terça-feira, 1 de setembro de 2015

Prostituição, mercado do prazer e da sobrevivência


Construir uma carreira profissional, enriquecer o curriculum com ótimas referências e estar bem financeiramente são objetivos de vida a serem conquistados por muitas pessoas. Trabalhar nas ruas não é um sonho e muito menos uma projeção de vida, porém, por motivos diversos, muitos acabam tendendo para esse caminho. A falta de oportunidade no mercado de trabalho tem sido um dos principais fatores que levam homens, mulheres e travestis à prostituição.


Apesar das dificuldades de viver nessas condições devido ao contato muito próximo com drogas, violência, preconceito da sociedade e o riscos de contrair doenças sexualmente transmissíveis (DST), para alguns, vender o corpo por dinheiro tem sido uma alternativa de arcar com despesas pessoais e uma maneira de “solucionar problemas” cotidianos.

Xica da Silva é uma dessas pessoas que encontrou nas ruas uma maneira de ganhar dinheiro. Ela começou no mundo da prostituição aos 12 anos de idade, incentivada por amigas. Segundo ela, no início era apenas uma “brincadeira”, mas com o passar do tempo a atividade se tornou profissão e seu ganha pão, passando a ser a única alternativa para arcar com despesas em casa. “Eu passava por muitas necessidades financeiras com minha família, mas nunca tinha pensado em ir para as ruas e ser garota de programa”.

Mesmo formada em um curso técnico de auxiliar administrativa e com experiência profissional comprovada como operadora de caixa em supermercado, aos 23 anos, a prostituição é a forma de trabalho com a qual ela obteve maior retorno financeiro.

“As empresas não respeitam nosso estilo de vida. Acham que por eu ser travesti não tenho capacidade em desenvolver nenhuma atividade. Todos que estão na rua hoje, só queriam uma oportunidade de crescer dentro de uma empresa”, diz ela, relatando conversas que já teve com colegas de profissão.

A jovem contou, em entrevista exclusiva ao CircuitoMatoGrosso, que costuma fazer programas na Avenida Fernando Correia da Costa, uma das mais movimentas de Cuiabá e, no Zero, em Várzea Grande. “Eu ganho R$ 1,5 mil por noite, depende do movimento. Geralmente é bem corrido durante o dia, então é dessa forma que pago minhas contas e mantenho o orçamento em dia”.

A profissional do sexo revelou, com detalhes, o perfil de clientes que atende no Zero. “São comerciantes, empresários e advogados, muitos deles casados. Eles me procuram porque querem algo diferente do casamento. Geralmente os encontros acontecem em motéis próximos ao local de encontro, durante o horário do almoço e final de tarde”.

Xica explica que seu estilo de vida é complicado e não aconselha a ninguém. “Tem que ter pulso firme e encarrar humilhações, pois elas acontecem todos os dias. Eu já fui agredida e apedrejada diversas vezes nas ruas” e explicando ainda, que é preciso muita coragem para encarar, todos os dias, diversos tipos de clientes e situações.

Ela pontua ainda que só entra “nessa vida” quem realmente não consegue encontrar outra saída, - não que ela não exista - ou forma de receber um salário digno.  A prostituição acaba se tornando a única opção.

Cenário de escândalos sexuais, a região do Zero Km, próxima ao Aeroporto de Várzea Grande, é conhecida pelo predomínio do sexo fácil e consumo de drogas, dia e noite. No local é possível encontrar jovens de diversas faixas etárias fazendo programas. Alguns também vendem e usam entorpecentes no local.

Tiffany decidiu mudar de sexo com 16 anos quando de fato se assumiu num corpo de mulher. Na busca pela independência financeira, a jovem optou trabalhar como garota de programa.  “Faço programa em Várzea Grande usando roupas curtas durante a semana, mas tenho vergonha e receio de um dia amigos e familiares me encontrarem aqui, nesta situação”.

