As condições precárias nas quais
as detentas sobrevivem, usando jornal como papel higiênico, são relatadas em
livro escrito por jornalista.
O protesto se espalhou pelas
redes sociais, com fotos de homens e mulheres reproduzindo a frase em fotos
pessoais. Pelo Twitter, ela disse que foi ameaçada de estupro devido à
repercussão da campanha e recebeu a solidariedade de Dilma.
A autora conta que, para
conseguir entrar nos presídios e entrevistar mais de cem pessoas em cinco anos
de trabalho, ela se aproximou de parentes de presidiárias, trocou
correspondência com presas, fez amizade com médicos da enfermagem e se ofereceu
para trabalhos voluntários. Nesse período, ela afirma ter ouvido relatos de
mulheres que tiveram filhos algemadas, se revezavam em pé para dormir em celas
superlotadas, foram torturadas enquanto grávidas e separadas dos filhos assim
que eles nasceram.
No livro, Nana foca em sete
personagens que representam o universo nos presídios femininos e conta
episódios vividos por elas, como lesbiandade temporária, tortura, suicídio,
gestação e maternidade. Ela afirma que as presas recebem tratamento semelhante
em brutalidade ao dado aos homens nas prisões.
“As mulheres usam miolo de pão
como absorvente porque eles não dão. E dão a mesma quantidade de papel
higiênico para homem como para mulher. Então a mulher tem que usar jornal,
resto de pano rasgado e miolo de pão, que incha igual O.B. [absorvente
interno]. Depois tira e joga fora”, disse.
A ativista Nana Queiroz na
Esplanada dos Ministérios em imagem usada na campanha contra o estupro (Foto:
Reprodução)
Presidiárias
Nana conta que teve uma
identificação especial com uma das presidiárias, apelidada de “Safira” no
livro. “Percebi que éramos tão parecidas que, se eu tivesse vivido a vida dela,
e ela a minha, era possível que a gente estivesse ali naquela mesma mesa”, diz.
“Ela era uma menina como eu, muito sonhadora, muito guerreira, tinha muita
vontade de ter um grande amor, mas ao mesmo tempo, era muito dona de si e
achava que a condição de mulher não a diminuía e queria desbravar terrenos
masculinos.”
Safira foi obrigada pela mãe a se
casar aos 14 anos com um homem mais velho, com quem perdeu a virgindade. “Eles
tiveram dois filhos e ele batia nela horrorosamente e nas crianças. Ela decidiu
fugir, mas trabalhava 12 horas por dia em um supermercado. Na época, o salário
mínimo era entre R$ 400 e R$ 500, e ela pagava R$ 180 só no barraco em que
vivia na favela e não conseguia sustentar os filhos. As crianças começaram a
chorar de fome, ela pediu uma arma ao vizinho, que era criminoso, e foi
assaltar.”
A ativista Nana Queiroz, que
criou a campanha 'Eu não mereço ser estuprada', na casa dela, em Brasília
(Foto: TV Globo/Reprodução)
A ativista Nana Queiroz, que
criou a campanha ‘Eu não mereço ser estuprada’, na casa dela, em Brasília
(Foto: TV Globo/Reprodução)
Para Nana, a história de Safira é
igual a de milhares de presidiárias do país que sofrem violência doméstica, têm
o ensino fundamental incompleto, ganham um salário mínimo ou menos e têm filhos
para cuidar sozinhas.
“É claro que não estou dizendo
que, para toda mulher pobre do mundo a solução é roubar. É compreensível, mas
não é justificável. Mas quando você entra em contato com as pessoas, percebe
que o sistema carcerário não é feito de monstros. São pessoas que, em situações
difíceis, fizeram escolhas erradas. Mas são gente como a gente.”
“Apenas 6% a 8% das presidiárias
cometeram crimes contra a pessoa. O resto, são crimes para complemento de renda
– a maioria por tráfico, furto, roubo. Geralmente são mulheres muito pobres que
estão fugindo muitas vezes de violência doméstica, são mães solteiras, e acabam
achando no crime a única forma de complementar a renda da família.”
Nana afirma que não pretende
vitimizar as mulheres presas, mas enxergá-las e buscar soluções para que elas
sejam tratadas com dignidade e consigam ser reinseridas na sociedade. “Ninguém
é vítima. Ninguém é preso porque é vítima. A pessoa está presa porque tomou uma
decisão errada em uma situação difícil”, diz. “Estou pensando na sociedade.
Elas vão sair. Elas vão estar melhor ou pior? Estaremos mais seguros? Onde isso vai nos levar como sociedade? E as
crianças que são torturadas na barriga das mães ou no colo das mães? O que elas
vão ser quando crescerem? Estamos criando sociopatas. Não é inteligente.”
Campanha antiestupro
Nana conta que no dia que tirou a
foto do movimento “Não mereço ser estuprada”, tinha acabado de sair da Colmeia,
como é conhecido o presídio feminino no DF. “Fui às 4h na romaria junto com as
famílias, peguei um ônibus na rodoviária, fui humilhada na revista, passei por
perrengues”, diz.
Jornalista Nana Queiroz (Foto:
Nana Queiroz/Reprodução)
“Era para sair às 12h, mas o
carcereiro decidiu que ia fechar a porta porque estava na hora dele almoçar.
Uma senhora começou a chorar porque era empregada e tinha que ir para o
trabalho, corria o risco de ser demitida.”
“Como sou encrenqueira, me senti
na obrigação de defender a senhorinha, que tinha dificuldade de comunicação.
Falei para o carceireiro: ‘Por favor, essa mulher vai perder o emprego, vocês
não têm coração, não?’ O cara falou: ‘Desacato não vai resolver nada. Você
também vai ficar presa por três horas.’ Fiquei enfurecida, achei tão injusto.
Cheguei no trabalho atrasada, reclamando como o mundo é injusto e meu chefe
disse: ‘É porque você não viu o resultado da pesquisa do Ipea’. Foi então que
li e fiz o “Não mereço”. Fiquei tão brava que queria me revoltar contra o
sistema e como tratavam as mulheres. O “Não mereço” foi filho da Colmeia.”
Fonte: Agência Patrícia Galvão
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