O seminário A Prostituição: uma abordagem desde os Direitos Humanoscontou com a presença de Rudá Ricci, sociólogo e cientista político, e João Batista Moreira Pinto, Doutor em Direito Público, coordenador de pesquisa e professor na Escola Superior Dom Helder Câmara para ministrar o painel “Os desafios dos movimentos sociais na luta por direitos humanos na atual conjuntura”, realizado no dia 23 de setembro de 2015.
“Tudo que é humano nos faz cristão, nos faz feliz, e nos impressiona sempre. A aventura humana é algo mais fantástico do que qualquer um de nós pode vivenciar. E nós não podemos ser contra o ser humano. Só seremos quando um ser humano colocar em risco a vida humana. Fora isso, cristão acolhe a todos.” (Rudá Ricci em Diálogos pela Liberdade)
Rudá fala sobre a perspectiva cristã perante o tema direitos humanos. Ele menciona o período crítico e complicado vivido pelo país e comenta sobre a extinção do Comitê de Gênero feita pelo Ministério da Educação, que está prestes a revogar as portarias de acesso e permanência de travestis e transsexuais nas escolas, em um retrocesso de quase 50 anos no Brasil, ressalta ele.
Movimentos Sociais
Em breve introdução ao painel, Rudá conceitua movimento social: “uma articulação social que pode ser pluriclassista, de frações de classes, de agrupamentos que têm como principal objeto a defesa de direitos já existentes e que não são observados, ou que objetiva a conquista de novos direitos pelo conflito. Isso é o que caracteriza o movimento social. “
Ele ainda explica que o movimento social se dá pelo conflito porque se dá em função da diferença, construindo sua identidade em função daqueles que negam sua identidade. Então, por exemplo, a luta pela terra se dá pelo conflito, em função daqueles que têm mais terra do que necessário pra viver e a usam para especulação. Ele ressalta que esse conceito de luta pela terra é liberal e está em John Locke; e isso não é esquerda.
“O Brasil tem uma cultura de extrema-direita. Nem liberal o Brasil é. É ultraconservador, racista e facista. O facismo da nossa cultura é quando ficam irritados quando alguém chega a ter algo; é a afirmação em função da pobreza, da ausência de dignidade na vida do outro. E quando isso ocorre podem surgir movimentos sociais, que têm como princípio o conflito com esse tipo de cultura que o rejeita. O que é diferente de confronto.”
Rudá também faz uma crítica ao currículo universitário que deveria ter como obrigatoriedade trabalhos de extensão social para formarmos profissionais com uma cultura humanista. Aos profissionais estudantes de Direito presentes no seminário, ele deixa uma mensagem: “o dia que vocês estiverem à vontade em uma audiência, estarão errados. Vocês precisam estar hiperatentos, olhando para o juiz, sabendo o que está acontecendo.”
“Estamos fazendo o Brasil ficar um país tão egoísta, que a gente acha que tem direitos o tempo inteiro. O que na verdade não são direitos; nós queremos é privilégios, pois, direito mesmo, é universal.”
Segundo Rudá, um país marcado por uma profunda desigualdade social é marcado por conflitos diariamente, como a luta pela habitação em Belo Horizonte. Já o confronto é o uso da violência para destruir o outro. O conflito não. Os conflitos são tensões que geram negociação para você mudar o estágio em que está. O conflito não necessariamente gera um impasse, pois a negociação muda tanto um quanto o outro, ressalta ele.
Mobilização social não é movimento social. A mobilização social pode ser utópica. Em 2013, tivemos milhões de jovens, segundo levantamento das academias e Data Folha, mobilizados em mais de 500 cidades do país por três semanas. Até o momento, não tivemos nenhuma outra mobilização social dessa magnitude desde 2013. Mas as mobilizações de 2013 não geraram movimento social. Ou seja, o movimento social pode gerar mobilização social, mas nem toda mobilização gera um movimento social.
Movimento sociais não têm hierarquia. No mundo inteiro esses movimentos tem uma cultura horizontalizada com decisão pela democracia direta, seja por plenária ou assembleia, pois, por desconfiarem do poder que os nega, também desconfiam da representação. Então há uma cultura internacional e histórica contra hierarquias e quase sempre mergulhados em uma cultura anti-institucional. Por exemplo: os movimentos dos anos 80, muito parecidos com os movimentos de 2013, não aceitavam que deputados saíssem em manifestação. Havia uma desconfiança imensa do campo institucional, pois aquele era o que negava direitos. O MST, por exemplo, cresceu com conflito, para negociar.
