quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Prostituta agredida e despejada por policiais em Niterói

Deu na mídia, mas ninguém deu bola: no dia 23 de maio, faltando menos de três semanas para o início da Copa do Mundo, centenas de policiais realizaram uma violenta e vergonhosa operação no edifício 327 da Av. Amaral Peixoto, em Niterói, conhecido como “Prédio da Caixa”.

O local é notório ponto de prostituição da cidade e os PMs foram até lá sob pretexto de cumprir um mandado de busca e apreensão de menores de idade que estariam sofrendo exploração sexual, o que nunca foi comprovado. No fim do dia, 120 prostitutas foram parar na 76ª DP para prestar depoimentos. Todas foram liberadas em seguida, mas nenhuma delas pôde voltar ao edifício, que teve a sobreloja e os quatro andares lacrados.

Durante a invasão várias mulheres foram agredidas, estupradas e roubadas. Contatada naquele mesmo dia por ativistas da ONG “Davida”, a Delegacia de Apoio a Mulher não quis registrar as queixas das prostitutas, segundo relato delas. Há alegações ainda de que policiais visitaram o local momentos antes da operação fazendo-se passar por clientes. Eles teriam realizado programas sem pagar, dando início à operação logo em seguida.

A prostituição não é ilegal no Brasil, mas a falta de regulamentação e a existência de leis condenando todo o seu entorno (rufianismo e casas de prostituição) deixam as profissionais do sexo em situação vulnerável. Enquanto termas de luxo funcionam tranquilamente usando alvará de casas noturnas ou de casas de massagens, as prostitutas autônomas encontram problemas para contratar seguranças ou motoristas, que correm o risco de serem acusados de “associação para exploração sexual” ou mesmo de tráfico humano (no caso dos motoristas).

O fato é que tanto as casas de prostituição de luxo quanto prostitutas que trabalham em pontos de rua ou em locais próprios ou alugados, como no caso da Amaral Peixoto, têm de se submeter a esquemas de proteção que geralmente envolvem policiais ou milicianos. Motivados por questões morais, de higienização social ou por mera especulação imobiliária, agentes da lei eventualmente fecham locais de prostituição com o pretexto de combater a exploração sexual. No entanto, diferentemente de pontos no Rio de Janeiro como a Balcony – casa de Copacabana fechada às vésperas da Copa do Mundo e reaberta em seguida –, o Prédio da Caixa não teve a mesma sorte: as 400 prostitutas e mais de uma centena de comerciantes que operavam salões de beleza, depósitos de bebidas e outros negócios no local continuam desempregados; em alguns casos, até sem moradia.

Apenas uma das prostitutas atacadas conseguiu registrar queixa e denunciou a ação policial na mídia e numa audiência pública realizada na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Dias depois ela sofreu um sequestro-relâmpago, no qual ela e sua família foram ameaçadas. Desde então, está vivendo escondida, sob proteção de uma rede de ativistas e sobrevivendo graças a doações online.

O nome de guerra dessa prostituta é Isabel, e com ajuda da colega Julie Ruvolo, que comanda o projeto Red Light Rio, consegui entrevista-la alguns dias após o sequestro numa conversa que revela detalhes desagradáveis e revoltantes da ação, mas também momentos bem-humorados da profissão mais antiga do mundo.



Uma das 92 salas interditadas no “Prédio da Caixa” sem motivo legal algum.

VICE: Conta pra gente como era o prédio da Amaral Peixoto.
Isabela: Éramos cerca de 400 prostitutas em 85 apartamentos, a maioria dormia lá de segunda a sexta-feira. Quase todas as meninas de lá eram do Rio, porque quem é de Niterói não trabalha lá. Por isso que, com essa questão do prédio fechado, tem muitas meninas desempregadas e que não podem trabalhar no Rio por conta de conhecimento, família...