Ela pretende um dia, após ter condições financeiras, construir uma carreira profissional. “Eu digo a eles que trabalho fazendo freelance em um salão de beleza”. A trans tem outros planos para sua vida, porém esta tem sido sua única saída. “Quero poder fazer uma faculdade e deixar de me prostituir, tenho fé que um dia tudo irá melhorar. Isso não é vida para ninguém”, diz esperançosa.

Ao lado de Tiffany, no Zero, Júlia, conta que encontrou na prostituição uma maneira de poder quitar suas despesas , ao ver que estava passando por necessidades em casa e com uma filha de cinco anos para criar.

Um levantamento da Secretaria de Saúde de Cuiabá aponta que houve aumento de 8% no número de novos casos de pacientes soropositivos na capital. De janeiro a junho de 2013, foram contabilizados 124 novos casos. No mesmo período deste ano, o número subiu para 134.

O risco em contrair uma doença sexualmente transmissível (DST) é grande e é temida por muitos profissionais do sexo. Esse é um medo que infelizmente faz parte da profissão. Para o recém-graduado em ciência da computação George Global, 26, isso é uma consequência do que eles precisam enfrentar. “Pensamos mais no dinheiro do que na nossa própria saúde. Quem está nessa luta precisa se cuidar, tenho vários amigos que contraíram HIV por tranzarem sem camisinha para satisfazerem caprichos de clientes”.

Global conta que a cada seis meses costuma fazer exame de sangue. “São várias pessoas durante o dia e não sabemos quem está infectado. É uma questão de sorte. Eu sempre costumo usar preservativo, mas quando o cliente não quer, é sempre um problema: é tudo ou nada”.

O jovem também costuma frequentar o Posto Zero, durante a semana e atender clientes a domicílio. “Conquistei muita gente e estou nessa vida desde os 14 anos. Profissionalmente estou há pouco tempo. Gosto do que faço”.

George ressalta que fatura aproximadamente R$ 2 mil por semana e está perto de realizar o sonho que é fazer cirurgia de mudança de sexo. “O custo é muito caro, e trabalhar como programador de computador não é o suficiente. Essa foi uma segunda alternativa na qual estou até hoje”.

O médico ginecologista Danilo Zanirato refaz o alerta, já costumeiro, de que pessoas que fazem programas estão dentro do grupo de maior risco em contrair doenças sexualmente transmissíveis, por conta da quantidade de relações sexuais e, em muitos casos, pela falta do uso de preservativo.

“Entre as doenças mais comuns estão a AIDS, Hepatite B e C, sífilis e a gonorreia”, pondera. Ele explica ainda a importância de usar camisinha. “Sabemos que é um dos métodos mais seguros que existe. Muitas vezes, as DST’s não apresentam sintomas e são doenças silenciosas. Elas podem se manifestar por meio de feridas, corrimentos, bolhas ou pequenas verrugas”, reforça.

NECESSIDADE X ESCOLHA

Ao contrário dos relatos citados nesta reportagem, há também quem opte pela vida de prostituição. Os motivadores vão desde o próprio sexo, recursos para aquisição de produtos, roupas e até pagamento de cursos universitários. Daí nasce também o mercado de luxo do sexo, com garotas e garotos de programa que cobram valores muito mais altos que o “padrão” ou, ainda, recebem outros tipos de benefícios, como o denominado “apadrinhamento”, quando, normalmente, um homem de meia idade e rico passa a bancar o seu “apadrinhado”.

Para Melisa Bueno (nome fictício), de 27 anos, ser acompanhante de luxo é uma profissão que trouxe melhorias na qualidade de vida. Viagens para o exterior, carro importado e uma casa nova mobiliada em um bairro de classe alta em Cuiabá. Tudo conquistado com dinheiro de “apadrinhamento”. “Tenho meus clientes fixos e outros que saio por diversão. Todos eles são casados e donos de grandes empresas conhecidas aqui no mercado. Não me arrependo de nada e ainda quero poder conquistar muito mais”.

