No passado, Gabriela foi
constantemente minada em sua autoestima por uma chefe, mas não denunciou; ela
acredita que hoje agiria de outra forma
Medo de se expor, de perder o
emprego e a dificuldade de recolher provas contundentes são as principais
causas do silêncio em relação às agressões de cunho sexual. No país, apenas 10%
das mulheres teriam coragem de denunciar.
Piadas aparentemente inofensivas,
comentários desagradáveis, pedidos que vão além da função para o cargo, acúmulo
de afazeres. Cantadas ou insinuações constantes, de cunho sensual ou sexual,
sem que a vítima as deseje, realizadas de forma explícita ou sutil. Todas essas
ações acontecem frequentemente em ambientes de trabalho com vítimas que são, na
maioria dos casos, mulheres.
No passado, acreditava-se que a
mulher tinha nascido para servir ao sexo oposto e a ele se submeter. As
diferenças de gênero no plano social, marcadas por costumes herdados de
civilizações antigas, continuam presentes na atualidade. Com a entrada da
mulher no mercado de trabalho, vários aspectos dessa discriminação ainda se
manifestam, e de forma cruel: não bastassem os menores salários recebidos pelas
mulheres, não é incomum o ato de sofrer qualquer tipo de assédio nesse
ambiente.
Recentemente, a Ipsos – terceira
maior empresa de pesquisa e de inteligência de mercado do mundo –, realizou um
levantamento global sobre os problemas enfrentados pelas mulheres no ambiente
do trabalho. Foram ouvidas cerca de 500 delas nos países integrantes do G-20
(as 19 economias mais desenvolvidas do mundo e a União Europeia), todas
inseridas no mercado de trabalho. Os dados divulgados mostraram que, no Brasil,
36% já sofreram assédio. Nesse universo, apenas 10% afirmaram que teriam
coragem de relatar o caso e denunciar os agressores.
Denúncia x provas. Apesar da
facilidade de realizar uma denúncia, 90% das mulheres não têm coragem de
relatar o caso, de acordo com a Ipsos. Isso acontece devido à dificuldade de
recolher provas relacionadas aos abusos – em sua maioria comentários e
propostas feitos informalmente, como conversas “de corredor” –, ao medo de se expor
e, claro, de perder o emprego.
É o caso da bancária Mariana de
Albuquerque. Ela conta que trabalhava em uma agência pequena e que era a única
funcionária mulher. O gerente de negócios da unidade, cotidianamente, dirigia a
ela palavras grosseiras relacionadas a sexo.
“Esse comportamento foi minando
minha autoestima. Fui me deprimindo e acabei sendo afastada do trabalho por 120
dias. O gerente espalhou na agência que eu queria ter relações sexuais com ele,
mas, como ele não me quis, eu acabei ficando deprimida”, relata. Na ocasião,
ela não procurou a Polícia Civil para denunciar o caso – entretanto, o
sindicato da categoria foi acionado, e o gerente foi transferido para outra
agência.
O artigo 216 do Código Penal
define que assédio é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior
hierárquico”. Mas o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Anderson Marques, explica que, para
denunciar, é preciso ter provas que certifiquem a veracidade do depoimento da
vítima. “É preciso que a mulher conte com testemunhas, por exemplo. É
importante recolher e-mails, mensagens de celular, gravação telefônica ou
qualquer outro registro”.
Ele explica que, para denunciar,
é preciso procurar a Polícia Civil . Em seguida, o delegado envia o caso ao
Ministério Público, que segue com o processo. “A vítima tem até seis meses para
fazer a denúncia. É a melhor maneira para acabar com esse tipo de conduta. As
mulheres tendem a ficar caladas por medo, mas isso precisa mudar”, defende.
Dano moral: outro problema recorrente em ambientes corporativos
De acordo com a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), o assédio moral acontece quando há a exposição
dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e
prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício das suas funções.
O presidente da Comissão de
Assuntos Penitenciários da OAB-MG, Anderson Marques, explica que tanto homens
quanto mulheres estão suscetíveis a sofrer assédio moral, mas que esse tipo de
perseguição acontece mais com as mulheres. “A sociedade a vê como subordinada.
É mais comum que elas sofram com esse tipo de assédio”, revela.
Foi o que aconteceu com a
estudante Gabriela Silva (nome fictício). Aos 16 anos, ela estava contratada
como “pequena aprendiz” em uma empresa terceirizada que prestava serviços a um
órgão público do Estado. Na época, era obrigada a realizar atividades que iam
além das suas funções e que eram recorrentes, como fazer café, pagar contas
pessoais da chefia, levar óculos e outros objetos para fora da empresa e
comprar lanches, entre outras coisas. Como essas atividades acabavam tomando o
tempo da estudante, ela começou a receber críticas por não realizar o seu
trabalho da melhor maneira possível.
Depois de uma série de abusos,
Gabriela foi responsabilizada pelo sumiço de um documento importante. Ao tentar
se defender das acusações, foi dito à garota que ela estava com “problemas
psicológicos comuns aos adolescentes”.
“O que me indignava era o fato de
que nunca havia feito nada para receber tal tratamento, tanto que em meu setor
todos ficavam chocados com essas atitudes”, lamenta. Gabriela diz que desistiu
de denunciar os abusos por se sentir impotente diante da situação. “Cheguei a
falar dos abusos com a pessoa que era hierarquicamente superior à minha chefe,
mas nada foi feito”.
Fonte: O Tempo
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