Fora do eixo Rio-São Paulo,
milionários tornam-se sócios de agências menores só para ter acesso às bonitas.
Por WALCYR CARRASCO
Quando fui convidado para
escrever uma novela inédita das 11 da noite para a Globo, eu não tinha ideia
alguma na cabeça. Mas disse sim. Eu sou fascinado por desafios. Prometi uma
ideia para dali alguns meses. Em geral crio de maneira intuitiva. Mas desta vez
resolvi fazer diferente. Fui repórter durante boa parte da minha vida. O mundo
fashion sempre me fascinou.
Como jornalista, eu era especializado em
comportamento e moda. Mas também sempre estive do lado glamouroso do mercado.
Desfiles, tendências. Mas eu precisava de uma boa ideia e voltei ao meu passado
de repórter. E pesquisei algo de que já tinha ouvido falar: o book rosa. Ou,
como alguns preferem, ficha rosa. Ou seja, a modelo que aceita também prestar
serviços sexuais ao cliente. Book azul no caso dos rapazes – também há
clientela. Antes de mais nada, esclareço. Existe. Nem todas as agências fazem.
Nem todas as modelos fazem. Mas muitas sim. Em geral meninas e garotos de boa
aparência são garimpados pelos olheiros (ou scouters) em lugares distantes. Até
algum tempo atrás, com 13 anos já estava bom.
De um tempo para cá,
internacionalmente se convencionou que modelos não podem ser tão jovens. Fotos
de moda flertavam com a pedofilia. A idade média dos modelos aumentou. Mas,
sim, 16 já está ótimo. O interior do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina é um
celeiro para quem procura futuros modelos. A genética italiana-alemã é
incrível. Mas no Ceará também há mulheres belíssimas. Muitas vezes, das
pequenas cidades do interior, saem excursões de ônibus de jovens interessadas
em ingressar no mundo da moda. Quem organiza cobra a viagem. De fato, a
oportunidade existe. As grandes agências recebem, fazem um filtro. E, se
gostam, contratam imediatamente. Uma das mais famosas modelos do mundo foi
descoberta assim.
Trazidos por olheiros ou através
de excursões, esses jovens são contratados. O que significa? Só que acabam de
contrair uma dívida. São hospedados em cinco, seis, dez, em apartamentos. Pagam
pelas vagas. Pagam por um book fotográfico. Com futuros trabalhos, óbvio. (Há
falsas agências que só fazem books de incautos para ganhar dinheiro. Cobram e
ficam na promessa.) No universo das agências profissionais, há catálogos de
moda, eventos, desfiles. Distribuir amostras grátis de perfume em um shopping é
trabalho de modelo, tanto quanto desfilar para uma grife. O dinheiro às vezes
não chega. Mas há formas de fazer dinheiro, não?
Primeiro fui na internet.
Descobri um Facebook de Book Rosa e outro de Ficha Rosa. Óbvios demais. Eu
queria ir mais longe. Meu lado repórter falou alto. Todo jornalista sabe que
existem pessoas que gostam de ser fonte. De dar notícias. Não sei por que, até
se prejudicam. É a secretária que grava o próprio chefe fazendo maracutaia. O
assessor que tira cópias de um documento e entrega ao repórter. Encontrei um
dono de agência de língua comprida. Foi a minha casa. Servi pãezinhos de queijo
e café, enquanto ele passava a tarde prejudicando o próprio negócio. Para minha
surpresa, descobri que boa parte dos trabalhos de book rosa é paga não pelo,
digamos, beneficiário. Mas pelo dono da empresa. Vejam bem. A empresa faz um
evento. Contrata as modelos. No trabalho delas (ou deles), está embutida a
sequência, num fofo quarto de hotel. A agência dá nota fiscal. Tira comissão de
20%! Fica na verba do evento, o dono da empresa às vezes nem desconfia. Ah,
sim, em convenções de políticos com frequência também sobram mulheres. Quem
paga? Você, eu. O dinheiro não é entregue diretamente à jovem. Às vezes sim, mas
é chamado de “presente”. E o que o dono da agência, ou booker, que programa os
trabalhos, mais costuma dizer é:
– Eu gosto de ajudar as modelos.
Em cima disso, sem preconceito,
eu construí uma história. Voltei com minha ideia. Foi aprovada. Está aí Verdades
secretas. E o país todo descobriu que existe o book rosa. Tornou-se comum falar
nisso, e sabe-se como é o jogo para convencer uma garota a fazer. Sei de um
empresário importante que chegou, há anos, a ser processado pela mãe de uma
garota de 13 anos. Em agências menores fora do eixo Rio-São Paulo, muitas vezes
milionários tornam-se sócios para ter melhor acesso às bonitas.
É raro saber de onde surge uma
história. Desta vez ficou fácil. Da vida real. Tem gente furiosa comigo porque,
repito, nem toda modelo faz, nem toda agência faz. Mas o book rosa existe. Essa
é a verdade que eu escrevo e deixou de ser secreta.
Fonte: Revista Epoca
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