As agendas das mulheres ou lutas comunitárias das mulheres não são sequer visibilizadas dentro dos partidos. As mulheres estão muito mais para fazer as bases e ser público de manobra, cabo eleitoral, seja em eleição de conselho tutelar, que é uma prática muito similar a eleições de vereadores, em que as mulheres estão na linha de frente das lutas comunitárias, mas na hora H, de chegar e disputar esse poder, elas não contam
A cientista política potiguar Joluzia Batista, 40 anos, é
uma das colaboradoras da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e do Centro
Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), ONG que luta pelo fortalecimento de
políticas públicas para mulheres. Nesta entrevista, a ativista analisa porque a
maior parte dos partidos não tem quadros femininos para preencher a cota de 30%
- determinada por lei - nas nominatas aos legislativos, conforme publicou ontem
o Jornal do Comércio.
Joluzia explica que a própria estrutura de organização dos
partidos se torna um obstáculo para o ingresso de mulheres, excluindo-as da
linha de frente das disputas internas e direcionando poucos recursos para
investir em suas campanhas. A cientista defende que as legendas aprimorem a
relação com o público feminino e usem mais recursos do fundo partidário para capacitação
dos grupos direcionados às mulheres.
Jornal do Comércio - Por que os partidos têm tanta
dificuldade em preencher as cotas para mulheres?
JC – Como é possível superar esses obstáculos?
Joluzia – Para uma mulher se colocar como liderança e
disputar a chapa majoritária, primeiro ela tem que ter uma pauta de disputa
ampliada. Uma mulher nunca vai chegar para disputar uma chapa majoritária com
uma agenda restrita ao mundo das mulheres, dizendo vulgarmente. Tem que pensar
o partido de forma ampla, heterogênea. E os partidos não conseguem enxergar que
elas não podem entrar com essa pauta tão restrita para as candidaturas
majoritárias.
JC - Como avalia essa acomodação de última hora de nomes
somente para garantir a validação das nominatas?
Joluzia – É fruto da acomodação, da falta de um debate
político interno mais qualificado. É também um centralismo e um machismo nessa
perspectiva de tentar fazer uma conformação. Além dessa falta de perspectiva
mesmo de fazer um debate sobre formação política no interior dos quadros, de
ter um programa político ampliado. Alguns partidos de esquerda estão tentando
ter pautas mais ampliadas, estão dialogando de forma mais ampla com alguns
movimentos sociais. Mas os partidos historicamente consolidados têm até
secretarias de mulheres, mas as pautas são muito reduzidas, ficam no âmbito da
saúde, da educação, enfrentamento à violência e exploração sexual.
JC – Há falta de referências femininas nos partidos?
Joluzia – Sim, falta presença das mulheres nos cargos
diretivos ou no próprio Parlamento, seja municipal ou estadual, que é um ponto
limitante. Mas a disputa interna partidária na composição das chapas é
violenta. Muitas vezes lideranças femininas de bairro se ausentam desse
processo. Não é toda mulher que tem o suporte financeiro, político e, muitas
vezes, emocional para aguentar esse embate partidário na disputa por vagas ou
para figurar mesmo nas chapas majoritárias. É predominante a forma de fazer
política muito masculinizada.
JC – A eleição de uma mulher para a presidência da República
pode ajudar a reverter esse quadro?
Joluzia – Sem dúvida. A eleição da presidente (Dilma
Rousseff, PT) coloca um elemento na constituição de uma nova cultura política.
É um novo parâmetro, mas, antes de pegar isso como exemplo, muita coisa tem que
se fazer internamente nos partidos.
JC – A questão da dupla jornada de trabalho e filhos também
é um impedimento?
Joluzia – Nessa esfera do âmbito municipal, as mulheres
estão muito submissas ainda a esse cuidar da casa e depois da vida pública.
Isso já vem de muito tempo: o espaço não é nosso, é uma conquista diária. É
interessante observar que nas últimas eleições municipais algumas prefeitas
conseguiram, inclusive, se destacar em cima desse conflito, pegando como uma
oportunidade. Houve até cenas ridículas, como a de uma candidata que disse que
tinha que encerrar o comício para ir para casa cuidar dos filhos. Para dizer
“além de prefeita sou mãe”, o que mostra que até de forma institucionalizada a
mulher tem que ir acumulando as três jornadas. Isso é uma coisa séria que temos
que combater no campo simbólico. Leva também a achar que porque a gente cuida
bem da família, vai fazer faxinas ou arrumar a casa no âmbito público, sanear
as contas. Tem muito desse imaginário que também está grudado na presidente.
Ainda é muito difícil estarmos nesses lugares por nós mesmas, por convicção
partidária, por ideologia ou porque somos cidadãs e queremos participar de um
projeto.
JC – As cotas ajudam a mudar esse cenário?
Joluzia – Já são um ponto, mas nas próximas eleições teremos
que analisar o saldo das anteriores do ponto de vista das punições e
advertências aos partidos que não conseguiram cumprir com a formação das
mulheres. Saber também se os partidos pensaram na capacitação das mulheres e
ainda quantas mulheres negras e portadoras de necessidades especiais foram
incluídas. Poderemos fazer uma prestação de contas também de quanto do
percentual do fundo partidário foi usado para essa formação.
Fonte: Jornal do
Comercio
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