Quando começou essa perseguição às prostitutas de lá?
Em março, quando trocou o delegado da 76ª DP de Niterói, começaram a ter batidas no prédio. A partir dessas batidas passaram a prender meninas, levar para presídio de segurança máxima sem ter por que, alegando que uma explorava a outra, sendo que não existe exploração de mim pra você nem de você pra mim quando as duas pessoas são prostitutas. Ao todo, 11 meninas foram levadas presas pra Bangu. De lá pra cá começaram a dar incertas no prédio, não deixavam a gente trabalhar.



Um dos vários protestos realizados pelas prostitutas desde o inicio das batidas em 2013.

Teve um protesto depois em que levaram as meninas pra Bangu. Você participou?
Sim, deste e de mais dois. A gente parava na porta da delegacia com cartazes “Policial, você também é meu cliente!”, e eles ignoravam. Ai teve o “Puta Day”: a gente jogou uma pelada na frente da Câmara Municipal, mas eles ignoram, não aparecem, deu pouquíssima mídia. O “Puta Day” foi divulgado como um evento da Daspu, que costuma dar muita mídia, mas quando descobriram que era um protesto, ninguém foi.
   
Duas prostitutas chegaram a ser levadas ao Complexo de Gericinó em Bangu.


Como foi a operação que desativou o prédio?
A perseguição continuou. No dia 21 de maio teve a megaoperação. Todo mundo estava trabalhando. Às 14hs a gente se deparou com eles, os policiais, já arrombando a nossa porta. Quando eu olhei pela janela vi que a Amaral Peixoto estava fechada de viatura. Eu fiquei desesperada. “O que é que tá acontecendo?” Eu saí do quarto e fui pra sala. Nisso, eles arrombaram minha porta. Entraram bem mal-educados, não se identificaram, não falaram o que estava acontecendo, o que queriam, nada disso. Só saíram metendo a mão nas coisas, procurando no caixa. Pegaram o dinheiro que tinha lá, entraram nos quartos, reviraram nossas bolsas, abriram e roubaram nossas carteiras. Revistaram a gente e eram policiais masculinos. Aí eu comecei a fazer contato com o pessoal da ONG (Da Vida) lá de dentro, escondida. Liguei pra Indianara e falei: “Eles tão batendo nas meninas aqui”. Até então ainda não tinham me agredido, mas estavam batendo nas meninas, batendo nos clientes. Eu liguei pra ela e disse: “Isso não pode, tem de subir alguém aqui pra defender a gente”. Mas a Indianara não conseguiu subir, então ela tentou ir à DEAM (Delegacia de Apoio à Mulher) fazer uma ocorrência, mas foi negada.

Mas o que que a delegada alegou?
Falou que não poderia interferir na operação da 76ª, que uma delegacia não pode interferir na operação de outra. Aí a operação continuou e eu lá no quarto, então quando eu comecei a questionar por que eles estavam fazendo aquilo, levei um tapa na cara. Puxaram meu cabelo e me botaram no quarto. Passaram uns 20 minutos e vieram outros dois policiais. Um deles me estuprou e o outro me obrigou a fazer sexo oral, os dois ao mesmo tempo. Foi bem violento e sem camisinha...

Nessa passou bastante tempo, e eu fui no último ônibus de meninas presas. Quando eu desci do ônibus, tava todo o pessoal da ONG lá, e como eu fui a última a descer consegui sair da fila dos presos e me enfiar no meio do pessoal da ONG. Consegui no final não entrar na delegacia. Nessa um policial, que tinha batido numa menina no ônibus, falou na frente dos advogados: ”Bati, sim, porque ela tava muito abusadinha!”. Não negou que tinha batido na menina, e mesmo assim nada foi feito, isso já quase dentro da delegacia. Lá na delegacia eles não deixaram advogados entrarem para acompanhar os depoimentos, porque falaram que só estavam “sarqueando”, que não estavam colhendo depoimento – mas estavam, sim, colhendo. As meninas eram obrigadas a falar sem apoio jurídico nenhum, e depois foram todas liberadas. Ninguém foi presa porque não encontraram nada de ilegal, mas interditaram o prédio. Ninguém pode entrar ou subir pra pegar nada, o prédio tá fechado, eles arrombaram todas as portas dos apartamentos, transformaram aquilo num chiqueiro pra dar a entender que lá era um local bem vulnerável mesmo, e já tá há um tempo fechado, dando baratas, ratos. Na metade do dia tinha lixo nos apartamentos. Só moradores dos outros andares podem voltar; prostitutas, não – nem mesmo as moradoras.

