A gente não quer apenas tocar o
corpo da pessoa que nos atrai. Queremos ser amados e desejados por ela.
Por IVAN MARTINS
Lembro de uma conversa na cozinha
em que uma moça me explicava, enfaticamente, que sexo para ela era sagrado, uma
troca cósmica de energia. Não, eu respondi, sexo é profano, parte de um
contínuo natural que começa na troca de olhares e termina na cama. É claro que
ao final da conversa não houve sexo entre a moça e eu. O profano e o sagrado
raramente se misturam.
Cada um de nós tem uma concepção
particular do que o sexo significa, mas eu acho que existem duas grandes visões
sobre o assunto que se misturam na nossa vida e mesmo dentro de nós,
alternadamente.
Alguns sentem que o sexo aproxima
as pessoas; outros acham que afasta. Quem acha que o sexo afasta, vê nele
apenas uma forma de prazer esgotável. Gozou, tchau. Quem acha que aproxima,
percebe o sexo como algo ligado aos sentimentos, parte de uma coisa mais
duradoura. Não acha que o gozo encerra tudo.
A que grupo você pertence?
Eu acho que o sexo é antes de
mais nada uma busca não declarada por envolvimento emocional. Prazer físico a
gente obtém melhor sozinho. Sexo é um instrumento de conexão, algo mais
fundamental à nossa existência do que o próprio gozo. Para nos conectar temos
de mergulhar no outro, ser aceito por ele, refastelar-se na emoção de dar e
receber prazer. Depois de uma longa sessão de libidinagens e beijos na boca,
emergimos modificados. É impossível olhar para a pessoa ao lado e não sentir
afeto. Esse sexo aproxima.
Frequentemente, porém, os corpos
e as cabeças não se entendem. O sexo fica banal, besta, acrobático. Ou pífio.
Cada um na sua de olhos fechados. Gente dançando em salas diferentes, ao som de
músicas distintas. Não se fez a conexão, por algum motivo. Esse sexo afasta.
Talvez role num outro momento, quem sabe com outra pessoa. Não fomos feitos
para transar a toda hora com qualquer um.
Como escolhemos com quem
desejamos estar, usamos o sexo para construir relações. É um jeito de se aproximar
radicalmente de quem nos interessa. Há o impulso do prazer nessa aproximação,
mas logo abaixo dele corre a busca por afeto, como um rio subterrâneo. A gente
não quer apenas tocar o corpo da pessoa que nos atrai. Queremos ser amados e
desejados por ela. Nosso tesão, mesmo o mais visual e instantâneo, tem um
pedaço enorme de puro sentimento.
Nas mulheres esse impulso é mais
visível, mais anunciado. Faz parte da cultura feminina. Entre os homens o
assunto é mal resolvido. O sujeito corre atrás de afeto e atenção
desesperadamente, mas diz para todo mundo (e para si mesmo) que quer apenas
transar. Em alguns casos talvez seja verdade, mas eu duvido. Trocar de
parceiras o tempo todo faz bem para o ego, mas deixa um buraco. O essencial não
é contemplado.
Por causa desses desencontros, as
pessoas se perguntam se o sexo deve acontecer no primeiro encontro ou deveria
vir depois. Eu acho que não tem importância.
Conheço casais felizes que
começaram no banheiro de uma balada e casais tristes que transaram depois de
meses de preparação. Não há regra. Para alguns o sexo acontece naturalmente no
primeiro encontro. Para outros, tirar a roupa vem só depois, quando foi
estendida uma rede de segurança emocional. O essencial é não agir e não levar o
outro a agir fora do seu tempo e do seu estilo de vida. Isso machuca e afasta.
Tenho pensado, ultimamente, que
não há nada de errado em respeitar o próprio andamento e dar um tempo antes de
se meter na cama com os outros. Sem moralismos. Pode ser o caso apenas de
conversar mais, conhecer melhor, deixar a vontade crescer. Por que tanta
pressa, afinal? Um pouco mais de convívio pode resultar em sexo que aproxima,
em vez de sexo que afasta.
Afinal, em meio à nossa bem-vinda
liberdade, há muito descontentamento em relação ao sexo. As pessoas não sentem
que ele esteja cumprindo a promessa dos anos 1960 de criar outros tipos de
felicidade. Cresce a solidão dentro das vidas cheias de erotismo que levamos.
A que se deve isso? Não sei
direito.
Minha impressão é que o sexo
ligeiro ou pornográfico que nos é oferecido em larga escala não atende as
expectativas emocionais das pessoas adultas. Serve aos adolescentes que estão
descobrindo a vida, assim como serve a quem está num intervalo entre
relacionamentos. Mas poucos ficam satisfeitos com a perspectiva de viver
indefinidamente de transas superficiais marcadas pelo Tinder. Com esse tipo de
dieta afetiva, qualquer alma sensível morre de fome.
Minha impressão é que precisamos
de mais sexo com sentimentos, do tipo que nos faz acordar românticos e ter
vontade de preparar o café da manhã. Aquele que se faz com raiva de si mesmo,
ou com total desatenção pelo outro, só afasta. Afasta inclusive de nós mesmos.
O sexo com sentimentos aproxima e aprofunda, desvenda e ilumina, faz crescer.
Talvez seja mesmo uma força sagrada, como achava a moça da cozinha - embora
nada me pareça mais bonito que as nossas escolhas românticas, intuitivas e
profanas.
Fonte: Revista Época
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