O que pode significar - em termos
de impacto nas relações de gênero - o aumento considerável do número de homens
em uma cidade? Em áreas com tão impactante crescimento do fluxo de
trabalhadores, são relatados, por exemplo, aumento da sensação de insegurança
para mulheres em vias públicas, existência de tensões e situações de violência
entre homens locais e migrantes e percepção de aumento de casos de exploração
sexual de crianças e adolescentes (ESCA).
Há 15 anos, o Brasil instituía o
dia 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de
Crianças e Adolescentes. A data foi definida devido a um crime brutal
acontecido em 1973: o sequestro, estupro e assassinato da menina Araceli
Sanches, de 8 anos de idade. Ainda hoje a violência sexual atinge, anualmente,
milhares de meninas e meninos brasileiros, apesar da crescente mobilização de
governos e sociedade civil no enfrentamento deste tipo de violência.
Mais recentemente, um novo ator
tem se aproximado desta causa: empresas de diferentes portes e ramos de
atuação. Quando se estabelece em um território, uma grande empresa ou uma
grande obra atuam de forma determinante sobre o contexto local. Além das
mudanças esperadas sobre o mercado de trabalho, outras questões são
significativas, embora pouco discutidas. O que pode significar - em termos de
impacto nas relações de gênero - o aumento considerável do número de homens em
uma cidade? Vinte mil, por exemplo, ainda que essa chegada aconteça ao longo de
quatro, cinco anos? Em áreas com tão impactante crescimento do fluxo de
trabalhadores, são relatados, por exemplo, aumento da sensação de insegurança
para mulheres em vias públicas, existência de tensões e situações de violência
entre homens locais e migrantes e percepção de aumento de casos de exploração
sexual de crianças e adolescentes (ESCA).
Pactos, cartas de intenção,
declarações e tantos outros documentos que apontam para a garantia dos direitos
humanos e, especialmente, dos direitos humanos de crianças e adolescentes, têm
ganhado força junto às diretrizes de Responsabilidade Social Empresarial.
Signatárias destes documentos, as empresas começam a discutir seu papel diante
do alto impacto, neste caso negativo, de sua atuação.
Entre outras iniciativas, é
também neste campo que o Promundo vem colaborando para o enfrentamento da ESCA.
Em primeiro lugar, consideramos que ainda são necessárias pesquisas com forte
aparato metodológico para demonstrar os reais impactos de um empreendimento ou
obra de uma grande empresa nestas cidades que recebem ou sofrem suas
influências. Em função da enorme fragilidade da notificação e denúncia deste
tipo de violência, em muitas destas cidades, há, como dissemos, apenas
percepções que atribuem o aumento da ESCA à presença de um maior número de
homens na localidade.
Os desafios são ainda maiores
porque antigos problemas permanecem: as normas de gênero que embasam práticas
de ESCA dificultam o reconhecimento desta violência pelos autores, pela própria
Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes, pelas comunidades. Pesquisa
realizada pelo Promundo em 2009 aponta que existe uma tendência de
naturalização de determinadas situações de exploração sexual de adolescentes
(tanto por parte de homens quanto de mulheres) ou mesmo de culpabilização das
vítimas - 41% dos homens do Rio de Janeiro e 46% das mulheres afirmaram que
consideram o ato como "prostituição adolescente" e não exploração
sexual. Além disso, 48% dos que afirmam já ter tido um relacionamento com meninas
entre 12 e 17 anos o fizeram como uma forma de se sentirem jovens. Prevalece
ainda a ideia de que "consumir" um corpo jovem torna o homem mais
jovem.
Além disso, problemas sociais de
alta complexidade exigem a articulação de diferentes atores para que possam ser
enfrentados. É importante que as ações de prevenção e enfrentamento sejam
realizadas em parceria com diversas organizações, sejam públicas, privadas, da
sociedade civil, comunitárias, bem como famílias e as próprias crianças e
adolescentes, o que amplia as possibilidades de serem mais efetivas e
abrangentes.
Embora as vulnerabilidades de
crianças e adolescentes à exploração sexual não estejam relacionadas apenas a
normas desiguais de gênero, acreditamos que levar a reflexão sobre o envolvimento
dos homens na prevenção e no combate a esta violência por meio do
questionamento destas normas seja fundamental nas iniciativas de empresas
ligadas ao setor de infraestrutura e no trabalho com a Rede de Proteção.
De forma proativa as empresas
devem mapear os impactos negativos de suas ações, sejam eles, ambientais,
sociais ou econômicos e planejar medidas para mitigar estes impactos. Agir se
antecipando ao problema reduz riscos decorrentes de violações de direitos,
facilita a articulação com as comunidades/partes interessadas e possibilita o
planejamento de ações preventivas. Torna-se fundamental construir orientações
para a gestão deste tema pela empresa e envolver trabalhadores das obras,
profissionais de Responsabilidade Social, comunidades e instituições da Rede de
Proteção para discutir e transformar a tolerância e a naturalização da ESCA e o
papel dos homens nestas práticas.
Temos percebido que a realização
de fóruns, oficinas e seminários envolvendo representantes de serviços públicos
de saúde, educação, assistência social, Conselhos Tutelares e de Direitos,
entre outros, têm contribuído para que as instituições sociais possam
questionar em sua própria estrutura e com os participantes de seus serviços
normas de gênero que sustentam desigualdades e violências, como a ESCA.
Estamos propondo a adoção de uma
abordagem e de uma linguagem que convide ao diálogo e à parceria seja em
campanhas, materiais educativos ou oficinas de sensibilização voltadas para os
trabalhadores. Pois, como afirmou um trabalhador durante uma oficina, "A
gente não precisa de moral e cívica, mas de reflexão do jeito de ser homem. Não
é para culpabilizar, mas para pensar juntos".
Fonte: http://www.brasilpost.com.br/
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