E como é que sabem quem é quem?
Eles colocaram uma patrulha da PM 24 horas na porta do prédio. Se você for agora, ou de noite, tá lá na porta do prédio, como se lá tivesse acontecido um crime. Tem uma pessoa no prédio que dá informação, tem uma moradora que denuncia a gente. E de lá pra cá começou nossa luta contra eles. Eles chegam ao prédio, ficam na portaria, não deixam ninguém entrar. E isso é tudo ilegal. Eles vão lá todo dia, jogam lixo no corredor, nos apartamentos, pra que, sempre que a imprensa for lá, ver que é um lixo, que lá não tem condições de trabalho. É verdade que o prédio realmente precisa de pintura, precisa de uma reforma, mas ele não tem risco de cair nem nada. Se o prédio tivesse risco de cair, tinham de interditar os 11 andares, por que só quatro? Logo os nossos, nos quais a gente trabalha?

Aí começou o pessoal da comissão de direitos humanos da ALERJ a procurar a gente e acompanhar o caso, a Da Vida, a Indianara... Aí teve uma audiência pública na ALERJ onde o delegado não apareceu, nem a delegada da DEAM.

Quantas prostitutas apareceram nessa audiência pública?
Nenhuma. Só eu. Eu representei as meninas, porque muitas meninas não têm coragem de colocar o rosto. É aquela situação que todo mundo sabe, por conta de família...

Mas lá na ALERJ eu represento um coletivo, não falei só por mim, falei por várias meninas que não tiveram a coragem de falar, porque se o prédio reabrir eu não vou trabalhar sozinha, umas 400 mulheres vão trabalhar também, fora mais umas 200 pessoas que trabalham com outras coisas. Eu estou falando por todo mundo, mas quem fala e denuncia sou eu. Eu me exponho, eu fico alvo de crítica, de tudo, acabou que fui eu quem ficou visada. Mas eu penso que eu tenho de fazer a minha parte, e eu gosto de trabalhar lá. Então se o prédio reabrir todo mundo vai trabalhar. Eu estou sofrendo a consequência por mim e por elas também, porque se tivesse um coletivo, correndo atrás, junto, denunciando junto, eles não teriam a coragem de fazer o que fizeram comigo, porque seria difícil. Mas eu espero que o prédio volte, que as coisas mudem, que volte tudo a ser legal.


Além de você, tem outras meninas que registraram queixa de roubo, agressão ou estupro?
Não, porque a delegacia se negou. Só depois da audiência pública que a delegacia se abriu pra registrar as ocorrências, mas nisso cada menina já tinha ido pra um lugar, elas não ficam lá em Niterói. E muitas têm medo também, ainda mais depois de tudo que vem acontecendo comigo, dá mais medo ainda.

