Construir uma carreira
profissional, enriquecer o curriculum com ótimas referências e estar bem
financeiramente são objetivos de vida a serem conquistados por muitas pessoas.
Trabalhar nas ruas não é um sonho e muito menos uma projeção de vida, porém,
por motivos diversos, muitos acabam tendendo para esse caminho. A falta de
oportunidade no mercado de trabalho tem sido um dos principais fatores que
levam homens, mulheres e travestis à prostituição.
Apesar das dificuldades de viver
nessas condições devido ao contato muito próximo com drogas, violência,
preconceito da sociedade e o riscos de contrair doenças sexualmente
transmissíveis (DST), para alguns, vender o corpo por dinheiro tem sido uma
alternativa de arcar com despesas pessoais e uma maneira de “solucionar
problemas” cotidianos.
Xica da Silva é uma dessas
pessoas que encontrou nas ruas uma maneira de ganhar dinheiro. Ela começou no
mundo da prostituição aos 12 anos de idade, incentivada por amigas. Segundo
ela, no início era apenas uma “brincadeira”, mas com o passar do tempo a
atividade se tornou profissão e seu ganha pão, passando a ser a única
alternativa para arcar com despesas em casa. “Eu passava por muitas
necessidades financeiras com minha família, mas nunca tinha pensado em ir para
as ruas e ser garota de programa”.
Mesmo formada em um curso técnico
de auxiliar administrativa e com experiência profissional comprovada como
operadora de caixa em supermercado, aos 23 anos, a prostituição é a forma de
trabalho com a qual ela obteve maior retorno financeiro.
“As empresas não respeitam nosso
estilo de vida. Acham que por eu ser travesti não tenho capacidade em
desenvolver nenhuma atividade. Todos que estão na rua hoje, só queriam uma
oportunidade de crescer dentro de uma empresa”, diz ela, relatando conversas
que já teve com colegas de profissão.
A jovem contou, em entrevista
exclusiva ao CircuitoMatoGrosso, que costuma fazer programas na Avenida Fernando
Correia da Costa, uma das mais movimentas de Cuiabá e, no Zero, em Várzea
Grande. “Eu ganho R$ 1,5 mil por noite, depende do movimento. Geralmente é bem
corrido durante o dia, então é dessa forma que pago minhas contas e mantenho o
orçamento em dia”.
A profissional do sexo revelou,
com detalhes, o perfil de clientes que atende no Zero. “São comerciantes,
empresários e advogados, muitos deles casados. Eles me procuram porque querem
algo diferente do casamento. Geralmente os encontros acontecem em motéis
próximos ao local de encontro, durante o horário do almoço e final de tarde”.
Xica explica que seu estilo de
vida é complicado e não aconselha a ninguém. “Tem que ter pulso firme e
encarrar humilhações, pois elas acontecem todos os dias. Eu já fui agredida e
apedrejada diversas vezes nas ruas” e explicando ainda, que é preciso muita
coragem para encarar, todos os dias, diversos tipos de clientes e situações.
Ela pontua ainda que só entra
“nessa vida” quem realmente não consegue encontrar outra saída, - não que ela
não exista - ou forma de receber um salário digno. A prostituição acaba se tornando a única
opção.
Cenário de escândalos sexuais, a
região do Zero Km, próxima ao Aeroporto de Várzea Grande, é conhecida pelo
predomínio do sexo fácil e consumo de drogas, dia e noite. No local é possível
encontrar jovens de diversas faixas etárias fazendo programas. Alguns também
vendem e usam entorpecentes no local.
Tiffany decidiu mudar de sexo com
16 anos quando de fato se assumiu num corpo de mulher. Na busca pela
independência financeira, a jovem optou trabalhar como garota de programa. “Faço programa em Várzea Grande usando roupas
curtas durante a semana, mas tenho vergonha e receio de um dia amigos e
familiares me encontrarem aqui, nesta situação”.
