extraordinária clareza de pregação, de pastoral e de política.

Na homilia de dois dias atrás, a reflexão, na realidade, não era coloquial, como outras de suas piadas. "Ao contrário, há espaço para uma teologia da mulher que esteja à altura desta geração de Deus." Uma passagem significativa, mesmo que não se possa esquecer que, há anos, muitas teólogas trabalham nessa direção, com resultados de altíssima qualidade.

Quão importante foi uma consideração de algum tempo atrás, quando ele disse que nada pode justificar a disparidade de remuneração entre homem e mulher. "Por que se assume como óbvio que as mulheres devem ganhar menos do que os homens? Trata-se de machismo", comentou ele, sem muitas meias palavras, aplaudido pela multidão de São Pedro.

Não há material suficiente para delinear uma "doutrina" do papa sobre as mulheres, talvez, mas o suficiente para se dar conta de uma mudança profunda, que, mais do que sobre os princípios, move-se sobre os comportamentos, sobre o senso comum, sobre a prática cotidiana.

Certamente, é preciso ser católico, praticante ou, ao menos, formados nesse contexto para "sentir" como essas palavras são fortes, incongruentes, fora de qualquer tradição anterior. O Papa Francisco não é magniloquente, não proclama o elogio do "gênio feminino", como fez Wojtyla, mas decidiu que, com o Jubileu, "perdoe-se" o pecado do aborto. Embora essa decisão tenha provocado muita discussão. A muitas – e também muitos leigos – pareceu uma ofensa insuportável, a reafirmação de um princípio. É compreensível, mas é evidente que se trata do contrário.

Trata-se da desclassificação da culpa absoluta, demonizada e imperdoável que abalou não só o estrito âmbito do mundo católico nesses últimos anos. Poder-se-ia dizer que, pouco a pouco, discurso após discurso, homilia após homilia, são reduzidos – desconstruídos, para ser mais precisa – todos os elementos que fazem da mulher um ser especial e perigoso.

Em uma visão não só católica, não só teológica e não só mítica, em um campo em que tem sentido se referir às raízes cristãs da Europa e do mundo ocidental, porque é essa visão que ainda alimenta o seu imaginário.

Mesmo na relação com as mulheres, o Papa Francisco trouxe a força de uma linguagem cotidiana, simples, direta. Ele é um homem do nosso tempo e é evidente, a partir do que ele diz e faz, que ele conhece a vida, o mundo. Ele conhece os homens e as mulheres. Isso é suficiente para dissolver a desconfiança, se não a hostilidade das mulheres contra ele? Na verdade, seria melhor dizer a decepção; é impossível compreender o julgamento duríssimo expressado por ele sobre as "teorias de gênero", que ele definiu como "expressão de uma frustração", uma forma de "colonização ideológica".

No dia 4 de outubro, começa o Sínodo Ordinário, aquele que deverá fazer as escolhas pastorais sobre a família. Divorciados, homossexuais são os principais temas sobre a mesa. Nada que diga respeito às mulheres, nem mesmo a contracepção, foi discutido no ano passado.

O Papa Francisco é um homem corajoso. Todos admiramos a força com que ele propõe à sua Igreja uma prática que corresponda aos ensinamentos do Evangelho. A acolhida, pôr à disposição o que se possui, o respeito pela lei. Recém-eleito, ele disse, "chamam-me de comunista". Chegamos a pensar que se declarar "um pouco feminista" em uma instituição que há dois milênios é feita só de homens é ainda mais perigoso.

Fonte: Ihu

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