"Muitas imagens já me
chocaram, mas por alguma razão, talvez pela proximidade da idade dos meus
filhos, não sei, esta imagem me chocou e me incomodou. Ela me tirou um ânimo,
me deixou sem coragem e sem crença, algo estranho, pois foi capaz de atacar a
nossa (a minha) fragilidade. Ela nos deixou nus e sem reação. Ninguém acolheu o
menino, ninguém o tocou, apenas as águas frias da praia, que suavemente o
abraçavam e lavavam do seu rosto as lágrimas de uma face sofrida, sentida e já
sem esperança",
escreve Cesar Kuzma, teólogo leigo, professor da PUC-Rio e
casado e pai de dois filhos.
Segundo ele, "enquanto
isso... Ora, os debates teológicos discursam para si mesmos e a instituição se
torna mais importante que o mistério que se revela num Reino que nos conclama a
justiça. Enquanto isso... Ora, o menino Aylan continua tendo que fugir, a
buscar novas terras, novas esperanças e uma chance para poder viver e sentir um
toque de amor, de cuidado e de carinho, que não chegaram e que não
chegam!"
Eis o artigo.
O nome dele era Aylan Kurdi e
tinha apenas 3 anos de idade. Dia 02 de setembro de 2015, Turquia. Diante da
imagem que nos revelou a sua história e que percorreu as mídias de todo o
mundo, não precisaríamos dizer mais nada, pois até mesmo o nosso silêncio seria
uma afronta, e qualquer palavra pronunciada seria uma infeliz tentativa de
dizer o que não pode ser dito, já que nós não dissemos, ou não nos importamos
em falar algo antes...
Indiferença? Violência? Pecado
humano? Guerra? Política? Religião? Acho que é mais do que qualquer uma dessas
coisas, é desumanização. Isso mesmo, desumanização. E o é no sentido mais
profundo que esta palavra pode alcançar. Parece que perdemos o rumo, perdemos a
razão das coisas, nem mesmo o sentido faz mais sentido e o que era óbvio já tem
outra realidade. Qual é o sentido de tudo?
As pessoas acordam, trabalham,
programam as vidas, dinheiro entra e dinheiro sai, crises acontecem a cada
hora, estruturas mudam e transformam o nosso entorno. Nós nos enchemos com
tantas coisas que nos esquecemos do mais importante, nós não sabemos quem somos
e não sabemos quem está do nosso lado. Parece que a pergunta dirigida a Caim e
a pergunta sobre o próximo, apontada por Jesus, nunca nos foram tão fortes e
significantes. Onde está o nosso irmão que sofre e que morre na nossa
indiferença, cujo sangue e lágrimas clamam em todo lugar? Onde estamos diante
do irmão que sofre, que morre e no qual o nosso cuidado e atenção não se
fizeram acontecer? Nós nos desumanizamos. E temo que isso – muitas vezes – venha
a ser um fato. Isso me dá medo, me assusta! Muito!
Na cultura e sociedade que
vivemos a violência está a nossa porta. No Brasil, no Rio de Janeiro, onde
moro, a morte é algo constante, também no que toca as crianças, vítimas de toda
a barbárie e perseguição. Nós nos incomodamos e protestamos (às vezes!),
sentimos a dor (muitas vezes!), mas infelizmente nós nos acostumamos com ela,
ela se torna rotina e é algo que se vive, se convive e se esquece. Isso
amedronta!
O menino Aylan já morreu muitas
vezes em nossas favelas e comunidades, em nossas casas e ruas; morte causada
pelo mesmo descaso e indiferença que nos levou o pequeno Aylan nas águas de uma
Europa fechada e de uma humanidade trancada em medos e em mundos com muros
mesquinhos, presas na própria pequenez da cerca que a protege do grito e da dor
dos que sofrem. O mesmo acontece aqui, nas nossas diferenças culturais e
sociais, entre o norte e o sul, entre pobres e ricos, e entre muitas barreiras
criadas sem razão e sem sentido. Nada toca a nossa realidade de dor que parece
se achegar sempre mais perto. Vem, então, um novo dia, e o jovem Aylan morrerá
de novo, e de novo, e de novo, no mesmo descaso e na mesma indiferença, na
mesma desumanidade. Triste meio que ainda está longe de seu fim. Até quando terá
que morrer?...
O nome dele era Aylan Kurdi e
tinha apenas 3 anos de idade. Muitas imagens já me chocaram, mas por alguma
razão, talvez pela proximidade da idade dos meus filhos, não sei, esta imagem
me chocou e me incomodou. Ela me tirou um ânimo, me deixou sem coragem e sem
crença, algo estranho, pois foi capaz de atacar a nossa (a minha) fragilidade.
Ela nos deixou nus e sem reação. Ninguém acolheu o menino, ninguém o tocou,
apenas as águas frias da praia, que suavemente o abraçavam e lavavam do seu rosto
as lágrimas de uma face sofrida, sentida e já sem esperança.
Desumanização. Esta foi a palavra
mais forte que achei, pois ela nos fere naquilo que achamos que somos, humanos.
Será? Ela nos fere enquanto sociedade, pois acusa a falsidade das nossas pretensões.
E ela nos fere também enquanto pessoas de fé, enquanto religião, enquanto
Igrejas, em meu caso específico, enquanto cristão e católico. Onde está o nosso
coração? Onde está o meu irmão? Onde estou eu como próximo do pequeno Aylan que
falece na praia de águas frias e que todos os dias morre ao redor de minha casa
e na cidade em que vivo?
Enquanto isso... Ora, os juros
sobem, as bolsas caem e sobem novamente, os governos entram e saem e continuam
sendo corruptos. Enquanto isso... Ora, as Igrejas enchem e esvaziam, os lucros
entram de muitas formas, as portas continuam fechadas e a “mesa de todos”
continua ainda sendo “mesa de alguns”.
Enquanto isso... Ora, os debates
teológicos discursam para si mesmos e a instituição se torna mais importante
que o mistério que se revela num Reino que nos conclama a justiça.
Enquanto isso... Ora, o menino
Aylan continua tendo que fugir, a buscar novas terras, novas esperanças e uma
chance para poder viver e sentir um toque de amor, de cuidado e de carinho, que
não chegaram e que não chegam!
Enquanto isso... Ora, o pequenino
Aylan, ao modo de Jesus, precisa fugir, buscando um Egito seguro, na esperança
de encontrar a paz.
Enquanto isso... Ora, Jesus
continua carregando a sua cruz e morrendo a cada dia, no Aylan e em tantos
outros que ao nosso lado falecem e são esquecidos, e nem sequer enxergamos.
Isso me leva a pensar que estamos
errados em nossas intenções e que esquecemos a verdade de uma fé que traz um
Deus que se fez carne, que se humanizou, e que assumiu tudo, para que tudo
fosse transformado em seu amor. Se é impossível crer num Deus sem carne, é
inconcebível imaginar um ser humano desumanizado. E temo que esquecemos as duas
coisas!
“Era estrangeiro e me acolhestes”
(Mt 25,35).
O nome dele era Aylan Kurdi e
tinha apenas 3 anos de idade!
Fonte: Ihu
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