Ela pretende um dia, após ter
condições financeiras, construir uma carreira profissional. “Eu digo a eles que
trabalho fazendo freelance em um salão de beleza”. A trans tem outros planos
para sua vida, porém esta tem sido sua única saída. “Quero poder fazer uma
faculdade e deixar de me prostituir, tenho fé que um dia tudo irá melhorar.
Isso não é vida para ninguém”, diz esperançosa.
Ao lado de Tiffany, no Zero,
Júlia, conta que encontrou na prostituição uma maneira de poder quitar suas
despesas , ao ver que estava passando por necessidades em casa e com uma filha
de cinco anos para criar.
Um levantamento da Secretaria de
Saúde de Cuiabá aponta que houve aumento de 8% no número de novos casos de
pacientes soropositivos na capital. De janeiro a junho de 2013, foram
contabilizados 124 novos casos. No mesmo período deste ano, o número subiu para
134.
O risco em contrair uma doença
sexualmente transmissível (DST) é grande e é temida por muitos profissionais do
sexo. Esse é um medo que infelizmente faz parte da profissão. Para o
recém-graduado em ciência da computação George Global, 26, isso é uma
consequência do que eles precisam enfrentar. “Pensamos mais no dinheiro do que
na nossa própria saúde. Quem está nessa luta precisa se cuidar, tenho vários
amigos que contraíram HIV por tranzarem sem camisinha para satisfazerem
caprichos de clientes”.
Global conta que a cada seis
meses costuma fazer exame de sangue. “São várias pessoas durante o dia e não
sabemos quem está infectado. É uma questão de sorte. Eu sempre costumo usar
preservativo, mas quando o cliente não quer, é sempre um problema: é tudo ou
nada”.
O jovem também costuma frequentar
o Posto Zero, durante a semana e atender clientes a domicílio. “Conquistei
muita gente e estou nessa vida desde os 14 anos. Profissionalmente estou há
pouco tempo. Gosto do que faço”.
George ressalta que fatura aproximadamente
R$ 2 mil por semana e está perto de realizar o sonho que é fazer cirurgia de
mudança de sexo. “O custo é muito caro, e trabalhar como programador de
computador não é o suficiente. Essa foi uma segunda alternativa na qual estou
até hoje”.
O médico ginecologista Danilo
Zanirato refaz o alerta, já costumeiro, de que pessoas que fazem programas
estão dentro do grupo de maior risco em contrair doenças sexualmente
transmissíveis, por conta da quantidade de relações sexuais e, em muitos casos,
pela falta do uso de preservativo.
“Entre as doenças mais comuns
estão a AIDS, Hepatite B e C, sífilis e a gonorreia”, pondera. Ele explica
ainda a importância de usar camisinha. “Sabemos que é um dos métodos mais
seguros que existe. Muitas vezes, as DST’s não apresentam sintomas e são
doenças silenciosas. Elas podem se manifestar por meio de feridas, corrimentos,
bolhas ou pequenas verrugas”, reforça.
NECESSIDADE X ESCOLHA
Ao contrário dos relatos citados
nesta reportagem, há também quem opte pela vida de prostituição. Os motivadores
vão desde o próprio sexo, recursos para aquisição de produtos, roupas e até
pagamento de cursos universitários. Daí nasce também o mercado de luxo do sexo,
com garotas e garotos de programa que cobram valores muito mais altos que o
“padrão” ou, ainda, recebem outros tipos de benefícios, como o denominado
“apadrinhamento”, quando, normalmente, um homem de meia idade e rico passa a
bancar o seu “apadrinhado”.
Para Melisa Bueno (nome
fictício), de 27 anos, ser acompanhante de luxo é uma profissão que trouxe
melhorias na qualidade de vida. Viagens para o exterior, carro importado e uma
casa nova mobiliada em um bairro de classe alta em Cuiabá. Tudo conquistado com
dinheiro de “apadrinhamento”. “Tenho meus clientes fixos e outros que saio por
diversão. Todos eles são casados e donos de grandes empresas conhecidas aqui no
mercado. Não me arrependo de nada e ainda quero poder conquistar muito mais”.
