O anúncio está exposto em
vagões do metrô de Nova Iorque:É errado uma pessoa não se sentir
à vontade com seu corpo e querer mudá-lo? Não, de maneira alguma. Mas isso levanta uma série de
questões.
Por Leonardo Sakamoto
Primeiro: Qual a origem da
insatisfação? Ela é fruto de muita reflexão e de um processo consciente de
tomada de decisão ou decorrência da imposição de um padrão de beleza
bombardeado pela mídia e defendido pelo restante da sociedade?
O anúncio no vagão do metrô não
está fazendo uma discussão se a pessoa é feliz ou não com seu corpo. Ele manda
uma mensagem: “Puuuutz! Você tem peito pequeno! Que merda, hein? É pra ficar
triste mesmo… Mas por um valor bem acessível a gente te conserta''.
O ponto é: quem disse que você
está com “defeito'' para ser consertada? O problema não está em você mas em
determinados atores sociais que tentam fazer com que você corra atrás de um
padrão com o qual você não se identifica e, não raro, é inatingível. A menos
que entre na faca. E que, ao mesmo tempo, faz com que o restante da sociedade
desperte desejo por esse padrão, chamando de “étnico'', “exótico'' ou “plus
size'' quem foge dele.
“Bonito'' e “Feio'' não são
valores absolutos. Pelo contrário, variam de acordo com o lugar, a época e o
grupo no poder. Porque a estética e desejo são sim uma questão de poder. Ou
vocês nunca se perguntaram porque o modelo de beleza dominante é exatamente o
da “casta'' hegemônica?
Segundo: É aceitável um vagão de
metrô de uma das maiores cidades do mundo expor um anúncio dizendo que uma
mulher é triste por ter seios pequenos. Mas, certamente, provocaria uma grande
comoção se fosse um anúncio de “Aumente seu pênis'', dizendo que homens são
tristes por não alcançarem o tamanho considerado ideal – como aqueles que
circulam na internet.
Sendo que tamanho ideais, de
seios, de pênis ou bundas não existem, tal como tamanhos ideais de barriga, de
coxas, de nariz, de bochechas… Ideal para quem, mané?
Não é moralidade, a questão está
mais embaixo. Mulheres são tratadas como objetos em uma frequência bem superior
aos homens. Essa fetichização coletiva tem um nome: machismo.
Terceiro: Falamos facilmente em
transformação corporal via implantação de bolsas de silicone nos seios ou
redução da barriga através de cirurgia de lipoaspiração. E, por favor, não
estou julgando quem faz isso. Deveríamos ter liberdade de alterar nosso corpo
para nos sentirmos bem sem dar satisfação a ninguém e sem sofrer preconceito
por conta disso, desde que conscientes do que significa essa mudança.
Mas a mesma tranquilidade não é
garantida a quem tem certeza que nasceu em um corpo que não é o seu e, sofrendo
muito por isso, deseja fazer uma cirurgia de redesignação sexual. Muitos e
muitas não contam com o apoio da família e dos amigos, são alvos de piadinhas
infames no trabalho e, na pior das hipóteses, podem ser constrangidos a
desistir da cirurgia. Psicologicamente. Fisicamente. Até com a própria vida.
Mudanças são aceitas desde que
sejam no sentido de nos aproximarmos dos padrões estéticos e comportamentais
hegemônicos na sociedade. Mas repudiadas quando elas batem de frente com normas
e regras tacanhas sob as quais somos obrigados a viver e que não foram
acordadas democraticamente, mas jogadas de cima para baixo.
Ao ler este post, muitos dirão:
“Pô, mas é apenas um anúncio! Não vejo problema algum com isso''.
E, com isso, provo o meu ponto:
você pensa que é livre. Mas não é.
Fonte: Blog do Sakamoto
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