1. Por que a AI necessita de uma
política para proteger os direitos humanos dos trabalhadores e trabalhadoras
sexuais?
Os trabalhadores e as
trabalhadoras sexuais são um dos grupos mais marginalizados do mundo. Em muitos
países se veem ameaçados por toda uma série de abusos, como estupro, agressão,
tráfico de pessoas, extorsão, remoção forçada e discriminação, e são muitas
vezes excluídos do acesso a serviços de saúde.
O mais comum é que apenas gozem
de proteção jurídica, se é que realmente conseguem na prática. De fato, em muitos
casos, estes abusos e violações dos direitos humanos são perpetrados pela polícia,
por clientes ou por terceiros. Por exemplo, um estudo realizado em 2010 sobre
os trabalhadores e trabalhadoras sexuais na capital de Papua Nova Guiné, Port
Moresby, concluiu que, ao longo de seis meses, 50 por cento dos trabalhadores e
trabalhadoras sexuais haviam sido vítimas de violação (por clientes ou
policiais).
2. Qual a diferença entre legalização
e despenalização? Por que a Anistia Internacional não pede que o trabalho
sexual seja legalizado?
A despenalização do trabalho
sexual significa que os trabalhadores e trabalhadoras sexuais já não infrinjam
a lei por realizar trabalho sexual. Não se veem obrigados a viver fora da lei,
e há um maior espaço para proteger seus direitos humanos. Caso se legalize o
trabalho sexual, isso significa que o Estado formulará leis e políticas muito
específicas que regulam formalmente tal trabalho. Isso pode provocar um sistema
de dois níveis em que muitos trabalhadores e trabalhadoras sexuais –
frequentemente os mais marginalizados, os que realizam seu trabalho nas ruas –
atuem fora desta normativa e continuem sofrendo criminalização. A
despenalização coloca nas mãos dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais um
maior controle para agir de maneira independente, auto-organizar-se em
cooperativas informais e controlar seu próprio entorno de trabalho de uma
maneira que a legalização frequentemente não permite. Durante nossa consulta
com trabalhadores e trabalhadoras sexuais, a maioria daqueles com os quais
falamos apoiava a despenalização, mas com frequência via com inquietação as
implicações da legalização. Isso não se devia unicamente a sua desconfiança das
autoridades encarregadas de fazer cumprir a lei, mas também ao temor de, se
adotado o modelo errado de legalização, possa desempoderá-los ou até leva-los a
sofrer criminalização e abusos.
Quando os trabalhadores e
trabalhadoras sexuais deixam de ser vistos e tratados como “delinquentes” ou
“cúmplices”, correm menos risco de sofrer táticas policiais agressivas, e podem
exigir proteção e melhores relações com a polícia e desfrutar delas. A despenalização
devolve os direitos aos trabalhadores e trabalhadoras e os converte em agentes
livres.
Não nos opomos à legalização em
si, mas queríamos nos assegurar de que as leis aprovadas promovam os direitos
humanos dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais e cumpram o direito
internacional de direitos humanos.
3. A despenalização do trabalho
sexual não incita o tráfico de pessoas?
É importante deixar muito claro
que a Anistia Internacional condena todas as formas de tráfico de seres
humanos, incluindo o tráfico com fins de exploração sexual. O tráfico de seres
humanos constitui um abominável abuso contra os direitos humanos e deve ser penalizado
como questão de direito internacional. Isso fica claro para todas as nossas deliberações
sobre a política. A despenalização do
trabalho sexual não significa eliminar as sanções penais para o tráfico de
pessoas. Não há indícios que sugiram que a despenalização leve a um aumento do
tráfico. Acreditamos que a despenalização ajudaria a abordar o tráfico de
pessoas. Quando o trabalho sexual é despenalizado, os trabalhadores e
trabalhadoras sexuais são mais capazes de trabalhar juntos e clamar por seus
direitos, para obter melhores padrões e condições de trabalho e uma maior
fiscalização do sexo comercial e do possível tráfico de pessoas destinado a
este fim. Quando não estão sob ameaça da criminalização, os trabalhadores e as
trabalhadoras sexuais podem também colaborar com as forças encarregadas de
fazer cumprir a lei para identificar os autores e as vítimas do tráfico.
Algumas organizações, como a
Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres, Anti-Slavery International e a
Organização Internacional do Trabalho, concordam que a despenalização fomenta
um maior reconhecimento dos direitos das pessoas que vendem sexo e podem ajudar
a pôr fim às violações de direitos humanos que sofrem estas pessoas, inclusive
o tráfico.
4. Como a despenalização do
trabalho sexual pode proteger os direitos das mulheres?
A política proposta pela Anistia
Internacional pretende proporcionar uma maior proteção aos direitos humanos das
trabalhadoras sexuais – que frequentemente se encontram entre as mulheres mais
marginalizadas da sociedade – promovendo uma maior proteção e um maior
empoderamento das trabalhadoras sexuais. A desigualdade de gênero e a
discriminação podem influir muito para que uma mulher se dedique ao trabalho
sexual. Não somos ingênuos nem indiferentes a respeito deste problema. Mas
acreditamos que criminalizar as mulheres por sua falta de opções ou utilizar
leis penais e práticas policiais que façam sua vida menos segura não seja a resposta
para este problema.
A criminalização das
trabalhadoras sexuais torna mais difícil obter um trabalho de sua escolha. A
política que propomos expõe uma série de ações que os Estados devem tomar –
além da despenalização – para empoderar as mulheres e outros grupos marginalizados
com o fim de garantir que ninguém tenha que realizar trabalho sexual para
sobreviver.
