O Brasil perde por dia mais de 400 fiéis. A partir do censo que retrata e mapeia a realidade, o Evangelho de Jesus nos interpela. E parece que nos aponta o caminho de redescoberta de nossa verdadeira vocação de fermento na massa e pequeno e fiel rebanho.
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Os dados do Censo de 2010 sobre Religião foram
divulgados. Os resultados são no mínimo
surpreendentes, e talvez chocantes para muitos.
O panorama religioso brasileiro segue uma tendência que já se vinha
revelando nos últimos anos. Porém, tudo
indica que esta tendência vá se mantendo e aprofundando. As mudanças no cenário
global se fazem mais radicais e fortes.
A diminuição das igrejas históricas é o que mais salta à
vista. Perdendo terreno aceleradamente para as igrejas de corte mais
pentecostal, essas igrejas experimentam uma evasão ainda mais importante de
seus fiéis. No entanto, é diferente a
situação do protestantismo histórico e do catolicismo. Enquanto o protestantismo histórico, devido à
su própria pluralidade interna, diminui ainda mais, o caso do catolicismo salta
mais à vista pelo volume que representa dentro do cenário religioso nacional.
Tradicionalmente considerado o maior país católico do mundo,
o Brasil perde por dia mais de 400 fiéis, o que faz o catolicismo cair
proporcionalmente da faixa dos 70% anteriormente obtida no censo de 2000 para
pouco mais de 60% em 2010. Isso impacta
não apenas na proporcionalidade de católicos, mas igualmente nos números
absolutos do catolicismo. A massa
católica que se autoassume como tal reduz drasticamente, sobretudo nas grandes
cidades, sendo campeão o Rio de Janeiro, antiga corte e capital da República.
Seria apressado e superficial fazer uma análise mais
aprofundada agora desta situação. Os dados ainda são muito recentes e falta
tempo hábil para uma visão mais exata.
Parece claro, no entanto, que
essa mobilidade religiosa não é privilégio do catolicismo, apesar do destaque
maior que ele merece no panorama nacional.
A Igreja Universal também conheceu expressiva queda, assim como outros
grupos religiosos, entre os quais os afro-brasileiros.
Ao mesmo tempo, prosseguiu sua discreta mas constante subida
o grupo dos que se declaram sem religião. Já em 2000 havíamos refletido e constatado que esses não seriam
necessariamente sem Deus, mas pessoas que, embora fazendo a experiência da fé e
da sede pelo transcendente, experimentavam uma profunda incompatibilidade com a
instituição, suas normas e formulações, e
como tal situavam-se com sua busca e sua sede fora da religião institucionalizada.
Creio que a evasão do catolicismo institucional aliada a
este dado do crescimento dos sem religião revelam uma tendência não
desprezível, embora não tão aparente num primeiro olhar.
Acrescente-se a isso a queda de fenômenos religiosos
recentes como a Universal e temos uma visão que nos faz suspeitar que as mais
recentes propostas religiosas que adentraram o campo religioso brasileiro podem
ter muita capacidade de sedução e atração dos fiéis, mas estão longe de
conseguir retê-los em suas fileiras de maneira mais permanente e estável.
Em outras palavras, o êxodo que se constata nas fileiras
católicas e cristas históricos acontece igualmente, embora talvez em menor
proporção, em outras denominações, mesmo nas pentecostais, que parecem crescer
mais, mas que igualmente sofrem de inestancável trânsito e migração no interior
de si mesmas.
Em todo caso, é fato
que o catolicismo vai perdendo fiéis. As causas e consequência desse fenômeno
devem, sem dúvida, preocupar hierarquia e lideranças da Igreja Católica. Não se desdenha um êxodo dessas proporções
justamente no momento em que se faz um esforço pastoral considerável em nível
continental como o que vem sendo feito depois da Conferência de Aparecida, em
2007, com vistas a uma missão continental.
Parece-nos, no entanto, que quem ganha nesta disputa pelos
membros e fiéis não são tanto as religiões evangélicas quanto a secularização,
que avança inexorável, empurrada pelo processo de urbanização e globalização
crescente que acontece em nosso país. A
questão neste momento é saber, ou cogitar “melhor dito”, quem está mais
preparado e em mais favoráveis condições de lidar com esse fenômeno.
Humildemente, parece-nos que as igrejas históricas e entre
elas o catolicismo têm aí mais chance. A face secular, embora não secularista
do cristianismo histórico, tem larga e respeitável tradição. E o Concilio
Vaticano II reafirmou a necessidade de dialogar com o século e as realidades
terrestres. Enquanto estamos celebrando
na Igreja Católica os 50 anos do grande acontecimento do Concilio, que
justamente trazia como uma das questões primordiais abrir e facilitar o diálogo
da Igreja com a secularidade, os dados do censo são uma interpelação e um
desafio.
Oxalá nós, católicos, não nos debrucemos sobre eles em tom
de perplexidade inativa, lamentação e nostalgia. A partir do censo que retrata e mapeia a
realidade, o Evangelho de Jesus nos interpela.
E parece que nos aponta o caminho de redescoberta de nossa verdadeira
vocação de fermento na massa e pequeno e fiel rebanho. Vocação essa que andou um tanto perdida e desorientada
em meio aos aparentes triunfos dos períodos de cristandade. Tomara que tenhamos humildade, fidelidade e
ardor suficiente para procurar responder à altura o desafio que nos é proposto.
Amém!
Fonte: Jornal do Brasil
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