Os movimentos sociais são mais perenes, criam identidade, lógica e uma espécie de projeto estratégico, um diagnóstico. Assim como não se pode confundir movimento social com mobilização, também não se pode confundir com organização social. Organização é uma estrutura mais sólida e quase sempre do âmbito privado. Por exemplo: o MST, hoje, não é um movimento social, é uma organização social. Ao contrário dos movimentos sociais, ele tem hierarquia, tem porta-voz, tem dinheiro, tem equipamento, carros, escola de formação direcionada a eles. Eles não são universais como qualquer movimento social. E, algo importante: disputam o poder e financiamento no mercado junto com outras organizações. Isso muda a lógica, pois as organizações tem uma lógica de poder e de autoafirmação na disputa política.
Os movimentos sociais adotam a lógica de impacto social, de grandes ações espetaculares para serem ouvidos e conquistar um direito. Com o direito conquistado é provável que o movimento se desorganize.
Desafio 1 : com o deslocamento/migração dos movimentos sociais dos anos 80 para organizações sociais, aliada à disputa de poder, e não mais por direitos, é preciso que esses movimentos se declarem organizações.
Desafio 2: o governismo. Nos últimos 10 anos, nós construímos uma pauta rooseveltiana no Brasil; a pauta que superou o debate de 29 e que criou um pacto desenvolvimentista nos Estados Unidos e que depois da segunda guerra mundial explode e vai para Europa e Japão. Alguns autores franceses chamam isso de Fordismo, mas é a pauta de Franklin Roosevelt, New Deal, em que o Estado central é muito forte, que concentra o orçamento e nacionaliza programas, como aconteceu no Brasil. (…) O governismo faz com que as pessoas apoiem o governo para ter entrada no dinheiro. Rudá cita conselhos que tiveram membros presos por negociatas, dentre outros exemplos de corrupção. (…) O governismo está destruindo os movimentos sociais e organizações dos anos 80. Estamos vivendo uma transição geracional importantíssima.
Em um país desigual, se você não tem canais como as pastorais sociais, que ainda resistem, ou como ONGs e sindicatos, a desigualdade vai continuar corroendo a autoestima todos os dias. Mesmo que eu compre no supermercado, eu não compro o queijo importado que o amiguinho da escola compra, pois a desigualdade social brasileira é uma das maiores do mundo. E o filho do trabalhador pobre se pergunta: o que meu pai fez de errado? O que eu faço de errado para não ter aquele conforto? E isso faz a pessoa fica angustiada.
Quando você tem uma pastoral que encontra com você no seu bairro, um sindicato que está na base do trabalho, uma ONG que está sempre organizando debates e a cidade está organizada em seminários e debates, pelo menos há um lugar para me expressar. E se essas entidades que fazem essa mediação com a vida social desigual forem honestas, elas conseguem transformar o sofrimento em agenda. E um governo democrático consegue absorver isso. Mas, quando essas entidades que estavam na base sobem para dentro do Estado, não tem mais por onde me expressar.
Desafio 3: o governismo gerou uma cultura facista e fundamentalista, ou seja, como a ascensão social no Brasil se deu através de uma inclusão por consumo, e não pelo direito ou pela política, a maioria dos pobres que hoje vai ao supermercado está vendo a inclusão se dissolver.
Indicação de Rudá como leitura obrigatória aos alunos de direito: Vozes do Bolsa Família – Autonomia, dinheiro e cidadania, de Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani.
O professor João Batista Pinto traz a questão dos interesses transformados em direitos. Ele esclarece: “Existem determinadas classes sociais e determinados grupos que defendem seus interesses, e esses interesses foram considerados direitos naquele momento: direito à propriedade, direito à vida, o direito do indivíduo.”
Ele explica que, em decorrência desse direito do indivíduo, e dessa perspectiva de afirmar direitos individuais e, sobretudo, à propriedade privada, tivemos como consequência a concentração de propriedades (Inglaterra – Revolução Industrial).
Rudá Ricci e professor João Batista Pinto
Quando Locke defendeu o direito à propriedade, há um século antes a sociedade burguesa já havia adquirido a propriedade que o rei havia confiscado da igreja no século XVI e vendido essas terras para os burgueses, comenta o professor João, que segue abordando as contradições daquela conjuntura.
Segundo João Batista, existe uma diferença de compreensão dos direitos humanos, o que significa que esses direitos são essencialmente políticos.
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