Conta pra gente do sequestro que aconteceu contigo depois dessa audiência pública.
Depois da audiência pública que teve na ALERJ, passaram-se uns três dias. Eu comecei a ser seguida por um policial, que começou a tirar fotos de mim na rua em vários momentos. Eu fui à delegacia e fiz a primeira ocorrência. Eu não sabia que ele era policial, só que trabalhava no GAP (Grupo de Apoio aos Promotores de Justiça). Depois de uma semana eu descobri o nome dele, Lopes, então fui lá e editei o nome dele. Depois de uma semana uma viatura da PM começou a tirar foto minha de novo. Eu peguei o número da viatura, levei na delegacia e fiz a ocorrência. Depois de uma semana eles me sequestraram. Eu estava andando na rua, eles me abordaram de carro, depois uma moto me fechou, me jogaram no carro. Quando eu entrei o rapaz me deu um soco na cabeça com alguma coisa que me cortou. Eu abaixei a cabeça e eles começaram a me cortar. Eu levantei e eles me mostraram uma foto do meu filho, falavam a todo momento que era pra eu tirar tudo da mídia, que eu não sabia com quem estava mexendo e eles podiam me prejudicar. Então eles ficaram andando comigo uns 20 minutos no carro. Depois me largaram e mandaram andar e não olhar pra trás. Eu fiquei parada na rua, sem saber o que fazer. Eles não levaram meu celular, só o documento e o comprovante de residência. Eu pensei: “Ligo pro 190? Não, não posso ligar pra PM porque a viatura estava me fotografando outro dia, não posso ligar pra Civil porque não sei de onde está vindo isso”. Então liguei pra Indianara. Ela disse: “Sai daí e vai pra um lugar movimentado”. Eu fui. Nos encontramos e fomos pro médico e depois na delegacia o policial registrou como “vias de fato”. Eu estava toda machucada. Depois eu descobri que não foi feita ocorrência, só um termo circunstanciado que não vai dar em nada. Ou seja: eles não vão investigar o que acontece comigo porque é na delegacia do doutor Gláucio, que é a delegacia da operação no prédio. Tinha que ser feito lá porque é a delegacia da área. Ou seja, quem fez isso comigo sabia que se fizesse isso lá teria de ser registrado na 76ª e indo pra lá não ia dar em nada, então foi tudo de caso pensado.



Mesmo depois de tudo você teve coragem de voltar lá na 76ª várias vezes.
Eu tinha ido três vezes antes. Nesse sábado eu fui pela última vez. Fiz corpo de delito... Assim, num primeiro momento, quando o carro mandou eu parar, eu achei que era um homem mexendo comigo, depois quando a moto me fechou eu achei que eles fossem me matar. Foi a primeira coisa que eu achei. Depois, que pudesse ser um assalto, mas não roubaram nada meu, só minha identidade e comprovante de residência.

E a foto do seu filho que te mostraram, onde foi tirada?
Na van escolar, na frente da minha casa no Rio e na escola.

Que filhos da puta. Você conseguiu ver esses caras?
Não deu pra ver direito, mas me encaminharam pra tentar fazer um retrato falado, só pra dizer que não estão fazendo nada. Eu perguntei sobre câmeras das ruas e eles disseram: “Não tem como ver, a câmera só filma do alto”. Eu falei: “Só filma do alto porque quem sofreu isso não foi seu filho, sua esposa ou um parente seu, porque se fossem já teriam descoberto quem é”.

E você estava trabalhando em Niterói? E agora? Como você está se virando?
Eu tinha algum dinheiro guardado, que eu estava usando. No dia em que eu resolvi voltar a trabalhar aconteceu isso. Quando eu estava indo à rua na qual rola a prostituição, pra trabalhar, eles me pegaram... Agora eu já não sei... O governo até ofereceu me mandar pra abrigo, mas eu não aceito abrigo, não sou moradora de rua pra ir pra abrigo. Eu prefiro me virar sozinha do que ir pra abrigo. Prefiro colocar minha vida em risco do que ir pra um lugar horrível desses, onde disseram que iam até confiscar meu telefone. Aí você vê que o delegado Gláucio Paes e todo mundo que participou dessa operação ilegal está em casa, no conforto, e eu que fiz a coisa certa estou sofrendo as consequências.

Na sua opinião qual que você acha que foi o real motivo de eles fecharem o prédio?
Não tem real motivo. Legal não tem. Acho que é interesse financeiro, imobiliário, eles falam que é um Novo Niterói, uma limpeza urbana. E parece que vai ser construído um prédio da Justiça Federal ali do lado. Mas assim, se for isso mesmo, eles tinham de fazer de uma maneira planejada. Você acha que eles querem saber como as meninas estão se virando hoje financeiramente? Não. O que aconteceu foi um ataque. Se eles querem tirar as pessoas de lá, porque não tiram de uma forma legal? Que arrumassem outro prédio pras pessoas trabalharem, ou que fizessem uma pesquisa. Mas tirar pra deixar todo mundo desempregado? E quem trabalha em Niterói não trabalha no Rio, quem trabalha lá sai de Nova Iguaçu, Belford Roxo e viaja horas para chegar em Niterói pra não ter um conhecido por perto.

