O papa disse que as mulheres são importantes porque são mais da metade
da Igreja e são as mães e irmãs da outra metade e isso não é pouca coisa e não
é justo mantê-las afastadas e elas têm que ajudar a encontrar os melhores
caminhos para as escolas. Como não há a exigência da ordenação episcopal e
sacerdotal para ser cardeal – é antes um título para determinada função – não
me admiraria se nomeasse algumas mulheres cardeais para, juntos, pensarem a
totalidade da Igreja, porque se olha para a Igreja com o olho masculino,
machista, patriarcal; uma mulher tem outra sensibilidade.
Em conversa telefônica com o
programa Tormenta de Ideas, da Rádio MDZ, de Mendonça, Argentina, Boff
considerou que Bergoglio inaugurará a era dos papas do Terceiro Mundo, porque
foi a própria Cúria vaticana que começou a sentir vergonha por causa da
multiplicidade de casos de pedofilia que se tornaram públicos.
Para Leonardo Boff, Papa
Francisco tem mobilizado os dogmas da Cúria romana.
Refletiu, além disso, sobre a
superação de dicotomias caducas, como Marxismo-Cristianismo ou
Capitalismo-Marxismo, a propósito da reação do ex-cardeal frente ao gesto do
presidente boliviano, Evo Morales, que lhe entregou um crucifixo
"comunista”.
A entrevista é de Conte,
Montiveros e Bustos e publicada por MDZ. A tradução é de André Langer. Eis a
entrevista.
Que implicações acredita que têm
as palavras do Papa Francisco em Santa Cruz de la Sierra na Bolívia?
Creio que é um avanço no
magistério pontifício sobre as questões sociais, porque nunca um Papa falou tão
diretamente. Ele fala de um sistema de lucros a qualquer custo, que não pensa
na exclusão social ou na destruição da mãe Terra. Convoca a todos para superar
a globalização da destruição pela da esperança, que se traduz em um empenho
concreto nas mudanças. Refere-se, assim, a uma mudança estrutural fundamental
que renove as relações sociais entre os seres humanos e com a mãe e irmã Terra.
Você vê uma evolução das velhas
dicotomias Capitalismo-Marxismo ou Marxismo-Cristianismo?
Penso que sim. Porque antes os
papas mantiveram uma certa neutralidade com esSe sistema. Ele, pelo contrário,
o ataca diretamente, nomeando-o como um sistema sem misericórdia, cínico, que
não respeita ninguém e que vive destruindo povos, e diz, inclusive, que
"vive ameaçando de morte a Mãe Terra”. Então, creio que este é um avanço
muito claro. Posso imaginar que isso vai irritar muito o sistema imperial dos
Estados Unidos ou dos nossos países que estão comprometidos com essa
globalização da exploração e da exclusão. Mas ele é muito claro, não tem
segundas intenções, como os outros papas. Penso que é consequência do caldo
cultural eclesial que se criou na América Latina, de trabalhar pelos povos e
chamar as coisas pelo seu nome.
Você esperava uma posição desse tipo por parte de Bergoglio, sobretudo
considerando que quando foi cardeal não tinha posições tão profundas?
Ele não tinha em termos de
palavras, mas em termos de vida e de exemplo, de não viver no palácio, de andar
de ônibus, de frequentar as favelas, vivendo um estilo de pobreza, como uma
espécie de opção pessoal dele. Agora, ele traduz isso também em palavras.
Você foi perseguido e afastado da
cátedra por Bento XVI... Teria imaginado o Papa João Paulo II recebendo um
crucifixo como o de Luis Espinal, que Evo Morales entregou ao Papa Francisco?
Creio que este papa estabelece
uma ruptura com os romanos. Os outros papas não gostavam da palavra e querem a
continuidade. Aqui, há uma ruptura de conduta, de comportamento e de discurso.
Algo que ele mesmo deixa entrever quando, em tom de brincadeira, diz:
"assim é mais difícil que me envenenem”; tudo isso eu esperava de um papa
que viesse da América Latina. Eu lembro que, antes que Bergoglio chegasse ao
Vaticano, antecipei que a Igreja estava em ruínas e que necessitava de uma
pessoa como Francisco de Assis e foi assim que, graças a Deus, chegou Francisco,
que tentou restabelecer a moralidade mínima na Igreja.
O que vai acontecer quando
Francisco já não estiver mais no cargo da Santa Sé?
Creio que ele vai inaugurar uma
nova geração de papas, que virão do Terceiro Mundo, porque na Europa vivem
apenas 24% dos católicos e é uma Igreja agonizante, que está em crise, assim
como a cultura europeia. Ao contrário, no Terceiro Mundom se faz um ensaio de
encarnação das culturas indígenas. Aquim nasce o novo em como a Igreja
atualmente é uma Igreja do Terceiro Mundom é natural que haja um papa do
Terceiro Mundo.
Acredita também que a Igreja
europeia conserva seu poder monopólico?
Penso que isso vai mudar, porque
muitos cardeais e autoridades europeias sentem-se com vergonha. Ninguém queria
ser papa com essa tradição recente de crimes, pedófilos, e é uma coisa
vergonhosa e, então, tinham que chamar alguém de fora, que não vem contaminado.
Este papa despaganizou a Igreja; vive mais como bispo de Roma do que como papa
universal. Não fala dos pobres, mas vai abraçá-los. Creio que é algo que tem
que continuar, para a honra da Igreja e como uma força política que pode
congregar. O caminho anterior era um caminho que levava ao abismo e era sem
retorno.
Que significado tem o fato de
que, nesse giro latino-americano, tenha viajado primeiro para o Brasil,
Equador, Bolívia e Paraguai e, depois, pense em dirigir-se a Cuba e aos Estados
Unidos?
Isso está na linha da sua opção.
Ele optou pelos pobres, razão pela qual escolheu o Brasil, Equador, Paraguai e
Bolívia. No Paraguai, ele disse uma coisa fantástica: "as mulheres
paraguaias são as grandes heroínas, as pessoas mais importantes do continente,
porque, depois dessa desgraçada guerra que fizemos no Paraguai, sobraram 8
mulheres para cada homem”. Nunca, pelo menos no Brasil, teríamos reconhecido
algo assim.
As mudanças iniciadas poderão ter
a ver com a incorporação de papéis mais protagonistas para a mulher?
O papa disse que as mulheres são
importantes porque são mais da metade da Igreja e são as mães e irmãs da outra
metade e isso não é pouca coisa e não é justo mantê-las afastadas e elas têm
que ajudar a encontrar os melhores caminhos para as escolas. Como não há a
exigência da ordenação episcopal e sacerdotal para ser cardeal – é antes um
título para determinada função – não me admiraria se nomeasse algumas mulheres
cardeais para, juntos, pensarem a totalidade da Igreja, porque se olha para a
Igreja com o olho masculino, machista, patriarcal; uma mulher tem outra
sensibilidade.
Fonte: Adital
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