Mirian França, encarcerada e
considerada culpada de um crime que não cometeu (Divulgação)
“Sou filha de uma negra solteira, pobre,
costureira, que jogou uma negra doutora na cara da sociedade. Eu sou a prova
viva de que a redução da maioridade no Brasil é pretexto pra prender criança
negra. Sou a prova de que, pra polícia brasileira, culpa tem cor [...]” Leia a
íntegra do desabafo de Mirian França, encarcerada por suspeita de assassinar
uma turista italiana.
Hoje acordei com vontade de
gritar: SOU NEGRA!
Sou filha de uma negra solteira,
pobre, costureira aposentada, que jogou uma negra doutora na cara da sociedade.
Uma negra que estuda e trabalha pra caralho pra garantir o direito de ser livre
e viver como quiser.
Essa sou eu, MIRIAN FRANÇA, a
negra encarcerada no Ceará em Dezembro de 2014 por suspeita de assassinar uma
turista italiana.
Graças aos amigos e a população,
a policia foi obrigada a me libertar do meu cárcere. Cárcere, sim! Pois se
tratando de uma prisão sem fundamentos, está configurada uma prisão ilegal. Uma
prisão cometida por uma polícia despreparada e racista, que insiste em enxergar
o negro como culpado mesmo quando não existem provas, evidências, motivação ou
testemunha; que insiste em dizer que têm “CONVICÇÃO” de que somos culpados
mesmo quando não há nenhuma prova da nossa culpa.
Quando se trata dos negros, a
polícia se esquece do nosso direito básico de que somos inocentes até que ELES
provem o contrário. Não somos nós que precisamos provar nossa inocência.
Aos 31 anos descobri o que é ser
negra de verdade.
Ser negra é ser chamada de
estranha quando você sai de férias e passa o dia na beira da piscina lendo,
porque uma negra gostar de ler “é muito contraditório […] provavelmente está forjando
um álibi”.
Ser negra é ser questionada sobre
como teria dinheiro para tirar férias no Ceará (um estado do MEU país, onde
apenas turistas estrangeiros parecem ser bem vindos).
Ser negra é ter a obrigação de
andar com um macho a tira colo; não poder viajar sozinha; não ter o direito de
trepar com quem quiser sem ser chamada de puta (aliás, essa é a sina de todas
nós mulheres).
Ser negra é ter medo de parir uma
criança que já nasce como um alvo para o genocídio. Que precisa ser preparado
para a violência policial, pra chacota na escola, no teatro, na vida toda.
O RACISMO no Brasil É UM CRIME
PERFEITO. É o crime sem corpo, sem prova, sem testemunha. Mas é nítido quando a
polícia tem “convicção de que você é culpado”, apenas com base no seu
“comportamento suspeito” (Gostar de ler? Gostar de escutar música? Gostar da
introspecção? Gostar de viajar? Ser solteira?).
Não precisa chamar o negro de
macaco pra ser racista, basta abrir os olhos e ver quem é preso por engano.
Basta ver quem precisa provar a inocência (quando a lei é clara que se é
inocente até que se prove o contrario).
Quem é assassinado nos autos de
resistência nunca é um branco. Eu nunca soube de um branco preso em manifesto
por portar uma garrafa de desinfetante (Daniel Braga). E nem uma branca ser
arrastada por viatura policial (Claudia Ferreira).
SAIBA MAIS: Claudia Ferreira
(1976-2014): tratada como um bicho!
Eu sou a prova viva de que a
redução da maioridade penal no Brasil é pretexto pra prender criança negra.
Sou prova viva de que pena de morte
no Brasil é consentimento jurídico para o Estado assassinar mais negros.
Eu sou a prova de que, pra
polícia brasileira, a culpa tem cor.
Saiba mais informações sobre o
caso Mírian França nos links indicados:
(1)
http://racismoambiental.net.br/2015/02/26/quem-matou-gaia-entrevistas-com-mirian-franca-patricia-bezerra-e-gina-moura/
(2)
http://agenciapatriciagalvao.org.br/racismo_/dois-meses-da-morte-da-italiana-entrevista-com-mirian-franca/
(3)
http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/02/carioca-e-liberada-pela-justica-para-deixar-fortaleza.html
(4)
http://jornalggn.com.br/noticia/a-prisao-abusiva-de-mirian-franca-pela-morte-da-turista-italiana
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/
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