Área externa do refeitório de
obra da Odebrecht em Angola; juiz diz que condições de trabalho enquadram
empresas rés no crime de "redução à condição análoga à de escravos (Foto:
Arquivo pessoal/BBC Brasil)
A Justiça do Trabalho brasileira
condenou a construtora Odebrecht e duas de suas subsidiárias por promover
tráfico de pessoas e manter trabalhadores em condições análogas à escravidão na
construção de uma usina de açúcar e etanol em Angola.
Na decisão, o juiz Carlos Alberto
Frigieri, da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), afirma que operários
brasileiros que ergueram a usina Biocom, na Província de Malanje, foram
sumbetidos a um regime de trabalho "prestado sem as garantias mínimas de
saúde e higiene, respeito e alimentação, evidenciando-se o trabalho
degradante, inserido no conceito de trabalho na condição análoga à de
escravo".
Frigieri ordenou que a empresa
indenize em R$ 50 milhões os trabalhadores afetados - cerca de 500, segundo a
acusação.
São rés na ação a Construtora
Norberto Odebrecht (CNO), a Odebrecht Serviços de Exportação (antiga Olex) e a
Odebrecht Agroindustrial (antes chamada ETH Bionergia). O grupo nega
irregularidades na obra e diz que vai recorrer.
A empresa afirma que nunca
"existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas
obras de Biocom", que as condições de trabalho foram "adequadas às
normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil"
e que não tinha responsabilidade sobre a obra por ser dona de participação
minoritária na usina.
A ação teve início após a BBC
Brasil publicar, em 2013, uma reportagem em que operários relatavam ter sofrido
maus-tratos na usina entre 2011 e 2012. Com base na reportagem, o procurador
Rafael de Araújo Gomes, do Ministério Público do Trabalho (MPT), abriu um
inquérito que deu origem a uma ação civil pública contra a companhia.
Boa parte dos processos tramitou
na Justiça trabalhista do interior de São Paulo, onde as empresas recrutaram
muitos dos operários enviados a Angola.
Maior construtora da América
Latina, a brasileira Odebrecht é uma das maiores empresas também em Angola,
onde atua desde 1984 em vários setores.
A derrota ocorre em um mau
momento para o grupo: seu presidente-executivo, Marcelo Odebrecht, e três
executivos estão presos desde junho, acusados de envolvimento no escândalo de
corrupção investigado pela operação Lava Jato. Eles negam envolvimento em
corrupção.
Banheiro interditado em obra, em
foto dos trabalhadores; condições de higiene "obrigou alguns trabalhadores
a utilizarem o matagal próximo ao alojamento", diz sentença
'Verdadeiro calvário'
Na decisão, redigida em 28 de
agosto, o juiz Carlos Alberto Frigieri diz que as empresas denunciadas deixaram
de proporcionar aos operários "meio ambiente de trabalho adequado,
condições mínimas de higiene nos banheiros e refeitórios, tornando o trabalho
mais penoso e mais sofrida a estadia, um verdadeiro calvário, com a agravante
de que muitos trabalhadores adoeceram no local".
O juiz diz que as condições de
higiene nos banheiros usados pelos funcionários - registradas em fotos e vídeos
apresentados pela acusação - obrigaram "alguns trabalhadores, que não
queriam correr o risco de contaminação por bactérias, a utilizarem o matagal
próximo ao alojamento".
Segundo o magistrado, além de
violar normas trabalhistas, a postura das companhias causou aos operários
"humilhação e sofrimento íntimo, especialmente porque tais obreiros se
encontravam longe de suas casas".
O juiz diz que as condições
degradantes de trabalho enquadram as empresas no crime de "redução à
condição análoga à de escravos".
Segundo o Código Penal, o crime
pode ser cometido de três maneiras: submetendo alguém "a trabalhados
forçados ou a jornada excessiva"; "sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho"; ou "restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
Em nota à BBC Brasil, a Odebrecht
disse que as condições no canteiro de obra "foram adequadas e aderentes às
normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil,
incluindo quanto às condições de alojamento, transporte, sanitárias, de
alimentação (...) e saúde, incluindo presença de serviço médico local e
ambulatório".
Tráfico de pessoas
Em sua decisão, o juiz afirmou
ainda que a Odebrecht promoveu "aliciamento de trabalhadores e tráfico de
pessoas" ao transportar os operários a Angola com vistos ordinários, que
não dão o direito de trabalhar, em vez de vistos de trabalho.
Segundo o juiz, o objetivo da
empresa era contar com "mão de obra especializada cativa, completamente
dominada, com pouca ou nenhuma capacidade de resistência, eis que mantidos de
forma ilegal em país estrangeiro".
Já a Odebrecht afirma que nunca
"existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas
obras de Biocom" e que a "expatriação de trabalhadores sempre foi
realizada observando a legislação brasileira e angolana".
"Os trabalhadores tinham
ampla liberdade de locomoção dentro de Angola e para retornar ao país a
qualquer momento, incluindo em datas festivas nas quais diversos trabalhadores
voltaram ao Brasil e depois retornaram para Angola, bem como os trabalhadores
tinham acesso gratuito à internet", diz a empresa, em nota.
A Odebrecht afirma ainda que não
tinha responsabilidade sobre a obra e que é dona de uma participação
minoritária na Biocom.
No processo, a companhia afirmou
que, por ser uma empresa angolana, a Biocom não poderia ser julgada no Brasil.
Segundo a Odebrecht, as obras na
usina foram realizadas por empresas subcontratadas pela Biocom, entre as quais
a Planusi e a Pirâmide, ambas com sede no interior paulista.
O juiz afirmou, porém, que provas
apresentadas pela acusação - entre as quais contratos assinados entre as
empresas envolvidas - revelam que a Odebrecht era a verdadeira dona da obra.
"É possível afirmar,
inclusive, que a Biocom/Odebrecht de Angola também é uma empresa do poderoso
Grupo Odebrecht, justificando a responsabilidade solidária por eventuais
condenações", diz o juiz.
Além dos R$ 50 milhões de
indenização (um décimo do valor pedido pelo MPT na acusação), Frigieri condenou
a empresa a pagar uma série de multas caso não mude suas práticas.
O juiz negou, porém, o pedido do
Ministério Público do Trabalho para que a construtora deixasse de receber
empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). O
banco financia boa parte das operações da empresa no exterior.
Fonte: G1 Globo
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