Criminalização das relações de
trabalho nesse universo laboral põe milhares de homens e mulheres à margem dos
direitos garantidos a todo trabalhador
Por Soraya Silveira Simões
O anúncio da política proposta
pela Anistia Internacional em favor da descriminalização plena do trabalho
sexual, às vésperas da Reunião Internacional do Conselho, está provocando uma
série de reações e mobilizações em todo o mundo.
Entre aqueles que se manifestam a
favor do documento, encontram-se as diversas associações de trabalhadoras e
trabalhadores sexuais espalhadas pelo planeta e mais centenas de organizações
governamentais e não-governamentais voltadas para a promoção dos direitos
humanos e da saúde. Entre estas, Global Network of Sex Work Projects (NSWP),
Global Alliance Against Traffic in Women (GAATW), American Jewish World Service
(AJWS), Open Society Foudantions (OSF), a Davida e a Rede Brasileira de
Prostitutas, no Brasil, além da Unaids, da Comissão Global sobre HIV e Lei da
ONU e da própria Organização Mundial da Saúde, que, em julho de 2014, publicou
as “Diretrizes consolidadas sobre prevenção, diagnóstico, tratamento e cuidados
em HIV para as populações-chave”, propondo aos países membros da ONU a
descriminalização do trabalho sexual como caminho para a promoção dos direitos
humanos e da saúde.
Se todas essas vozes articulam-se
na arena internacional a partir de uma lógica do reconhecimento dos principais
agentes interessados nessa política — ou seja, pessoas adultas que compram e
vendem serviços sexuais consensualmente —, outras tantas entram em cena
encarnadas na pele de “empreendedores morais”, que, ao contrário, agem a partir
de uma lógica da justificação (acionada face a um desacordo) contra as razões
de trabalhadoras e trabalhadores sexuais de todo o mundo em defesa de seus
próprios direitos. Nesse campo, e em particular a partir do anúncio da proposta
política da Anistia Internacional, encontram-se associações que configuram uma
verdadeira indústria do resgate, com elas, estrelas de Hollywood (em número
muito maior do que o de astros ), sempre prontas a assumir qualquer causa dita
humanitária.
Esse marketing social, no mais
das vezes irresponsável, ao contrário do que possa parecer, baseia-se numa
eloquente ignorância de realidades críticas e violentas provocadas pela
ausência de leis protetivas, excesso de leis punitivas e pelo perverso
não-reconhecimento das vozes organizadas em todo o mundo, individual ou
institucionalmente, contra os prejuízos da discriminação e da criminalização
dos comportamentos sexuais.
Vale lembrar que a prostituição
no Brasil é permitida aos maiores de 18 anos, mas os problemas causados pela
criminalização das relações de trabalho nesse universo laboral coloca milhares
de homens e mulheres à margem dos direitos garantidos a todo e qualquer
trabalhador e expostos aos maiores arbítrios cometidos por agentes públicos e
privados. Por isso, defender a postura corajosa da Anistia Internacional em um
cenário que parece começar a espetacularizar a vida de pessoas da “vida real”
torna-se urgente.
Soraya Silveira Simões é
professora da UFRJ e coordenadora do Observatório da Prostituição/Le
Metro/IFCSUFRJ
Fonte: O Globo
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