Franciane Fardin, enfermeira que
já atuou pelo MSF, dá palestra no norte da Amazônia sobre prevenção e cuidados
para mulheres
Uma em cada três mulheres sofre
algum tipo de violência de gênero durante sua vida, enquanto aproximadamente
120 milhões de mulheres são agredidas sexualmente ou violentadas antes de
chegarem aos 20 anos, segundo dados das Nações Unidas. Mulheres que estão na
linha de frente da defesa dos direitos humanos ao redor do mundo, em zonas de
conflito ou regiões extremamente vulneráveis, não estão fora destas
estatísticas.
Mônica Guarnieri, pediatra
brasileira especializada em HIV, trabalhou durante seis anos no continente
africano. A maior parte deste tempo ela atuou pela organização MSF (Médicos Sem
Fronteiras) em países como Moçambique, Guiné, Somália e Nigéria. Ela relatou a
Opera Mundi o dia em que uma colega foi estuprada a caminho do trabalho em
Maputo, capital moçambicana.
“Trabalhávamos junto ao governo
moçambicano contra o aumento de contaminações pelo HIV e fazíamos atendimento
da população. Um dia eu estava no meu posto de trabalho e uma funcionária
moçambicana da organização chegou e me contou que tinha sido estuprada na rua e
que não poderia contar ao seu marido, pois caso ele soubesse que outro homem
tinha lhe tocado ele iria descartá-la. Esta colega tomou os remédios e seguiu
sua vida em silêncio na luta para ajudar outras pessoas”, conta a pediatra.
Já a enfermeira Franciane Fardin,
33 anos, relatou um episódio de machismo ocorrido quando ela trabalhava junto
ao governo federal brasileiro no norte da Amazônia. “Mensalmente tínhamos uma
reunião de liderança na comunidade para a definição de responsabilidades entre
nós e os indígenas. Um dia, um dos índios pediu para eu me retirar, dizendo que
precisava de um enfermeiro homem corajoso para executar a função”, conta
Fardin. “A sensação que tenho é que nós que atuamos em campo temos que provar
diariamente que somos capazes de exercer uma determinada função simplesmente
pelo fato de sermos mulheres”.
Para a enfermeira, que já
trabalhou em estados brasileiros como Roraima e Ceará e países como Moçambique,
existem diferenças de tratamento para homens e mulheres que trabalham em prol
dos direitos humanos em zonas vulneráveis. “Quando um homem chega a uma
comunidade, ele é visto como uma liderança, enquanto nós somos vistas como
auxiliares independentemente do cargo que exercemos. Por este motivo, o homem
sempre manda e a mulher sempre pede um favor, até quando os dois executam a
mesma função no local”, acredita.
Mas ser mulher, diz Fardin, é uma
vantagem quando se trabalha com mulheres. “Recebemos um carinho muito grande.
No meu caso, que trabalho muito com populações indígenas no norte da Amazônia,
é muito mais fácil fazer os exames de prevenção, dar vacinas e recomendações para
elas e seus bebês. Elas se sentem mais confortáveis”, diz a enfermeira.
Mônica Guarnieri faz atendimento
médico em Moçambique
Margarida Guerra é portuguesa e
hoje trabalha em Londres na organização britânica Options na área de direitos
reprodutivos para Nigéria e Quênia. A situação nos países nos quais Guerra
coordena programas para mulheres a preocupa. Segundo a Anistia Internacional, o
grupo extremista Boko Haram raptou pelo menos 2.000 mulheres e meninas na
Nigéria em 2015. “Ir para zonas de conflito faz parte do nosso trabalho e nem
paramos para pensar em questões como rapto, violência corporal e outras. Se
pararmos, é capaz de não irmos”, diz.
Guerra tinha acabado de se mudar
para a Índia para atuar como consultora na área de violência para a
International Planned Parenthood Federation, instituição voltada para os
direitos reprodutivos das mulheres, quando uma jovem de 23 anos foi vítima de
um brutal estupro coletivo em um ataque que causou sua morte em Nova Déli, em
dezembro de 2012. “Na ocasião, eu assisti a população ir às ruas, várias
organizações se instalaram no país para pedir providências junto ao governo. Os
olhos se voltaram para a Índia e para o que vinha acontecendo com as mulheres
no local, onde uma vaca é mais respeitada que uma mulher, algo extremante
contraditório para mim. Hoje o país busca aos poucos mudar a posição dada às
mulheres, porém não será fácil”.
A moçambicana Mwema Nicoleta
Uaciquete, ativista feminista que atua em prol dos direitos de mulheres e
meninas em seu país, diz que muitas vezes as próprias organizações que
trabalham em regiões de conflito ou zonas vulneráveis adotam uma postura
defensiva com relação às violências sofridas por trabalhadoras e membros da
população. “Hoje as organizações menores nos dizem para termos atenção com o
que faremos com o nome delas para que não sejam envolvidas em escândalos. Porém
neste momento também precisamos lembrar que somos mulheres como as outras e
precisamos atentar e alertá-los sobre isso”.
Para estas trabalhadoras a solução
é simples: investimento em treinamentos para as mulheres e atenção maior por
parte das organizações no quesito segurança.
Fonte: Opera Mundi
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