Em comunidade pobre, garotas
ganham mais que a renda mensal familiar (Agência Brasil/ Marcello Casal Jr.)
Meninas de apenas cinco anos têm
sido vítimas de abuso infantil online; pedófilos geralmente estão a quilômetros
de distância e parece que nada pode ser feito para impedi-los.
Aos 11 anos Jessica foi forçada a
ficar em pé em frente a uma câmera enquanto um homem assistia uma transmissão
ao vivo dela na tela de seu computador. "Certa vez ele me pediu para ficar
nua por 500 pesos filipinos (US$ 11 dólares)", disse Jessica, que agora
tem 18 anos.
A história de Jessica não é
única. Todos os dias nas Filipinas, meninas de até cinco anos são levadas a
realizar atos para o prazer de usuários da internet via webcams. Elas nunca
veem o rosto de seus abusadores virtuais, nem sabem de onde são, e muitas das
vítimas mais novas não compreendem plenamente o que estão sendo forçadas a
fazer.
Protegido pelo anonimato da
internet, qualquer um com o conhecimento e a inclinação pode comprar
gratificações sexuais ao pagar pelos serviços com cartões de crédito pré-pagos
e não rastreáveis. Às vezes, as meninas e mulheres recebem pedidos para se
despirem, em outros casos são forçadas a realizar atos mais obscenos.
De acordo com a mídia local de
Cebu, uma ilha e província das Filipinas, pelo menos 30 crianças foram abusadas
dessa forma durante mais de sete anos dentro da velha casa de madeira
compensada de Eileen Ontong, apelidada pela imprensa de “rainha da
ciberpornografia”. Até ser presa no ano passado, Ontong supervisionava o abuso
de crianças via webcam em troca de pagamentos feitos por transferências
bancárias internacionais.
A polícia estima que Ontong, que
se declarou inocente das acusações de abuso infantil, pornografia infantil e
tráfico humano, ganhou “cerca de US$ 200 mil ao longo dos anos. Imagens de
crianças nuas eram vendidas a US$ 50, a nudez em frente a webcam a US$ 100 e um
show de sexo ao vivo entre crianças custava por volta de 500”, reportou a
agência Bloomberg.
Os lucros de Ontong também
atraíram a atenção de seus vizinhos na vila de Ibabao, que rapidamente copiaram
o seu negócio. “Tornou-se uma indústria caseira na região, pois [os outros]
viam Ontong ganhando dinheiro”, disse Abdul Jamal Dimaporo, um agente da
Agência de Investigação Nacional das Filipinas, para a Bloomblerg. “É mais
fácil ganhar dinheiro fazendo isso do que trabalhando. Eles não pensam que estão
fazendo algo errado.”
Desde 2010, a economia de Cebu
tem crescido mais rápido do que a média nacional, em grande parte devido ao
crescimento nos setores de novas tecnologias da comunicação e do turismo. Mas,
às sombras dos reluzentes edifícios de escritórios da ilha, um comércio global
de sexo prospera. Há tempos, a província tem sido fonte, destinação e lugar de
passagem para o tráfico infantil do país e, ao lado dos inúmeros “bikini bars”
(um tipo de bar de striptease), há um grande número de crianças morando nas
ruas, algumas das quais são forçadas a se tornarem prostitutas para os
estrangeiros e locais.
Nas ruelas, lotadas de casas de
penhor, padarias e açougues, cibercafés estão se proliferando ao lado de
estabelecimentos que oferecem serviços de transferência de dinheiro como
Western Union. É em áreas como esta que o negócio da exploração sexual de
crianças online acontece.]
Há três anos, Nicole de 16 anos
foi vítima de abuso sexual online. Sua mãe contou à Southeast Asia Globe que,
no início, ela não entendeu como sua filha voltou para casa um dia e deu-lhe
mil pesos filipinos (US$ 22). A mãe de Nicole produz e vende cordas de abacá
por US$ 17 por mês, enquanto seu marido ganha US$ 4 por dia como pescador. Com
apenas US$ 55 por mês para sustentar a família de quatro, Nicole envolvia-se em
sessões três vezes por semana com conversa suja ou dança nua, dobrando, assim,
o rendimento mensal de seus pais.
Nicole trabalhou no ramo do sexo
online até sua família decidir visitar a Fellowship for Organising Endeavours
(Forge, na sigla em inglês, ou Comunidade de Organização de Empreendimentos),
uma organização local que oferece alternativas para as famílias urbanas de
baixa renda em Cebu. Mais de 25% da população da região vive abaixo da linha de
pobreza de acordo com o Conselho Nacional de Coordenação Estatística.
