O discurso de um Papa foi
responsável pela má fama que Maria Madalena carregou durante séculos, mas
descobertas recentes apontam que ela teria sido, na verdade, a discípula
preferida de Jesus. Esse engano data do século VI, quando o Papa Gregório Magno
fez um discurso identificando a ‘mulher pecadora’ que se arrepende e cai aos
pés de Cristo (e que, nos evangelhos, é na verdade uma personagem anônima) como
sendo Maria Madalena”. Saiba mais agora
Frei Jacir de Freitas Faria
Quem era, de fato, Maria
Madalena? A ligação errônea das passagens evangélicas que falam dela levou a
identificá-la com a pecadora (prostituta?) que ungiu os pés de Jesus (Lc
7,36-50). E esse erro, infelizmente, virou verdade de fé. O inconsciente
coletivo guardou na memória a figura de Maria Madalena como mito de pecadora
redimida. Fato considerado normal nas sociedades patriarcais antigas. A mulher
era identificada com o sexo e ocasião de pecado por excelência.
Daí não ser nenhuma novidade a
pecadora de Lucas ser prostituta e a prostituta ser Maria Madalena. Lc 8,2 cita
nominalmente Maria Madalena e diz que dela “haviam saído sete demônios”. Ter
demônios, segundo o pensamento judaico, é o mesmo que ser acometido de uma
doença grave. No cristianismo, o demônio foi associado ao pecado. No caso da
mulher, o pecado era sempre o sexual.
Nesse sentido, a confusão parece
lógica. Mas não o é, se levarmos em consideração o valor da liderança exercida
por Maria Madalena entre os primeiros cristãos, bem como a predileção de Jesus
por ela. Entre os discípulos judeus, considerar Maria Madalena como prostituta
significava também subestimar o valor da mulher enquanto liderança. Os padres
da Igreja seguiram essa linha de pensamento.
Num fragmento apócrifo,
encontramos os nomes das nove mulheres que vão ao sepulcro, na manhã de
domingo. Salomé é chamada de a sedutora. Uma mulher é chamada de a pecadora, da
qual Jesus tinha dito: “Teus pecados te são perdoados”. De Maria Madalena não
se diz nada, o que nos mostra que Maria Madalena não é vista como prostituta
pelas primeiras comunidades.
Maria Madalena, tida como
prostituta, está ligada a Maria, mãe de Jesus e virgem pura por excelência. “No
plano dos arquétipos, a figura mítica da meretriz penitente é estritamente
conexa com aquela da Virgem mãe, e constitui em certo sentido a outra vertente
do mesmo mecanismo psicológico.
Virgindade e maternidade, antes
de serem duas opções possíveis entre as inumeráveis escolhas essenciais, são
símbolos arquetípicos que, absolutizados e referidos às mulheres como modelos
de comportamento concreto, refletem uma visão da realidade exclusivamente
machista.
Acabam sendo funcionais ao
perpetuarem imóveis esse modelo de realidade. Nesta perspectiva, a mulher
não-virgem-não-mãe constitui o arquétipo feminino negativo por excelência: a
Prostituta ou, em todo caso, a Tentadora. Além disso, tanto a Virgem Maria Toda
Pura, quanto a Pecadora Penitente Toda Impura, apesar de opostas, são definidas
exclusivamente com base no sexo e na feminilidade percebida como uma realidade
‘oposta’ (...).
Enquanto Maria de Nazaré é a Mãe
assexuada, Maria de Mágdala se torna a mulher, a Outra. Num contexto religioso
totalmente machista, a Outra deve ficar num estado de inferioridade, portanto
‘dominável’, por definição e por princípio” [1].
Tanto Maria Madalena como Maria,
a mãe de Jesus, são personagens que marcaram o cristianismo. A diferença está
em descobrir que nos apócrifos Maria Madalena não era a prostituta e Maria, a
mãe, não deixou de ser mulher para ser a mãe do Salvador.
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[1] Cf. Lilia Sebastiani, Maria
Madalena de personagem do evangelho a pecadora redimida, Petrópolis: Vozes,
1995.
Fonte: Jornal de Opinião
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