Melisa afirma que começou muito tarde na profissão e diz se arrepender do “tempo perdido”. “Se eu tivesse entrado nessa vida mais cedo, com certeza teria muito mais. Além dos benefícios próprios, ajudo a minha família. Consigo ganhar de R$ 3 a R$ 5 mil em uma noite e eles pagam sem reclamar”.

Já Bruna Concha (nome fictício), disse que não está mais satisfeita com essa vida. Durante entrevista para esta reportagem, mesmo com seu número divulgado em classificados de jornais, ela conta que deixou de ser acompanhante de luxo há dois anos. “Chega um momento em que você conquista tudo na vida, menos respeito de amigos, da família e do cara com quem você está saindo. A gente é humilhada, somos tratadas de qualquer jeito”.

Em sete anos sendo acompanhante de luxo, Bruna disse que pôde trocar de carro e quitar seu apartamento. “Enquanto eu estava nessa profissão foi mil e uma maravilhas, eu achava que era feliz na escolha, só que me enganei. Agora tenho outros planos para minha vida e projetos profissionais, como ser esteticista e massoterapeuta”, afirma.

A vida do estudante de biologia, Matheus Andarélio, 21, saiu do controle quando decidiu assumir sua homossexualidade para a família aos 16 anos. “Eu pensei que iriam me aceitar, até que me agrediram dentro de casa”.

De família de classe média alta, Matheus confessa que decidiu fazer programa dentro da faculdade, depois que sua família deixou de ajudá-lo financeiramente, como forma de suprir suas necessidades.

“Tudo que eu compro e lugares que eu frequento vem do dinheiro de programas. Não considero ainda como profissão, porém é o que está me satisfazendo no momento. Só não sei até onde vou conseguir ir. Por enquanto estou curtindo”, brinca.

Matheus não revela quem são seus clientes, mas afirma que não precisa sair de dentro da Universidade para conseguir marcar os programas e que nunca frequentou lugares como o Zero.

Cenário nacional

A fim de minimizar as consequências enfrentadas pelos profissionais do sexo, o Parlamentar Jean Wyllys (PSOL) propôs a regularização da atividade através do Projeto de Lei nº 4211|2012, intitulado “Gabriela Leite”, em homenagem a uma prostituta que lutou pelo movimento, mas morreu em 2013, vítima de câncer.  Wyllys é a favor de que cada pessoa tenha liberdade e faça o que achar melhor com o seu corpo, mesmo que a exploração sexual seja caracterizada como crime pelo Código Penal Brasileiro e seja passível de cadeia.

Políticas públicas em Mato Grosso

De acordo com a secretaria de Estado e Justiça de Direitos Humanos (Sejud/MT), não existe nenhum programa social voltado para “profissionais do sexo” devido à baixa procura e desinteresse da classe. Entretanto, a assessoria afirmou que o movimento GLBT’s (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Simpatizantes), tem total apoio do órgão no que tange seus direitos constitucionais.

Comportamento

De acordo com a psicóloga Estelita Magalhães, quem opta por este caminho, precisa estar ciente das dificuldades que irá enfrentar nas ruas. A especialista frisa que esta escolha não está ligada somente ao fator econômico, e sim à forma de “resolver” problemas pessoais.

“A pessoa que escolhe se prostituir precisa estar ciente dos desafios. O preconceito, a violência e o contato com as drogas são portas de entrada para uma vida cheia de conflitos emocionais”, pondera.

Estelita ressalta que sair das ruas não é tão fácil quanto entrar. “É possível rever e reverter essa situação. As pessoas precisam pôr na balança as coisas que as motivaram a fazer isso e pensar de que forma seria melhor resolver esse problema sem se prostituir”.


Fonte:  Jornal Circuito Mato Grosso

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