No entanto, não são apenas os
filhos das famílias pobres que são arrastados para dentro do mundo da
ciberpornografia. Crianças oriundas de situações financeiras relativamente boas
também podem estar sob pressão para ganhar o que é visto como um dinheiro
fácil, especialmente quando as crianças têm idade escolar e seus pais precisam
pagar itens essenciais como uniforme, livros didáticos e transporte.
Um estudo recente conduzido pela
Forge descobriu que 300 crianças que foram abusadas sexualmente online “viam o
trabalho na área do sexo cibernético como uma 'promoção' da prostituição
tradicional por causa do anonimato, e a percepção deles é que há um risco menor
de violência física”. Além disso, “alguns pais que estão envolvidos no sexo
cibernético online afirmam que não faz mal nenhum aos seus filhos, pois não há
contato físico com os agressores sexuais, que geralmente são estrangeiros”.
Definido pela ONU como “turismo
sexual infantil via webcam”, a prática é reconhecida, agora, como um crime na
maioria dos países. No ano passado, a Suprema Corte das Filipinas aprovou a
constitucionalidade da Lei de Prevenção do Crime Cibernético de 2012 e foram
criadas divisões dentro da polícia com a tarefa de combater esse tipo de abuso.
No entanto, o turismo sexual
infantil via webcam é considerado na maioria das vezes um crime realizado pelo
fornecedor – o produtor, distribuidor ou possuidor do material. “Já os
consumidores são considerados fora de alcance, pois não cometem esses crimes. É
por esse motivo que a Terre des Hommes está militando pela inclusão da
"facilitação" nos atos ilegais [também como um crime]", explicou
Arnie Fernandez Arquiza, agente de comunicação e defesa na Terre des Hommes dos
Países Baixos, uma ONG dos direitos da criança.
De acordo com a ONU e com o FBI,
cerca de 750 mil pedófilos estão online a qualquer momento. A Terre des Hommes
estima que pelo menos 10 mil crianças foram vítimas de agressores sexuais
online apenas nas Filipinas.
Em 2013, pesquisadores da
organização desenvolveram uma menina filipina virtual de 10 anos de idade
chamada Sweetie. Então, rastrearam mais de mil abusadores de 63 países
diferentes usando Sweetie como isca. Três pessoas foram condenadas devido a
essa armação e mais três acusadas por conversarem online sobre sexo com a
criação virtual.
A dificuldade em processar
supostos criminosos é que eles precisam ser pegos em posse das imagens e dos
vídeos do abuso infantil. Entretanto, a maioria dos agressores tendem a
consumir o abuso via transmissão ao vivo, muitas vezes usando sites de
bate-papo legítimos e reconhecidos, por isso raramente possuem material
incriminador em sua posse. O Centro Europeu de Crimes Cibernéticos confirma que
o uso de sites não-comerciais, como Skype, é o método de comunicação preferido.
Apesar disso, parece que os
consumidores e os fornecedores estão migrando dos sistemas tradicionais de
pagamento e de sites legítimos para novas e amplamente não-reguladas redes e
formas de economia digital. No ano passado, os investigadores encontraram o
abuso infantil sendo vendido exclusivamente via bitcoin pela primeira vez. Com
os criminosos constantemente um passo à frente da investigação policial usando
a última tecnologia em criptografia e a darknet, uma grande parte da internet
que é anônima e indetectável por ferramentas de busca, as redes de abuso
infantil estão se tornando ainda mais difíceis de monitorar e erradicar.
O Relatório sobre Tráfico de
Pessoas de 2015, publicado recentemente pelo Departamento de Estado dos Estados
Unidos, afirma que “os esforços do governo [filipino] em reduzir a demanda
pelos atos sexuais comerciais foram desprezíveis”, apontando para a “corrupção
generalizada” como um dos fatores que impedem os esforços em combater o
fenômeno. O relatório exortou o governo filipino a “aumentar os esforços para
responsabilizar administrativamente e criminalmente as autoridades do governo
pelo tráfico e pelos crimes relacionados a ele através de ações penais,
condenações e sentenças rigorosas”.
“Há modos de desencorajar,
advertir e afastar [os criminosos] antes de cometerem os crimes”, disse Stefan
Bogaerts, um psicólogo forense da universidade holandesa Tilburg, que trabalha
junto com a Terre des Hommes. “Eles consideram-se imunes, intocáveis e
anônimos, então a polícia deve conseguir um mandato para patrulhar as áreas
públicas da internet assim como precisam para espaços públicos como as ruas. A
internet deve permanecer livre, mas não sem lei.”
Texto publicado originalmente pelo
site Southeast Asia Globe Magazine
Tradução: Jessica Grant
Fonte: Opera Mundi
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