Acolher o Espírito de Deus quer
dizer deixar de falar só com um Deus a quem quase sempre colocamos longe e fora
de nós, e aprender a escutá-lo no silêncio do coração. Deixar de pensar em Deus
apenas com a cabeça, e aprender a percebê-lo no mais íntimo do nosso ser.
Por JOSÉ ANTONIO PAGOLA
Há alguns anos, o grande teólogo
alemão Karl Rahner atrevia-se a afirmar que o principal e mais urgente problema
da Igreja dos nossos tempos é a sua “mediocridade espiritual”. Estas eram as
suas palavras: o verdadeiro problema da Igreja é “continuar com resignação e
tédio cada vez maiores pelos caminhos habituais de uma mediocridade
espiritual”.
O problema não parou de se
agravar nessas últimas décadas. De pouco serviram as intenções de reforçar as
instituições, salvaguardar a liturgia ou vigiar a ortodoxia. No coração de
muitos cristãos está se apagando a experiência interior de Deus.
A sociedade moderna apostou pelo
“exterior”. Tudo nos convida a viver a partir de fora. Tudo nos pressiona para
nos movermos com rapidez, sem pararmos em nada nem em ninguém. A paz já não
encontra fendas para penetrar até o nosso coração. Vivemos quase sempre na
superfície da vida. Estamos esquecendo o que é saborear a vida a partir de
dentro. Para ser humana, à nossa vida falta uma dimensão essencial: a
interioridade.
É triste observar que tampouco
nas comunidades cristãs sabemos cuidar e promover a vida interior. Muitos não
sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé a partir de
dentro. Privados da experiência interior, sobrevivemos esquecendo a nossa alma:
escutando palavras com os ouvidos e pronunciando orações com os lábios,
enquanto o nosso coração está ausente.
Na Igreja fala-se muito de Deus,
mas onde e quando escutam os crentes a presença silenciosa de Deus no mais
fundo do coração? Onde e quando acolhemos o Espírito do Ressuscitado no nosso
interior? Quando vivemos em comunhão com o Mistério de Deus a partir de dentro?
Acolher o Espírito de Deus quer
dizer deixar de falar só com um Deus a quem quase sempre colocamos longe e fora
de nós, e aprender a escutá-lo no silêncio do coração. Deixar de pensar em Deus
apenas com a cabeça, e aprender a percebê-lo no mais íntimo do nosso ser.
Essa experiência interior de
Deus, real e concreta, transforma a nossa fé. É surpreendente, como se pôde
viver sem descobrir isso antes. Agora se sabe por que é possível acreditar,
inclusive, numa cultura secularizada. Agora se conhece uma alegria interior
nova e diferente. Parece-me muito difícil manter por muito tempo a fé em Deus
no meio da agitação e frivolidade da vida moderna, sem conhecer, ainda que seja
de forma humilde e simples, alguma experiência interior do Mistério de Deus.
ABERTOS AO ESPÍRITO
Não falam muito. Não se fazem
notar. Sua presença é modesta e calada, porém são “sal da terra”. Enquanto
houver, no mundo, mulheres e homens atentos ao Espírito de Deus será possível
seguir esperando. Eles são o melhor presente para uma Igreja ameaçada pela
mediocridade espiritual.
Sua influência não provém daquilo
que fazem nem do que falam ou escrevem, mas de uma realidade mais profunda.
Encontram-se retirados nos mosteiros ou escondidos em meio à multidão. Não se
destacam pela sua atividade e, no entanto, irradiam energia interior aonde se
encontram.
Não vivem de aparências. Sua vida
nasce do mais profundo de seu ser. Vivem em harmonia consigo mesmos, atentos a
fazer coincidir sua existência com o chamado do Espírito que os habita. Sem que
eles mesmo se deem conta, são o reflexo do Mistério de Deus sobre a terra.
Eles têm defeitos e limitações.
Não estão imunizados contra o pecado. Porém não se deixam absorver pelos
problemas e conflitos da vida. Voltam, repetidamente, ao profundo de seu ser.
Esforçam-se por viver na presença de Deus. Ele é o centro e a fonte que unifica
seus desejos, palavras e decisões.
Basta colocar-se em contato com
eles para tomar consciência da dispersão e agitação que existe dentro de nós.
Junto deles é fácil perceber a falta de unidade interior, o vazio e a
superficialidade de nossas vidas. Eles nos fazem intuir dimensões que
desconhecemos.
Esses homens e mulheres abertos
ao Espírito são fonte de luz e de vida. Sua influência é oculta e misteriosa.
Estabelecem com os demais uma relação que nasce de Deus. Vivem em comunhão com
pessoas que jamais viram. Amam com ternura e compaixão pessoas que não
conhecem. Deus lhes faz viver em união profunda com a criação inteira.
Em meio a uma sociedade
materialista e superficial, que tanto desqualifica e maltrata os valores do
Espírito, quero fazer memória desses homens e mulheres “espirituais”. Eles nos
recordam o maior alento do coração humano e a Fonte última da qual se sacia
toda sede.
Fonte: padretelmofigueiredo.blogspot.com.br
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