O abaixo-assinado Vai
tershortinho sim, feito por alunas do tradicional Colégio Anchieta, em Porto
Alegre, fez verão na mídia aqui do sul durante toda a última semana. No manifesto que acompanha a petição – que já conta com mais de 20 mil apoiadores
– as gurias exigem que algumas regras do vestuário sejam alteradas pela escola.
Criada por alunas do ensino médio e acompanhada por uma carta aberta aos
coordenadores e diretores da instituição, a ação tipicamente feminista deixou
muita gente confusa.
No comovente manifesto, meninas
entre 13 e 18 anos exigem que a escola se ocupe de ensinar respeito em vez de
ditar o que elas podem ou não vestir, explicam que regulações acerca da
indumentária feminina reforçam a ideia de que assediar é da natureza do homem,
e pedem que a escola abandone a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção
da violência sexual.
"Ao invés de humilhar
meninas pelos seus corpos, ensinem os meninos que elas não são objetos
sexuais", diz o manifesto.
O argumento feminista aqui é
simples: abaixo o controle dos corpos das mulheres – controle que,
historicamente, se manifesta com força na seara das modas. Em O Segundo Sexo
(1949), Simone de Beauvoir relata como as roupas podem ser ferramentas da
opressão das mulheres, mas é bom lembrar que o foco da crítica feminista é o
machismo, more ele na diferença salarial, na pouca representatividade política,
em alguma vestimenta específica... ou em sua proibição.
Assim, as reivindicações das
alunas têm pouco a ver com a peça de roupa própria, e mais com o que ela
representa: as proibições impostas exclusivamente às mulheres.
Uma das formas com que a
sociedade julga as mulheres, em suas sexualidades, é por meio de roupas – e a
imagem acima ilustra isso muito bem. Quando não problematizamos este péssimo
hábito, quando atrelamos o uso de certas roupas a uma suposta disponibilidade
sexual, torna-se plausível que o comprimento de uma saia acabe por denotar o
caráter sexual de quem a usa.
E é justamente para desarticular
o pensamento machista de que as roupas que as mulheres usam indicam
disponibilidade sexual que proibições como a do shortinho devem ser
problematizadas.
Proibir ou incentivar o uso de
certas roupas em certas ocasiões é prática compreensível, e assim como os
escritórios estão cheios de gravatas, nas igrejas os ombros devem ficar
cobertos. Mas uma coisa é adequação institucional, outra coisa é a imposição de
valores misóginos disfarçada de adequação institucional.
Normas de boa conduta têm valor,
evidentemente – mas note como os manuais nunca impõem proibições que tolhem a
autonomia corporal dos homens para protegê-los de assédio das mulheres.
O polêmico shortinho é uma peça
de roupa, um objeto inanimado e isento de significação inerente. No entanto, é
uma peça cujo design é atrelado à objetificação dos corpos femininos (o short
afinal deixa pernocas e, em alguns casos, bundinhas de fora), e foi aí que a
confusão se deu – como é que justamente um short curtinho pode servir de pauta
para uma petição feminista que propõe que paremos de objetificar os corpos
femininos?
Bem-vindos ao pensamento
feminista, cujo projeto enfrenta dilemas como este diariamente. O shortinho
pode ser ou não ser um significante da objetificação de corpos, mas sua
proibição certamente significa controle de sexualidade.
E a proibição, que é exclusiva
para as meninas, só existe por causa de uma suposta falta de controle da
sexualidade masculina. Parece justo? Não. E não é. Por isso que esta petição é
tão significativa. O manifesto não é pelo direito de usar uma roupa X, mas pelo
direito de usar esta roupa sabendo que a responsabilidade pelo que ela
supostamente provocaria nos rapazes é dos rapazes.
A confusão acerca desta petição
tem origem na falta de entendimento a respeito do argumento central do
feminismo, que é a erradicação da opressão das mulheres em todas as suas formas
– o que, necessariamente, exige que os homens tomem responsabilidade por suas
ações ao invés de culpar as mulheres quando eles “perdem o controle”.
Raramente as objeções que fazemos
dizem respeito apenas aos objetos que aparecem como foco das nossas demandas.
Assim, a campanha #vaitershortinhosim não é apenas sobre o direito de usar ou
não shortinho na escola, mas também serve para promover a autonomia corporal de
todas nós, e para que os homens sejam educados a respeitá-la.
Fonte: ( Joanna Burigo)
CartaCapital,
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