Prostitutas se queixam de que os
clientes estão cada vez mais escassos - Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE
A demolição de casarões
condenados em maio passado foi a gota d'água do processo de degradação. Os
clientes, geralmente trabalhadores e transeuntes da região, são cada vez mais
raros. A famosa Montanha de Mãe Preta e da cafetina Maria da Vovó começou a
desaparecer no final da década de 70 e hoje vive o auge da decadência.
"Olho para cima, nada. Olho
para baixo, nada. Parece até que jogaram pemba de peixe. Todo mundo
sumiu", lamenta Rosa, 38 anos, prostituta do 51. Eram quase 15h de uma
quarta-feira e a moça estava à espera do primeiro cliente do dia: "O
programa é R$ 30: R$ 10 do quarto e R$ 20 meu".
"Não fale em meus filhos que
eu choro. Seis vezes tentei suicídio. Depressão. Tomei chumbinho três vezes e
sempre aparecia alguém para fazer lavagem estomacal. Cortei os pulsos, me
joguei embaixo do ônibus e não consegui. Desisti de me matar. Aí peguei uma
virose e fiquei com medo de morrer", comenta.
Rosa trabalhava no 'Brega de seu
Valmir', que funcionava em um dos imóveis demolidos pela prefeitura em maio.
Desde então, ela acomoda clientes no 51, onde paga R$ 10 pelo aluguel do quarto
por cada programa. O bar, com vista para o Mercado Modelo e ambiente hostil, é
administrado por uma neta de Mãe Preta.
Na região do Comércio, cada um
tem uma história para o destino das outras mulheres que trabalhavam nos
prostíbulos demolidos na Montanha. "As meninas têm casa, filha. Só tem
esperto nesse meio. Pegaram o dinheiro do Aluguel Social e foram para as suas
casas", afirmou a comerciante Maria da Glória, 63.
"Estão por aí, espalhadas
pelo centro. Algumas estão fazendo vida no Damasco", disse um homem. O Bar
Damasco é um tradicional ponto de prostituição na rua da Conceição da Praia,
próximo ao Elevador Lacerda. A reportagem conversou com três mulheres que
teriam trabalhado na Montanha, mas nenhuma delas concordou em dar entrevista.
Crack
Para o professor e historiador
Ricardo Carvalho, a liberação sexual a partir da década de 1980 diminuiu a
procura pelas moças da Montanha.
"A Ladeira da Montanha viveu
o êxtase dos grandes salões, os prostíbulos famosos, a decadência dos anos 80 e
hoje vive a degradação infame do crack", disse Carvalho. "Com as
drogas, principalmente o crack, a Ladeira da Montanha chega ao seu pior momento
social", diz.
Dias áureos
A Ladeira da Montanha de hoje em
nada se parece com aquela frequentada por um aposentado de 63 anos no início da
década de 1970. Ele conta ter iniciado a vida sexual nos braços de uma
prostituta conhecida como Elza, no bordel 73.
"Ela gostava de mim e eu
sempre ficava com ela. Vi a coisa 'perigar', evoluir para um relacionamento
mais fechado. Mas aí eu conheci minha mulher", afirma.
Na década de 60, o movimento de
veículos e pedestres era intenso (Foto: Arquivo | Ag. A TARDE)
Naquela época, havia vários
bordéis como o 57, 65, 69, o 'Meia Três' e o 'Maria da Vovó', frequentados
inclusive por funcionários públicos, poetas, escritores, jornalistas e
tripulações dos navios ancorados no porto.
"As mulheres tinham
preferência por marinheiros estrangeiros porque pagavam além do combinado. Eram
moças bem cuidadas, bem vestidas, o ambiente era arrumado e limpo. Tinha um
clima aconchegante, música ao vivo e umas máquinas de música que funcionavam
com moedas", lembra.
Ele conta que o mais famoso era o
'Meia Três', administrado por uma mulher conhecida por China. "Era o mais
caro, tinha as melhores mulheres, inclusive estrangeiras. O tratamento lá era
diferenciado por causa da presença de pessoas famosas", descreve.
Construção da ladeira foi concluída no século XIX
O nome oficial da Ladeira da
Montanha é Ladeira Barão Homem de Melo. De acordo com o historiador Ricardo Carvalho,
a construção da via foi concluída em 1885, momento em que Salvador passava por
um momento de expansão comercial.
“A Ladeira da Montanha foi
escavada na dura rocha da falha geológica de Salvador e sustentada por
estruturas em arcos, que podem ser observadas na Ladeira da Conceição, para ser
mais uma via de ligação da cidade. Seu ângulo menos incisivo facilitaria a subida
dos bondes puxados a burro, coisa que seria impossível em outras ladeiras mais
íngremes”, completou o historiador.
A assessoria de comunicação da
Secretaria Municipal de Urbanismo (Sucom) informou que não conseguiu um
representante para discorrer sobre a Ladeira da Montanha, em virtude dos
compromissos em torno do Plano Salvador 500.
Da mesma maneira, a assessoria de
comunicação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
não deu retorno à equipe de reportagem sobre o pedido de entrevista que foi
feito.
De acordo com o Iphan, foram
demolidos os imóveis de números 63, 63-A e 65 da centenária ladeira da capital
baiana.
Autorização
As demolições foram autorizadas
porque as estruturas apresentavam risco de desabar sobre outros imóveis, após
as fortes chuvas que caíram em abril e maio, e não havia elemento arquitetônico
relevante.
Fonte: Jornal A Tarde
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