A desculpa oficial era descobrir se havia ali exploração de menores.
O mandado da juíza foi busca e apreensão de menores e entorpecentes. E não foi achada nenhuma menor nem entorpecente, nada, não foi achado nada de ilegal no prédio. Eles entraram e saíram sem ter nada. Eles que fizeram as irregularidades, porque de nossa parte não tinha nada.

Além das 400 prostitutas tinham mais 150 ou 200 pessoas que trabalhavam lá, trabalhavam com pensão, com comida, lojinha de roupa, salão de cabelereiro, depósito de água, de bebidas... Acabou que isso gerou um desemprego geral, pessoas saindo do prédio, porque não têm como pagar aluguel. Eram pessoas que realmente dependiam do prédio.



E tem prostitutas que são proprietárias dos apartamentos...
Mesmo elas não podem ir, ninguém pode ir lá. Eles dizem que se alguém for pego nesses cinco andares vai ser preso e responder por roubo. Porque antes de os andares serem lacrados, os próprios moradores dos outros andares começaram a saquear à noite TV de LED, bebidas, freezer, essas coisas. Alguns proprietários fizeram ocorrência e o delegado disse que quem for pego nesses andares, mesmo morador, vai ser acusado pelos roubos dos outros apartamentos.

Mas eu não vou ficar escondida, porque preciso trabalhar, eu tenho conta pra pagar. Agora a minha segurança é prioridade, é verdade, mas minha família não sabe de nada que está acontecendo comigo, minha mãe não sabe. Chega o dia de pagar a escola do meu filho, eu tenho que pagar a escola do meu filho. Minha mãe acha que eu continuo trabalhando.

Ela não sabe que você é garota de programa?
Sabe, mas ela não sabe do que está acontecendo, ela acha que eu estou em Belo Horizonte trabalhando. Graças a Deus ela não viu as noticias, senão ela poderia ter me reconhecido.

Conta pra gente como você entrou “na vida”?
Eu comecei a trabalhar, eu tinha 18 anos... Acho que a maioria das meninas que trabalham por prostituição vem de uma família sem base familiar. Eu cresci assim, com um pai e mãe bem-estruturados financeiramente, mas meu pai agredia minha mãe, bebia muito, e eu cresci vendo isso... Eu estudei por anos em colégio de feira, morei fora. Quando completei 18 anos falei que eu mesmo ia mudar minha vida, que não ia depender dos meus pais. Eu já tinha passado por alguns problemas, aí eu falei: “Agora eu vou trabalhar, ganhar meu dinheiro e ter minha casa”. Eu comecei a trabalhar. Depois de três anos trabalhando comprei um terreno no qual estou construindo duas casas. Fui fazendo minha vida, comecei a estudar de novo, fazer faculdade, mas aí parei. E fui fazendo, tendo meus objetivos: meu objetivo era trabalhar com prostituição até os 30 anos. Mas no intervalo da vida aconteceram várias coisas: tive filho, casei, dei um tempo, tive uma filha, fiquei quase dois anos afastada, então minha filha morreu e eu voltei a trabalhar. Fui pra Belo Horizonte, trabalhei em São Paulo, Goiânia, Rio Grande do Sul, em vários lugares, só que em todos os lugares que eu trabalho eu nunca estou muito de acordo com as irregularidades. Aceito chegar lá e trabalhar, mas sempre que tem algo de errado eu sou a primeira a reclamar.

