Por trás do que seria a maior descoberta da física em
décadas não está um cientista barbudo e introvertido, mas sim uma mulher que
insiste em reforçar a ideia de que, perante a ciência, todos são iguais.
Fabiola Gianotti é a líder do experimento Atlas, que detectou no Cern os sinais
claros de uma nova partícula que poderia ser o bóson de Higgs.
Fabiola não é
apenas a encarregada pelo trabalho que custou US$ 8 bilhões, mas um espelho da
nova geração de cientistas e um golpe contra a ideia de que a ciência só é
feita por homens.
Ela tinha 2 anos quando o britânico Peter Higgs formulou a
teoria que explicaria pelo menos parte do universo. Hoje, a italiana de 49 anos
está diante do experimento que reúne 3 mil físicos de 169 instituições em 37
países. Ao Estado, Fabiola faz um apelo: "Garotas, estudem ciências. Somos
ótimas nisso".
A italiana não chegou à posição por acaso. Há 13 anos atuava
como coordenadora de Física do Atlas. Tem um doutorado em Física subnuclear
pela Universidade de Milão e com apenas 25 anos começou a trabalhar no Cern.
Para liderar o projeto que na quarta-feira promoveu uma pequena revolução,
Fabiola foi democraticamente eleita pelos colegas cientistas.
Sua imagem seria tão forte para revelar uma nova direção
quanto o anúncio da descoberta. Enquanto os demais cientistas usavam terno e
gravata, nem sempre do melhor gosto ou combinando, Fabiola apareceu diante das
câmeras de todo o mundo de camiseta. Não se intimida diante de grandes
públicos, mistura ciências e piadas em sua apresentação e esbanja entusiasmo
com os detalhes de suas descobertas.
Pianista. Mas nem sempre a família a direcionou para as
ciências. No ensino médio, Fabiola, como muitas meninas na Itália, foi para um
colégio que privilegiava as ciências humanas e artes. Virou pianista, com
título reconhecido pelo prestigioso Conservatório de Milão. Mas foi sua paixão
pela natureza que a fez mergulhar no campo da Física. Ela conta como queria
entender o que estava ao seu redor. "Era mesmo uma paixão para mim."
No Cern, apenas 30% dos cientistas são mulheres. Há 20 anos,
esse número não chegava a 15%. Para Fabiola, não há motivos para pensar que
meninas têm mais aptidão para trabalhos sociais. "Na realidade, mesmo se olharmos
por esse prisma, a ciência é um grande trabalho social", argumenta.
"O que descobrimos no Cern pode levar à cura de doenças e à redução do
sofrimento humano que nenhum trabalho conseguiria realizar", defende.
Sobre o fato de a maior descoberta da Física em anos ter um
rosto feminino, Fabiola não esconde o orgulho. "Espero que isso mande um
recado claro a todas as meninas no mundo, de que somos capazes de ser
cientistas e não há nada que possa nos impedir. Os tabus precisam acabar e não
há nada na ciência que indique que mulheres têm aptidões mais fortes por
ciências humanas e não matemática."
Ela recusa o argumento de que mulheres teriam uma visão
sobre a ciência que seria diferente do homem. "Isso não existe. Somos
todos iguais perante a ciência", declarou. "Fomos convencidas de que
nosso lugar era outro. Isso acabou."
Fonte: O Estado de São Paulo
Para entender o bóson de Deus por Marcelo Gleiser
Como não poderia deixar de ser, nesta semana escrevo sobre a
descoberta sensacional do bóson de Higgs, anunciada na última quarta feira, 4
de julho, pelos cientistas do laboratório Cern, em Genebra, na Suíça. Começo
repetindo a história de como o bóson de Higgs ficou conhecido como
"partícula de Deus".
Obviamente, uma partícula elementar não tem nada a ver com
Deus. O apelido vem do título do livro de Leon Lederman, o prêmio Nobel que
durante anos caçou a partícula (a busca pelo bóson de Higgs durou ao todo 45
anos!).
Lederman conta que originalmente queria dar ao livro o
título em inglês "The Goddamn Particle" ("A partícula
Amaldiçoada por Deus" ou simplesmente "A Desgraçada da
Partícula"). A ideia era demonstrar sua frustração em não tê-la
encontrado. Porém, o editor do livro achou que, com a exclusão de
"desgraçada" do título, o livro venderia bem mais. A coisa vingou -
para o livro de Lederman e para a partícula.
Mas por que tanta empolgação com o bóson de Higgs, que
inclui bilhões de dólares gastos na busca por uma mera partícula?
Essencialmente, o bóson de Higgs era a peça que faltava no
chamado Modelo Padrão, que descreve tudo sobre as partículas que conhecemos no
Universo. Achá-lo significa completar esse modelo com enorme sucesso.
O papel do Higgs é único entre as partículas: ele é
responsável por "dar massa" a todas as outras. Vale lembrar que, na
física moderna, as entidades essenciais são os campos. Partículas são
excitações desses campos, como pequenas ondas na superfície de um lago. O campo
de Higgs estaria por toda a parte, como o ar na nossa atmosfera. Ele interage
com os campos de outras partículas: por exemplo, o campo dos elétrons ou o dos
fótons (o campo eletromagnético), as partículas de luz. Essa interação tem uma
intensidade que varia de campo para campo. É essa intensidade variável que
determina a massa das partículas e as suas diferenças.
Por que, então, o nome de "bóson"? As partículas
que conhecemos podem ser divididas em dois grupos, chamados genericamente de
bósons e férmions. "Bóson" homenageia o físico indiano Jagadish
Chandra Bose, que desenvolveu, junto com Einstein, as propriedades dessas
partículas. Elas gostam de existir em grupos com muitas delas. O Higgs e os
fótons são bósons.
Já os férmions (em homenagem ao físico italiano Enrico
Fermi) são mais exclusivos e no máximo aparecem em pares. Os elétrons e os
prótons são férmions.
Ninguém "viu" um bóson de Higgs, pois eles se
desintegram em outras partículas em minúsculas frações de segundo. O que se
"observa" são os vários produtos dessas desintegrações. Os resultados
são estatísticos, devido aos bilhões de colisões e desintegrações que ocorrem.
Na física de partículas, uma "descoberta" é um evento tão raro que a
chance de surgir outra nova explicação é de uma em 3,5 milhões.
O interessante é o que está por vir. Sabemos que a partícula
é um bóson. Mas não sabemos se corresponde à previsão mais simples do Modelo
Padrão ou se é algo mais exótico. Todos torcem pelo exótico, pois terão abertas
portas para uma nova física. Depois de 45 anos, seria uma pena encontrar só o
Higgs.
Um comentário:
Eu acho que não interessa se um é homem ou mulher, porque qualquer pessoa pode ter atitudes para estudar ciências, sem importar o sexo.
Eu conheço muitas cientificas mulheres que fazem um ótimo trabalho, e com elas costumamos pedir comida e falar sobre novos descobrimentos.
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