quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Papa Francisco concede perdão às mulheres que fizeram aborto

O papa Francisco, na praça de São Pedro do Vaticano. / ALESSANDRA TARANTINO (AP)

Bergoglio: “Sei que é um drama existencial e moral. Muitas têm uma cicatriz no coração”. 

A Igreja Católica é  a mais severa em relação ao aborto.  O gesto do Papa de falar de aborto em sua campanha de misericórdia merece aplausos, mas ainda é pouco.

Por Pablo Ordaz

O papa Francisco anunciou que durante a celebração do Jubileu da Misericórdia – que será realizado de 8 de dezembro a 20 de novembro de 2016 – todos os padres terão o poder de "absolver" as mulheres que cometeram “o pecado do aborto”, porque “o perdão de Deus não poder ser negado a todo aquele que se arrepender” e “muitas delas têm uma cicatriz no coração por essa escolha sofrida e dolorosa”.

Em uma carta de Bergoglio ao monsenhor Rino Fisichella, presidente do Conselho Pontifício para a Nova Evangelização, Jorge Mario Bergoglio explica que “alguns vivem o drama do aborto com uma consciência superficial, quase sem se darem conta do gravíssimo mal de um ato dessa natureza”, mas que muitos outros, por outro lado, o vivem “como uma derrota” porque “acreditam não ter outro caminho por onde ir”.
O Papa acrescenta: “Penso, especialmente, em todas as mulheres que abortaram. Conheço bem os condicionamentos que as levaram a essa decisão. Sei que é um drama existencial e moral. Encontrei muitas mulheres com uma cicatriz no coração por essa escolha sofrida e dolorosa”. Diante dessa situação, Francisco alerta que “o perdão de Deus não pode ser negado a quem se arrependeu” e anuncia que concedeu a todos os padres “o poder de absolver o pecado do aborto a quem o praticou e pede perdão arrependido de coração”.

O Papa fez também especial menção em sua carta aos doentes e aos idosos solitários e disse também que o Jubileu dever ser “uma grande anistia” para os presos que, “mesmo merecendo uma condenação, tomaram consciência da injustiça cometida e desejam sinceramente se integrar de novo à sociedade dando sua contribuição honesta”. Para os presos que decidiram pela reinserção, Bergoglio enviou uma mensagem: “Que a todos eles chegue realmente a misericórdia do Pai que quer estar próximo de quem mais precisa de seu perdão. Podem ganhar a indulgência nas capelas das prisões, e cada vez que atravessarem a porta de sua cela, dirigindo seu pensamento e a oração ao Pai, que esse gesto possa ser para eles a passagem da Porta Santa, porque a misericórdia de Deus, capaz de converter os corações, é também capaz de transformar as grades em experiência de liberdade”.

A carta de Bergoglio termina com um sinal de aproximação aos fiéis que fazem parte da tradicional Fraternidade São Pio X, fundada em 1970 por Marcel Lefebvre e que não concorda com o rumo tomado pela Igreja a partir do Concílio Vaticano II: “Confio que em um futuro próximo possam ser encontradas soluções para recuperar a plena comunhão com os sacerdotes e os superiores da Fraternidade”.


A Igreja Católica, a mais severa em relação ao aborto
O papa Francisco, durante missa no Vaticano. / MAURIZIO BRAMBATTI (EFE)

Por JUAN ARIAS 

O gesto do papa Francisco de permitir, por ocasião do próximo Jubileu da Igreja, que todos os sacerdotes – não só os bispos – possam "absolver" as mulheres cristãs do pecado do aborto merece um aplauso, mas ainda é insuficiente, embora possa soar como uma heresia para os católicos mais tradicionais. De fato, a Igreja Católica é hoje – com exceção das igrejas evangélicas fundamentalistas, militantes contra o aborto sem nuances – a mais severa contra o aborto, já que considera que o feto tem vida própria desde o primeiro momento da concepção.

As Igrejas protestantes, em geral, mesmo considerando que o aborto fere o princípio do respeito à vida, são mais liberais que a Católica. A Igreja Anglicana, por exemplo, permite o aborto antes das 28 semanas. Os metodistas deixam à mulher a liberdade de abortar, “após uma profunda meditação”, ou seja, com responsabilidade. Entre os luteranos, existem duas correntes: a radical, que se identifica com a católica oficial; e a mais liberal, que permite o aborto sob certas condições.

Até mesmo o Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, é mais liberal porque considera que o feto começa a ter alma só depois de 120 dias. De modo que o aborto seria permitido antes disso, como também em caso de risco à vida da mulher. Segundo o Corão, se a vida da mãe está em perigo, é preferível sacrificar a planta para salvar a raiz.

Para o judaísmo, nos tempos de Jesus o aborto não representava um problema, já que a maior condenação para uma mulher era ser estéril. Um filho era a maior bênção.

Em sua campanha de misericórdia com os pecadores, o papa Francisco quis introduzir o espinhoso caso das mulheres cristãs que abortaram, a quem a Igreja tem negado o perdão. Concedeu-o aos homossexuais, aos divorciados e até aos condenados por crimes graves. Nesse tema Francisco apela para a figura de Jesus, nos primórdios do cristianismo, que dizia ter vindo para resgatar todos os doentes, os pecadores e os desprezados.

As mulheres cristãs que abortaram foram sempre vistas pela Igreja como as grandes pecadoras a quem só um bispo podia perdoar. O papa jesuíta fala com amor e dor sobre elas, porque carregam, como afirma o Santo Padre, “uma cicatriz em seu coração”. Isso mostra muito o seu espírito de solidariedade, mas certamente será ainda insuficiente para as mulheres.

O Papa sabe disso, mas conhece também a resistência da Igreja oficial em ceder nesse tema. Com senso prático, ele abre caminhos transversais, à espera, talvez, de que outros amanhã possam dar novos passos.

Não seria melhor que a Igreja se preocupasse menos em quantificar os pecados e mais em lembrar o que defendia o cardeal Newman, que, convertido do anglicanismo ao catolicismo, dizia: “Melhor errar seguindo a própria consciência do que acertar contra ela”? 

Se na Idade Média a Igreja chegou a duvidar de que algumas mulheres tinham alma, a Igreja de hoje ainda resiste em aceitar que também as mulheres têm uma consciência à qual devem prestar contas antes de quem quer que seja.

Fonte: El Pais

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