domingo, 24 de maio de 2015

Viver Deus a partir de dentro


Acolher o Espírito de Deus quer dizer deixar de falar só com um Deus a quem quase sempre colocamos longe e fora de nós, e aprender a escutá-lo no silêncio do coração. Deixar de pensar em Deus apenas com a cabeça, e aprender a percebê-lo no mais íntimo do nosso ser.

Por JOSÉ ANTONIO PAGOLA

Há alguns anos, o grande teólogo alemão Karl Rahner atrevia-se a afirmar que o principal e mais urgente problema da Igreja dos nossos tempos é a sua “mediocridade espiritual”. Estas eram as suas palavras: o verdadeiro problema da Igreja é “continuar com resignação e tédio cada vez maiores pelos caminhos habituais de uma mediocridade espiritual”.

O problema não parou de se agravar nessas últimas décadas. De pouco serviram as intenções de reforçar as instituições, salvaguardar a liturgia ou vigiar a ortodoxia. No coração de muitos cristãos está se apagando a experiência interior de Deus.

A sociedade moderna apostou pelo “exterior”. Tudo nos convida a viver a partir de fora. Tudo nos pressiona para nos movermos com rapidez, sem pararmos em nada nem em ninguém. A paz já não encontra fendas para penetrar até o nosso coração. Vivemos quase sempre na superfície da vida. Estamos esquecendo o que é saborear a vida a partir de dentro. Para ser humana, à nossa vida falta uma dimensão essencial: a interioridade.

É triste observar que tampouco nas comunidades cristãs sabemos cuidar e promover a vida interior. Muitos não sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé a partir de dentro. Privados da experiência interior, sobrevivemos esquecendo a nossa alma: escutando palavras com os ouvidos e pronunciando orações com os lábios, enquanto o nosso coração está ausente.

Na Igreja fala-se muito de Deus, mas onde e quando escutam os crentes a presença silenciosa de Deus no mais fundo do coração? Onde e quando acolhemos o Espírito do Ressuscitado no nosso interior? Quando vivemos em comunhão com o Mistério de Deus a partir de dentro?

Acolher o Espírito de Deus quer dizer deixar de falar só com um Deus a quem quase sempre colocamos longe e fora de nós, e aprender a escutá-lo no silêncio do coração. Deixar de pensar em Deus apenas com a cabeça, e aprender a percebê-lo no mais íntimo do nosso ser.

Essa experiência interior de Deus, real e concreta, transforma a nossa fé. É surpreendente, como se pôde viver sem descobrir isso antes. Agora se sabe por que é possível acreditar, inclusive, numa cultura secularizada. Agora se conhece uma alegria interior nova e diferente. Parece-me muito difícil manter por muito tempo a fé em Deus no meio da agitação e frivolidade da vida moderna, sem conhecer, ainda que seja de forma humilde e simples, alguma experiência interior do Mistério de Deus.


ABERTOS AO ESPÍRITO

Não falam muito. Não se fazem notar. Sua presença é modesta e calada, porém são “sal da terra”. Enquanto houver, no mundo, mulheres e homens atentos ao Espírito de Deus será possível seguir esperando. Eles são o melhor presente para uma Igreja ameaçada pela mediocridade espiritual.

Sua influência não provém daquilo que fazem nem do que falam ou escrevem, mas de uma realidade mais profunda. Encontram-se retirados nos mosteiros ou escondidos em meio à multidão. Não se destacam pela sua atividade e, no entanto, irradiam energia interior aonde se encontram.

Não vivem de aparências. Sua vida nasce do mais profundo de seu ser. Vivem em harmonia consigo mesmos, atentos a fazer coincidir sua existência com o chamado do Espírito que os habita. Sem que eles mesmo se deem conta, são o reflexo do Mistério de Deus sobre a terra.

Eles têm defeitos e limitações. Não estão imunizados contra o pecado. Porém não se deixam absorver pelos problemas e conflitos da vida. Voltam, repetidamente, ao profundo de seu ser. Esforçam-se por viver na presença de Deus. Ele é o centro e a fonte que unifica seus desejos, palavras e decisões.

Basta colocar-se em contato com eles para tomar consciência da dispersão e agitação que existe dentro de nós. Junto deles é fácil perceber a falta de unidade interior, o vazio e a superficialidade de nossas vidas. Eles nos fazem intuir dimensões que desconhecemos.

Esses homens e mulheres abertos ao Espírito são fonte de luz e de vida. Sua influência é oculta e misteriosa. Estabelecem com os demais uma relação que nasce de Deus. Vivem em comunhão com pessoas que jamais viram. Amam com ternura e compaixão pessoas que não conhecem. Deus lhes faz viver em união profunda com a criação inteira.

Em meio a uma sociedade materialista e superficial, que tanto desqualifica e maltrata os valores do Espírito, quero fazer memória desses homens e mulheres “espirituais”. Eles nos recordam o maior alento do coração humano e a Fonte última da qual se sacia toda sede.


Fonte: padretelmofigueiredo.blogspot.com.br

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