Os Estados devem proporcionar
acesso oportuno e adequado a medidas de apoio, por exemplo, serviços sociais,
educação e formação e/ou um posto de trabalho alternativo. Isso não significa
que as pessoas que se dedicam ao trabalho sexual sejam obrigadas a participais
desses programas.
5. Que provas a AI tem para
respaldar sua proposta de política sobre trabalho sexual?
Dedicamos dois anos à elaboração
de nossa proposta política para proteger os direitos humanos dos trabalhadores
e trabalhadoras sexuais. Esta política se baseia em uma sólida investigação e
consulta com várias organizações e pessoas. Examinamos o amplo trabalho
realizado por organizações como a Organização Mundial da Saúde, ONUSIDA, o
relator especial da ONU sobre o direito à saúde e outros organismos da ONU.
Também examinamos as posturas adotadas por outras organizações, como ONU
Mulheres, Anti-Slavery International e a Aliança Global contra o Tráfico de
Mulheres. Realizamos investigações detalhadas, entrevistamos mais de 200 trabalhadores
e trabalhadoras sexuais, e também ex-trabalhadores e trabalhadoras sexuais, a
polícia, governos e outros organismos na Argentina, Hong Kong, Noruega e Papua
Nova Guiné.
Nossos escritórios nacionais em
todo mundo também contribuíram com a política mediante uma consulta ampla e
aberta com grupos de trabalhadores e trabalhadoras sexuais, grupos que
representam sobreviventes de prostituição, organizações abolicionistas,
feministas e outros representantes dos direitos das mulheres, ativistas LGBTI,
órgãos contra o tráfico de pessoas, ativistas que trabalham sobre o HIV/AIDS e muito
mais.
6. Quem vende sexo precisa de
proteção, mas por que proteger os proxenetas?
Nossa politica não consiste em
proteger aos proxenetas. Segundo o modelo que propomos, os terceiros que
exploram ou violam direitos de trabalhadores e trabalhadoras sexuais devem
continuar sendo criminalizados. Mas existem leis excessivamente amplas, como as
que proíbem “promover a prostituição” ou “administrar bordeis” que são
frequentemente utilizadas contra trabalhadores e trabalhadoras sexuais e
criminalizam as ações que empreendem para tentar manter-se a salvo. Por
exemplo, em muitos países, se os trabalhadores e trabalhadoras sexuais
trabalham juntos por razões de segurança, considera-se que formam um “bordel”.
Nossa política pede que as leis se reorientem para abordar os atos de
exploração, abuso e tráfico, em vez de estabelecer delitos de caráter muito
geral que criminalizam os trabalhadores e trabalhadoras sexuais e colocam suas
vidas em risco.
7. Por que a Anistia
Internacional não apoia o modelo nórdico?
Embora o modelo nórdico não
criminalize diretamente os trabalhadores e trabalhadoras sexuais, há aspectos
operativos – como a compra de sexo ou o arrendamento de locais nos quais vender
sexo que continuam criminalizados. Isso coloca em risco a segurança dos
trabalhadores e trabalhadoras sexuais e os torna vulneráveis a abusos; podem continuar
sendo objeto de perseguição por parte da polícia, cujo objetivo frequentemente
é erradicar o trabalho sexual mediante o cumprimento da lei penal. Na
realidade, as leis contra a compra de sexo significam que os trabalhadores e as
trabalhadoras sexuais têm que correr mais riscos para proteger os compradores e
evitar que sejam detectados pela polícia. Os trabalhadores e trabalhadoras
sexuais com os quais falamos nos contaram que, de forma habitual, os clientes
lhes pedem que visitem suas casas para evitar a polícia, em vez de ir a um
local onde o trabalhador ou trabalhadora sexual se sinta mais seguro.
No modelo nórdico, o trabalho
sexual continua extremamente estigmatizado, o que contribui para a
discriminação e marginalização dos que se dedicam a ele.
8. Por que a Anistia
Internacional acredita que pagar por trabalho sexual é um direito humano?
Nossa política não trata sobre os
direitos dos que compram sexo: concentra-se exclusivamente em proteger
trabalhadores e trabalhadoras sexuais que enfrentam uma série de violações de
direitos humanos vinculadas à criminalização. Ao adotar esta política, a
Anistia Internacional diz que acreditamos que devem ser protegidos os direitos
de um grupo de pessoas que pode ser extremamente vulnerável a violações de
direitos humanos.
9. Como organização de direitos
humanos, esta votação significa que vocês promovem o trabalho sexual?
Não. Não acreditamos que ninguém
deva realizar trabalho sexual contra a sua vontade, e ninguém deve ver-se
obrigado ou coagido a se converter em trabalhador ou trabalhadora sexual.
Existem provas de que, frequentemente, os trabalhadores e trabalhadoras sexuais
se dedicam a este trabalho como seu único meio de sobrevivência, e porque não
têm outra opção. Isso só perpetua a marginalização dos trabalhadores e
trabalhadoras sexuais, e é por isso que queremos garantir que contemos com uma
política que defenda seus direitos humanos.
10. A Anistia Internacional adotou uma decisão, mas o que ocorrerá em
seguida?
A votação deu à nossa Junta
Diretora Internacional luz verde para elaborar e acordar uma política com a
qual proteger os direitos humanos dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais.
Esta política será discutida em sua próxima reunião de outubro. A Junta se baseará
nas conclusões da consulta e na investigação realizada até esta data e tomará uma
decisão sobre a melhor política para refletir o compromisso da Anistia Internacional
de proteger os direitos humanos dos trabalhadores e trabalhadoras sexuais.
Fonte: Anistia Internacional
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