Fotos: Ana Lucena e Paula
Guimarães
“Puta” está entre os termos mais
usados para xingar mulheres que fazem uso do seu direito sexual – esse situado
no campo dos direitos humanos. Assim como os similares vadia e vagabunda, só
tem cunho sexual quando flexionado no gênero feminino.
por Paula Guimarães via Guest Post para o Portal Geledés
O interessante é que o
“xingamento” serve também para atingir o homem, a diferença é que esse é sempre
a vítima da puta: o filho ou o parceiro traído, o corno. Ainda que usado como
referência às profissionais do sexo, não se sustenta como xingamento, se analisarmos
que parcela da sociedade que utiliza o serviço não é julgada da mesma forma
pejorativa.
A língua portuguesa só confirma
que, passados quase dois séculos dos primeiros sinais do movimento feminista,
as mulheres ainda vivem sob o jugo de uma moral discriminatória. “O cara é o
pegador, a mulher é puta, é promíscua. Por que os homens podem ter várias
experiências sexuais e a mulher não? É bizarro ter que lidar com isso em 2015”,
afirma Manuela Tecchio, estudante de jornalismo da UFSC, que ficou conhecida no
país pela composição “A louca”, de conteúdo feminista.
Nunca se falou tanto de sexo e,
ao mesmo tempo, a mulher ainda é taxada por gozar de sua sexualidade. Esse
paradoxo que Manuela chama de “tragicomédia”, a inspirou na composição da
música que usa da ironia para escrachar o preconceito contra as mulheres que
desobedecem ou contestam as normas do patriarcado. “Ouça bem mulher, mude logo
sua conduta, que essa moda feminista, é um jeito chique de ser puta”, diz o
refrão.
Integrante do coletivo Jornalismo
sem Machismo criado no ano passado por estudantes do curso, Manuela começou a
se envolver com a música aos dez anos. Na letra, a cantora traz as várias faces
do machismo, aquele do dia a dia, que de tão comum, torna-se invisível. Nada é
ficção, cada trecho trata de uma realidade vivida por colegas em diferentes situações.
Enquanto muitos elogiaram a
canção, alguns colegas que não se propuseram a reformar o pensamento se
distanciaram. Entre os homens dispostos a discutir a questão de gênero, alguns
tropeçaram nos primeiros hábitos do cotidiano. Questionar a tradicional cantada
de rua soou como exagero, afinal mulher bonita tem esse “merecimento”. “Se
incomoda a mulher, é porque não está certo. A gente é que está vivendo isso e
sabe o que significa”, conta.
A mulher como isca
Mulheres seminuas fazem a
combinação perfeita com futebol em comerciais de cerveja. Sensualizadas em
situações distintas, cumprem bom papel também como recepcionistas, garçonetes,
massagistas, dançarinas. “A mulher é usada como um produto, é isca de mercado”,
afirma.
E na sala de aula não é diferente.
No telejornalismo, por exemplo, exige-se um padrão estético “agressivo” das
mulheres. De acordo com a estudante, a profissão é machista, centrada em
características masculinas, e o curso reflete isso no assédio moral,
considerado por ela “muito invasivo”. “’Coloca uma foto de uma gostosa na
diagramação da página’, disse um professor certa vez a uma aluna”, conta.
Também na vida em sociedade, a
mulher tem que correr atrás de um modelo: loira, alta, cabelos lisos, olhos
claros e classe média. “Um percentual muito baixo da população mundial se
encaixa nisso, é cansativa a busca por esse padrão inatingível. Estamos sempre
caminhando pra ele, quando na verdade, a única coisa que você pode ser é quem
você é”, opina.
O feminismo para Manuela é um
exercício diário para desenraizar pensamentos e costumes tão bem fundamentados
por uma sociedade que ainda acredita que lugar de mulher é na cozinha. Ela
conta que a patrulha pelos padrões estético e comportamental ocorre também
entre mulheres. “Olha como a tal engordou, fulana é bem vagabunda. Muitas vezes
competimos, ao invés de empoderar e dar espaço”, revela.
O preconceito e a resistência ao
movimento se justificam pela opressão silenciada e, quando sutil, ainda mais
perigosa. “O gênero é socialmente construído, desde quando nascemos recebemos
uma roupinha de acordo com a genitália. Somos oprimidas desde o útero, porque
menina dá trabalho. A gente é isso: dá trabalho”, assinala.
Coletivo Jornalismo sem Machismo
A organização é um espaço para as
estudantes desabafarem e se protegeram da discriminação. Entre as pautas está a
inserção de mais palestrantes mulheres na Semana do Jornalismo e desconstrução
do trote, que vê graça em brincadeiras homofóbicas e machistas.
A consciência de ser feminista se
afirmou com a participação no coletivo, que também promove encontros de
formação. “Feminista é quem acredita na igualdade social, política e econômica
entre homens e mulheres. Lutamos para conter a opressão que nos é comum”,
define.
Para ouvir “A Louca” clique aqui.
A Louca
Ando cansado dessa moça
Que agora deu pra reclamar
T’achando ruim lavar a louça
E ainda quer se sustentar
Ela t’achando que eu sou trouxa
Se namorando no espelho
De roupa que não cobre as coxas
Sorrindo de batom vermelho
[REF] Ouça bem, mulher
Mude logo sua conduta
Que essa moda feminista
É um jeito chique de ser puta
Elogiar quando ela passa
Agora é coisa de malandro
Desse jeito não tem graça
Você já tá exagerando!
Quando ela sai de casa
Não tem mais hora pra voltar
Vou ter que cortar as asas
Pela honra do meu lar
[REF] Ela quer dar
Ela quer dar no pé
Quem te deu esse direito, moça?
Quem você pensa que é?
Fonte: Geledes
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