sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Agressores têm ciúme doentio e cisma recorrente de traição

Pedro* acredita que a sua mulher tem notado diferença após projeto 

Eles já tinham ouvido falar da Lei 11.340/2006, que “só existe para defender as mulheres”. Mas a história de Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica quando levou um tiro do marido nas costas enquanto dormia, em 1983, alguns homens conheceram recentemente, em um projeto de reflexão que foram obrigados a participar por terem agredido suas mulheres. “Machuquei quem eu mais amo. Ela não sabe, mas eu a amo muito”, disse o carpinteiro Sandro*, 39, que bateu na ex-mulher com uma barra de ferro durante a última discussão que tiveram, há dois meses, após ela sair de casa.


“Que amor é esse?” é justamente a pergunta que baseia a série que O TEMPO publica nesta semana e que hoje, no quarto dia, traz o ponto de vista do agressor. Por acreditarem que o trabalho reflexivo com o homem é uma das questões mais importantes no enfrentamento da violência doméstica, alguns juízes têm determinado, além das medidas protetivas de afastamento, a presença do agressor em encontros semanais do projeto Dialogar, desenvolvido por psicólogos da Polícia Civil desde 2013. Em oficinas em grupo, eles debatem sobre a Lei Maria da Penha, machismo, violência, convivência e responsabilização.

Os homens são encaminhados para esse “tratamento”, segundo o juiz Relbert Verly, da 13ª Vara Criminal de Belo Horizonte, quando os fatos narrados demonstram essa necessidade, seja em casos de agressão física ou de ameaça. “A prática nos tem mostrado que o agressor, via de regra, tem nele arraigada a questão do costume machista, da supremacia masculina e do coronelismo. Ele precisa participar de grupos reflexivos que lhe ensinem que não é assim e que existe outra forma de viver e de se tratar uma mulher”, defendeu o magistrado.

Sandro confessa que não foi um bom marido, não dava valor à mulher, era “nervoso e turrão”, até que ela saiu de casa. A declaração o faz suar muito durante a entrevista – “é que nunca falei desse jeito (sobre si mesmo)”, explica. No dia em que o carpinteiro foi à casa da sogra tentar uma reconciliação, a proposta terminou em briga feia. “A irmã e a mãe dela entraram no meio, e eu acabei acertando ela, logo ela”.

Assim como não imaginou que a companheira sairia de casa após 16 anos de relacionamento, Sandro não acreditou que ela iria à delegacia. “Quando liguei depois, ela disse que eu a machuquei muito, e nem vi na hora. Agora estou aqui”. A ex-mulher de Sandro está em um abrigo de proteção às vítimas de violência. Os filhos, adolescentes, continuam morando com o pai. “Vai ser difícil, mas quero reconquistá-la. Hoje eu vejo que a mulher precisa ser respeitada. Ela comprou ingresso para a gente ir ao show do Raça Negra, e eu quis ficar bebendo com os amigos”, disse.

Traição. Por trás de muitas brigas, está o medo que eles têm de serem traídos. “Cabeça de homem tem um capetinha e um anjinho. Cismei que minha mulher estava me traindo, aí soltei os cachorros nela”, admitiu Pedro*, 24, que também participa do Dialogar e está no sexto encontro. Ele foi preso em flagrante porque empurrou a própria irmã, que defendia a sua mulher durante uma briga do casal.

Por ciúme – ou sentimento de posse, assume ele –, Pedro tentava proibir a mulher de trabalhar. “Eu preferia passar dificuldade (financeira), mas queria ela em casa. Ainda bem que não consegui isso, porque ela gosta de trabalhar e com o dinheiro dela, a gente consegue mais coisas juntos. Antes, eu era arrogante. Agora, tenho conversado, ajudado em casa”, completou. A mulher, segundo ele, não quis conversar com a reportagem.

O outro lado

Vítimas. As mulheres dos homens atendidos também são convidadas a um encontro com o Dialogar, mas muitas não vão. Delegadas da divisão especializada acreditam que o comparecimento delas poderia ser obrigatório para que também haja reflexão sobre a posição (e postura) que ocupam, pois as policiais observam que muitas acabam buscando o mesmo perfil de homem violento.

Saída. Para muitas mulheres, a condição de vítima é “boa”, por isso elas não conseguem sair do ciclo de violência. Não é raro, segundo os policiais, aquelas que são vítimas de mais de um homem, porque se posicionam nesse lugar. “A mulher tem que dizer: ‘Eu não quero mais participar disso. Não quero mais ser agredida’”, disse uma das delegadas.

Saiba mais
Descumprimento. Cerca de 70% dos homens que são encaminhados para o Dialogar não comparecem, conforme a coordenação do projeto, que, por sua vez, comunica à Justiça. Quando as medidas determinadas não são cumpridas, o juiz pode estabelecer o uso da tornozeleira ou expedir mandado de prisão.

História. O ex-marido de Maria da Penha foi preso 19 anos após o crime e condenado a oito anos de prisão. Ficou na cadeia por dois anos.

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Agressores são monitorados por tornozeleiras eletrônicas em MG em cumprimento das medidas protetivas. O equipamento é usado há dois anos e meio.

Mês passado
Uma jovem de 21 anos foi esfaqueada em Sabará, na região metropolitana da capital, no dia 6 de setembro. A vítima caminhava pela rua de dia quando o ex-namorado a golpeou no peito e na barriga. O suspeito, de 22 anos, não aceitava o fim do relacionamento nem ficar longe do filho recém-nascido.

Fonte: O Tempo

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