Pedro* acredita que a sua mulher
tem notado diferença após projeto
Eles já tinham ouvido falar da
Lei 11.340/2006, que “só existe para defender as mulheres”. Mas a história de
Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica quando levou um tiro do
marido nas costas enquanto dormia, em 1983, alguns homens conheceram
recentemente, em um projeto de reflexão que foram obrigados a participar por
terem agredido suas mulheres. “Machuquei quem eu mais amo. Ela não sabe, mas eu
a amo muito”, disse o carpinteiro Sandro*, 39, que bateu na ex-mulher com uma
barra de ferro durante a última discussão que tiveram, há dois meses, após ela
sair de casa.
“Que amor é esse?” é justamente a
pergunta que baseia a série que O TEMPO publica nesta semana e que hoje, no
quarto dia, traz o ponto de vista do agressor. Por acreditarem que o trabalho
reflexivo com o homem é uma das questões mais importantes no enfrentamento da
violência doméstica, alguns juízes têm determinado, além das medidas protetivas
de afastamento, a presença do agressor em encontros semanais do projeto
Dialogar, desenvolvido por psicólogos da Polícia Civil desde 2013. Em oficinas
em grupo, eles debatem sobre a Lei Maria da Penha, machismo, violência,
convivência e responsabilização.
Os homens são encaminhados para
esse “tratamento”, segundo o juiz Relbert Verly, da 13ª Vara Criminal de Belo
Horizonte, quando os fatos narrados demonstram essa necessidade, seja em casos
de agressão física ou de ameaça. “A prática nos tem mostrado que o agressor,
via de regra, tem nele arraigada a questão do costume machista, da supremacia
masculina e do coronelismo. Ele precisa participar de grupos reflexivos que lhe
ensinem que não é assim e que existe outra forma de viver e de se tratar uma
mulher”, defendeu o magistrado.
Sandro confessa que não foi um
bom marido, não dava valor à mulher, era “nervoso e turrão”, até que ela saiu
de casa. A declaração o faz suar muito durante a entrevista – “é que nunca
falei desse jeito (sobre si mesmo)”, explica. No dia em que o carpinteiro foi à
casa da sogra tentar uma reconciliação, a proposta terminou em briga feia. “A
irmã e a mãe dela entraram no meio, e eu acabei acertando ela, logo ela”.
Assim como não imaginou que a
companheira sairia de casa após 16 anos de relacionamento, Sandro não acreditou
que ela iria à delegacia. “Quando liguei depois, ela disse que eu a machuquei
muito, e nem vi na hora. Agora estou aqui”. A ex-mulher de Sandro está em um
abrigo de proteção às vítimas de violência. Os filhos, adolescentes, continuam
morando com o pai. “Vai ser difícil, mas quero reconquistá-la. Hoje eu vejo que
a mulher precisa ser respeitada. Ela comprou ingresso para a gente ir ao show
do Raça Negra, e eu quis ficar bebendo com os amigos”, disse.
Traição. Por trás de muitas brigas, está o medo que eles têm de
serem traídos. “Cabeça de homem tem um capetinha e um anjinho. Cismei que minha
mulher estava me traindo, aí soltei os cachorros nela”, admitiu Pedro*, 24, que
também participa do Dialogar e está no sexto encontro. Ele foi preso em
flagrante porque empurrou a própria irmã, que defendia a sua mulher durante uma
briga do casal.
Por ciúme – ou sentimento de posse, assume ele –, Pedro tentava
proibir a mulher de trabalhar. “Eu preferia passar dificuldade (financeira),
mas queria ela em casa. Ainda bem que não consegui isso, porque ela gosta de
trabalhar e com o dinheiro dela, a gente consegue mais coisas juntos. Antes, eu
era arrogante. Agora, tenho conversado, ajudado em casa”, completou. A mulher,
segundo ele, não quis conversar com a reportagem.
O outro lado
Vítimas. As mulheres dos homens atendidos também são convidadas a
um encontro com o Dialogar, mas muitas não vão. Delegadas da divisão
especializada acreditam que o comparecimento delas poderia ser obrigatório para
que também haja reflexão sobre a posição (e postura) que ocupam, pois as
policiais observam que muitas acabam buscando o mesmo perfil de homem violento.
Saída. Para muitas mulheres, a condição de vítima é “boa”, por isso
elas não conseguem sair do ciclo de violência. Não é raro, segundo os
policiais, aquelas que são vítimas de mais de um homem, porque se posicionam
nesse lugar. “A mulher tem que dizer: ‘Eu não quero mais participar disso. Não
quero mais ser agredida’”, disse uma das delegadas.
Saiba mais
Descumprimento. Cerca de 70% dos
homens que são encaminhados para o Dialogar não comparecem, conforme a
coordenação do projeto, que, por sua vez, comunica à Justiça. Quando as medidas
determinadas não são cumpridas, o juiz pode estabelecer o uso da tornozeleira
ou expedir mandado de prisão.
História. O ex-marido de Maria da Penha foi preso 19 anos após o
crime e condenado a oito anos de prisão. Ficou na cadeia por dois anos.
244
Agressores são monitorados por
tornozeleiras eletrônicas em MG em cumprimento das medidas protetivas. O
equipamento é usado há dois anos e meio.
Mês passado
Uma jovem de 21 anos foi
esfaqueada em Sabará, na região metropolitana da capital, no dia 6 de setembro.
A vítima caminhava pela rua de dia quando o ex-namorado a golpeou no peito e na
barriga. O suspeito, de 22 anos, não aceitava o fim do relacionamento nem ficar
longe do filho recém-nascido.
Fonte: O Tempo
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