Foi base para propriedade privada
e capitalismo. Deu forma à Igreja. Antecede as classes sociais. Modela as
instituições. Mas pode ser destruído…
Por Marília Moschovick,
O machismo é uma ideia.
A ideia machista baseia-se numa
classificação do mundo em objetos, comportamentos, trejeitos, desejos e ideias
“masculinos” e “femininos”. O que torna essas coisas masculinas ou femininas
não é, ao contrário do que se diz por aí, estarem ligadas a grupos de “homens”
ou “mulheres”, respectivamente. Uma coisa não é feminina porque é feita por
mulheres, nem masculina porque é feita por homens. A relação vem na mão
inversa: uma coisa é feita por mulheres porque é feminina e “mulher” é uma identidade
que se baseia num equilíbrio não muito exato, nem muito rígido entre essa
“feminilidade” e “masculinidade” (entre outras coisinhas mais). O mesmo no caso
dos homens. Uma mulher pode ser vista como “menos mulher” quando faz algo
não-feminino ou “mais masculino”, e um homem pode ser visto como “menos
masculino” quando faz algo não-masculino ou “mais feminino”. Uma coisa
classificada como “feminina” ou “masculina”, porém, não passa a ser
classificada de outra maneira quando alguém do gênero “oposto” a pratica. A
ideia machista é, essencialmente, que nesse jogo de masculinidades e
feminilidades, não importa o contexto, uma relação de poder rege sempre a
hierarquização das coisas: a primazia da masculinidade sobre a feminilidade. A
masculinidade mais “errada” sempre estará mais certa do que a feminilidade mais
“certa”.
O machismo é também uma história.
Longa.
Não se constroem padrões como
esse da noite para o dia. O machismo não é invenção moderna. Acompanha as
culturas das quais somos herdeiros há milênios. Pode ser encontrado em ainda
outras mais. Em praticamente todos os tempos históricos. O machismo não nasceu
com o capitalismo: o capitalismo é que foi forjado sobre um pensamento
machista. O machismo não nasceu com a Igreja: a Igreja é que tomou os contornos
dele. O machismo não nasceu com a propriedade privada no pré-feudalismo
europeu: esse último é que se baseou nele. O machismo não tem origem,
nacionalidade. Não depende do racismo nem de classes sociais para existir. O
machismo está aí — porque só passamos a enxergá-lo há pouco mais de um século,
contra milênios de sua existência anterior. Porque lutamos umas poucas pessoas
contra ele, enquanto as estruturas mais elementares da nossa sociedade (Estado,
religião, família, conhecimento, educação, escola, ciência, filosofia,
indústria, classes, racismo) já nasceram modeladíssimas por ele. O machismo é a
hegemonia, descritinha, sem tirar nem por.
Por isso, o machismo é sempre um
sistema.
Lutar contra ele não é fácil. É
preciso subverter toda uma lógica. É preciso desorganizar as bases mais sólidas
sobre as quais o mundo inteiro hoje se apóia. Mover placas tectônicas, com o
peso da terra, das pessoas, construções que sobre elas se fizeram. É preciso
bagunçar a história, abandonar certezas, se dispor ao erro. Combater o machismo
não é para amadores. Enquanto cada um e cada uma de nós se construiu e se
constrói cotidianamente como sujeito, como pessoa, ele está lá. Nas visões que
nos são ofertadas e das quais bebemos para elaborar novidades (nenhuma criação
parte do zero, é fato). Nas definições que as palavras nos impõem, nos limites
da linguagem, na necessidade de comunicação: lá vem ele, de novo. Quando nos
olhamos no espelho. Tão arraigado que parece natural. Parece vir das entranhas,
parece estar no DNA. E sempre que assim parecer, não se engane. É mentira.
Terremotos existem.
O machismo pode ser destruído.
Fonte: http://outraspalavras.net/
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