Melisa afirma que começou muito
tarde na profissão e diz se arrepender do “tempo perdido”. “Se eu tivesse
entrado nessa vida mais cedo, com certeza teria muito mais. Além dos benefícios
próprios, ajudo a minha família. Consigo ganhar de R$ 3 a R$ 5 mil em uma noite
e eles pagam sem reclamar”.
Já Bruna Concha (nome fictício),
disse que não está mais satisfeita com essa vida. Durante entrevista para esta
reportagem, mesmo com seu número divulgado em classificados de jornais, ela
conta que deixou de ser acompanhante de luxo há dois anos. “Chega um momento em
que você conquista tudo na vida, menos respeito de amigos, da família e do cara
com quem você está saindo. A gente é humilhada, somos tratadas de qualquer
jeito”.
Em sete anos sendo acompanhante
de luxo, Bruna disse que pôde trocar de carro e quitar seu apartamento.
“Enquanto eu estava nessa profissão foi mil e uma maravilhas, eu achava que era
feliz na escolha, só que me enganei. Agora tenho outros planos para minha vida
e projetos profissionais, como ser esteticista e massoterapeuta”, afirma.
A vida do estudante de biologia,
Matheus Andarélio, 21, saiu do controle quando decidiu assumir sua
homossexualidade para a família aos 16 anos. “Eu pensei que iriam me aceitar,
até que me agrediram dentro de casa”.
De família de classe média alta,
Matheus confessa que decidiu fazer programa dentro da faculdade, depois que sua
família deixou de ajudá-lo financeiramente, como forma de suprir suas
necessidades.
“Tudo que eu compro e lugares que
eu frequento vem do dinheiro de programas. Não considero ainda como profissão,
porém é o que está me satisfazendo no momento. Só não sei até onde vou
conseguir ir. Por enquanto estou curtindo”, brinca.
Matheus não revela quem são seus
clientes, mas afirma que não precisa sair de dentro da Universidade para
conseguir marcar os programas e que nunca frequentou lugares como o Zero.
Cenário nacional
A fim de minimizar as
consequências enfrentadas pelos profissionais do sexo, o Parlamentar Jean
Wyllys (PSOL) propôs a regularização da atividade através do Projeto de Lei nº
4211|2012, intitulado “Gabriela Leite”, em homenagem a uma prostituta que lutou
pelo movimento, mas morreu em 2013, vítima de câncer. Wyllys é a favor de que cada pessoa tenha
liberdade e faça o que achar melhor com o seu corpo, mesmo que a exploração
sexual seja caracterizada como crime pelo Código Penal Brasileiro e seja
passível de cadeia.
Políticas públicas em Mato Grosso
De acordo com a secretaria de
Estado e Justiça de Direitos Humanos (Sejud/MT), não existe nenhum programa
social voltado para “profissionais do sexo” devido à baixa procura e
desinteresse da classe. Entretanto, a assessoria afirmou que o movimento GLBT’s
(Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Simpatizantes), tem total apoio do
órgão no que tange seus direitos constitucionais.
Comportamento
De acordo com a psicóloga
Estelita Magalhães, quem opta por este caminho, precisa estar ciente das
dificuldades que irá enfrentar nas ruas. A especialista frisa que esta escolha
não está ligada somente ao fator econômico, e sim à forma de “resolver”
problemas pessoais.
“A pessoa que escolhe se
prostituir precisa estar ciente dos desafios. O preconceito, a violência e o
contato com as drogas são portas de entrada para uma vida cheia de conflitos
emocionais”, pondera.
Estelita ressalta que sair das
ruas não é tão fácil quanto entrar. “É possível rever e reverter essa situação.
As pessoas precisam pôr na balança as coisas que as motivaram a fazer isso e
pensar de que forma seria melhor resolver esse problema sem se prostituir”.
Fonte: Jornal Circuito Mato Grosso
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