Tipo o quê?
Ah, tipo em Belo Horizonte, onde eu acho o preço das diárias um absurdo. Tem um hotel lá, onde o programa é R$ 10, e eu não trabalhava nele, mas amigas minhas que trabalhavam lá diziam: “Fiz 30 programas e ainda não fiz a diária”. Era muita exploração. Às vezes a menina tinha uma conta pra pagar, mas só tinha R$ 300 e a diária era R$ 200. Eu dizia: “Cara, entre pagar a diária e pagar a sua conta, paga sua conta, você não pode trabalhar pra dar dinheiro pros outros”. Eles ficam com uma história de que se você não pagar, ficar devendo, não trabalha em mais nenhum lugar, que fica suja. Eu batia muito de frente com esse pessoal, isso é uma exploração grave, mas eles alegam que não há exploração, pois eles têm alvará de hotel, de hospedagem, então você faz o que quiser dentro do quarto, você tá pagando uma diária de hotel.



Por que você trabalhou em tantos lugares diferentes?
Eu gosto de viajar! (risos) Adoro! No Rio Grande do Sul o povo gosta muito de mulher morena; daí quando você chega, faz muito dinheiro. São Paulo também, só que lá é muito perigoso, não gostei muito, as mulheres de lá são muito brigonas, marrentas. Em Goiânia também é muito bom, dá muito dinheiro... Então eu rodei muito, mas o lugar que eu mais gostei foi Belo Horizonte. Lá eu casei, fiquei dois anos, depois separei e voltei pro Rio.

E lá em BH você também se envolveu num processo polêmico, não?
Lá em BH eu frequentava um salão. Fiz a unha lá e meu dedo infeccionou. Isso gerou um problema com o dono do salão e eu os processei. O salão ficava num shopping muito conhecido lá em BH. Eu tava na praça de alimentação quando eles foram notificados, então eu tava subindo a escada rolante pra ir numa loja e veio o cabelereiro voando que nem Jackie Chan, derrapando e me batendo na escada. Ele enfiou a porrada em mim e numa outra menina que tava comigo e não tinha nada a ver. O cabelo dela entrou na escada rolante, ficamos todas machucadas. Veio segurança do shopping e agrediu a gente também, fomos parar na delegacia e isso acabou repercutindo na mídia. Eu processei o shopping, só que, antes disso, tentei fazer um acordo verbal com o dono. Eu queria R$ 30 mil na época, porque fiquei três meses sem trabalhar e acumulei dívidas nesse tempo. Ele me falou: “Não te dou um centavo agora. Te dou até R$ 30 milhões, mas só na Justiça”. Eu disse: “Então tá, vou te colocar na Justiça”. Na primeira sentença saiu R$ 400 mil de indenização. Ele ficou desesperado e me procurou: “Vamos fazer um acordo, eu te dou aqueles R$ 30 mil”. Eu falei: “Agora eu quero ir até o final”. Só que o shopping dele é movimentado pela prostituição, porque lá no centro de BH são 4 mil mulheres trabalhando, então quem movimenta aquele comércio é a gente. O movimento dele começou a cair, porque caiu na mídia e as meninas tomaram minha dor. O dono chamou a Cida da ONG ProsMig e fez o “Um dia sem preconceito – Miss Prostituta”, um desfile e concurso que ele financia, e me chamou para desfilar na primeira edição. Eu fui. No final, no discurso, ele me chamou pra me pedir desculpas. Eu disse: “Desculpas nada, você é safado, ladrão, me agrediu”. Acabei com o desfile dele. Acho que ainda tem o evento, é em setembro. Tem dois anos isso, e ainda tá correndo esse processo...

Você ainda tem contato com suas colegas de Niterói?
Pouco. Eu sei que tem muita gente sem trabalhar, tem muita gente me ligando perguntando se eu estou trabalhando, se eu sei onde dá pra trabalhar. Eu respondo que estou na mesma situação, sem trabalhar e precisando também. Tem muita menina passando dificuldade, procurando até emprego. Muitas meninas tinham os filhos em escola particular, só que agora não dá pra pagar e estão os tirando da escola.

Você tem medo?
Ahn! Eu estou com medo, mas ao mesmo tempo revoltada, porque eu tenho de ficar escondida. Só que eu não fiz nada de errado. Isso me incomoda muito, não poder trabalhar, sendo que eu não fiz nada de errado.


Fonte: http://www.vice.com/

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