quarta-feira, 14 de agosto de 2013

“Os dados têm mostrado que as mulheres estão morrendo com a medida protetiva nas mãos”, alerta secretária da SPM

Uma pesquisa de opinião inédita divulgada na semana em que a Lei Maria da Penha completa sete anos revelou que o problema da violência doméstica está presente no cotidiano da maior parte dos brasileiros: entre os entrevistados, de ambos os sexos e todas as classes sociais, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira.

Diante dos dados, o Estado e a sociedade precisam fazer um pacto de não tolerância à violência contra a mulher para enfrentar este problema, na avaliação da secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM-PR (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República) Aparecida Gonçalves.
Para tal, o poder público ainda terá que superar alguns desafios,  como repensar suas estratégias para garantir a proteção da mulher que denuncia seu agressor. Também expandir os serviços de acolhimento a mulheres vítimas de violência. Confira entrevista:


Aparecida Gonçalves é secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR)

A pesquisa mostrou que apenas 2% dos brasileiros nunca ouviram falar da Lei Maria da Penha. Esse dado representa uma conquista destes 7 anos de existência da lei?

É uma grande conquista e uma grande referência, em poucos países do mundo uma lei deste tipo é tão conhecida e poucas leis no Brasil tiveram tanto conhecimento. É muito importante esse conhecimento, pois uma legislação que 98% da população já ouviu falar ou conhece é uma lei que de fato pode apresentar resultados concretos no país.

Por outro lado, a pesquisa revelou que a vergonha e o medo de ser assassinada são apontados como as principais razões para a mulher não se separar do agressor. Como o Estado pode contribuir para derrubar essas barreiras?

Em primeiro lugar, o Estado deve atuar fortalecendo os serviços especializados, garantindo acesso a informação e proteção às mulheres. Isso é fundamental para que as mulheres comecem efetivamente a perder o medo.

Mas, para a mulher perder o medo, e a vergonha também, é preciso o apoio de uma outra rede: a rede pessoal – de amigos, vizinhos, parentes.  Durante décadas e décadas foi dito que em ‘briga de marido e mulher não se mete a colher’ ou que ‘o homem não sabia porque estava batendo, mas a mulher sabia porque estava apanhando’. Ou seja, a culpa era colocada sempre na mulher e nós precisamos alterar isto na correlação de medo e vergonha.

Precisamos que, de um lado, o Estado se prepare para atender essa mulher e, de outro, a sociedade se mobilize contra a violência. A gente precisa criar uma rede de proteção que inclua a rede institucional e a rede pessoal. Esse é um elemento que teremos que trabalhar e que precisamos pensar com muito cuidado: a sociedade, tanto homens quanto mulheres, precisa se posicionar e não aceitar a violência contra a mulher. Quando as mulheres começarem a perceber que a sociedade não tolera a violência doméstica, elas perderão a vergonha.

Segundo a pesquisa, 92% concordam que, quando as agressões contra a esposa/companheira ocorrem com frequência, podem terminar em assassinato. O que leva a população a ter essa percepção? Estes assassinatos são ‘mortes anunciadas’ que poderiam ser evitadas?

A percepção da população é real. São sim mortes anunciadas, não tenha dúvida. Quando as mulheres vão fazer uma denúncia a ameaça do assassinato é muito presente. E, por isso, uma das discussões que temos feito no serviço público é que é preciso com urgência acreditar na fala da mulher. Quando ela chega no serviço público dizendo que está ameaçada é porque de fato ela corre risco. Temos que partir da premissa de que a ameaça sempre se torna uma realidade. Basta olhar para casos famosos, como o da Eloá, para ver que a instituição pública ainda não acredita na mulher, quem atende pensa que é um exagero, que ela vai acabar voltando para o marido, que é crise histérica. Isso é uma primeira grande questão que precisa ser melhor trabalhada nas instituições públicas, é um grande desafio que precisamos superar.

A segunda grande questão é que os dados e a própria imprensa têm mostrado que as mulheres estão morrendo com o Boletim de Ocorrência  e com a medida protetiva em mãos – ou seja estão morrendo sob instrumentos que deveriam garantir sua proteção. Isso faz com que nós tenhamos que repensar qual deve ser a nossa estratégia de intervenção. Esse é o grande desafio que está colocado neste momento: quais são as medidas que o Estado tem que tomar para garantir a proteção a essas mulheres?

Para 91% dos entrevistados, hoje os assassinatos de mulheres estão mais cruéis e violentos. Como a sra. avalia essa percepção da população?

É a pura realidade, acho que a população tem uma percepção correta. Se você for verificar os casos de morte, as mulheres não estão morrendo com 2 ou 3 facadas, são com 25, 30 facadas. Seu corpo está sendo destruído, seja seu seio, seja seu rosto, aquilo que a identifica está sendo mutilado. Então, de fato, a questão da crueldade tem sido muito forte. E tem acontecido o que estamos chamando de ‘crime de misoginia’, que é um crime de ódio. Não é simplesmente um assassinato, é uma tentativa de destruir não só o corpo, mas a identidade da mulher e todas as características que a tornam um sujeito de direitos.

E por que esse elemento da crueldade está mais presente?

Acho que é porque as mulheres começaram de fato a fazer a denúncia, a perceberam que podem viver sem violência. Na verdade, a violência está na relação de poder e, até hoje, o sistema machista e patriarcal diz que o homem é o proprietário da mulher. Então, quando ela quer sair da relação, quer ter independência, ou quando ela, mesmo que não queira sair da relação, quer dar um basta no ciclo de violência se configura o momento mais cruel e mais perigoso para a mulher. E, por isso, ela precisa dessa rede de apoio institucional e pessoal para passar por este momento e viver sem violência.

A pesquisa mostrou ainda que 40% conhecem um número de apoio a mulheres vítimas de violência, sendo que 20% mencionam o 180. Considerando que esta é a porta de entrada para a rede de atendimento mais acessível, pois é feita por uma ligação gratuita que atende todos os municípios, qual é a importância deste serviço ser conhecido?

É fundamental que esse serviço seja conhecido, porque o primeiro grande desafio que a mulher precisa enfrentar ao decidir romper a violência é saber quais são os seus direitos, ter informações reais e concretas de que recursos o Estado oferece. E o Ligue 180 faz isso com muita propriedade e muita qualidade.

Na situação de violência, a mulher se sente muito solitária. Então acho que esse suporte é fundamental e o 180 é estratégico para o enfrentamento da violência contra a mulher no país, justamente porque ele lida com a questão da informação, porque ele encaminha – tanto faz o encaminhamento das denúncias, quanto orienta a mulher sobre como buscar os serviços onde ela estiver, seja a própria vítima ou seja alguém que queira ajudar a vítima.

Considero muito bom que 20% citem o Ligue 180, porque ele ainda não tem uma grande campanha publicitária, mas nós precisamos chegar num percentual maior no país. Então, esse é mais um desafio que o Estado brasileiro vai ter que superar.

Quais medidas podem ser tomadas para este percentual crescer?

A expansão do Ligue 180 está prevista no ‘Programa Mulher: Viver sem Violência’, este é o caminho. A partir de campanhas educativas e publicitárias, com tudo o que vamos fazer, a grande referência nacional de porta de entrada para a rede de serviços será o Ligue 180. Claro que nós não vamos eliminar nenhum outro serviço, mas como este é de caráter nacional e centralizará as informações e contatos dos outros serviços, ele dará conta de fazer o encaminhamento para as mulheres.

Fonte: (Débora Prado) Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha

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