Secretária nacional de
enfrentamento à violência, Aparecida Gonçalves analisa aumento da crueldade
contra a mulher e um ano de lei do feminicídio
Um crime bárbaro chocou o Brasil
em 2015: quatro adolescentes foram brutalmente agredidas, estupradas e depois
amarradas por quatro rapazes. O caso ficou conhecido como estupro coletivo de
Castelo do Piauí. Danielly Rodrigues, de 17 anos, não resistiu aos ferimentos e
morreu algum tempo depois.
A enfermeira que cuidou da jovem
emocionou o país ao narrar o dia a dia de sua paciente no hospital. “Chegamos a
conversar, ela digitando no celular, pois a fratura de face grave não permitia
que ela falasse. Lembro da nossa alegria quando o oftalmologista fez o teste e
ela não tinha perdido a visão. Lembro quando sua família me disse que em
dezembro pela passagem dos seus 18 aninhos, iria fazer um churrasco para as
pessoas que cuidaram dela. Mas sabíamos da gravidade da lesão cervical que ela
tinha”.
Não teve aniversário. E, menos de
um ano depois, o caso, que não saiu da memória da tal enfermeira, é só mais um
caso beirando o esquecimento. É só mais um caso que acontece a cada 11 minutos
em média no Brasil, todos os dias A soma ultrapassa 47 mil mulheres acima de 14
anos estupradas por ano*.
Os números incomodam, mas a realidade
pode assustar ainda mais: segundo estudos internacionais, como o National Crime
Victimization Survey, apenas 35% das vítimas desse tipo de crime prestam
queixa.
Crueldade em público
Outro caso ganhou as manchetes
internacionais pouco tempo depois: na Rússia, um grupo de adolescentes abusou
sexualmente de uma menina de 14 anos e, não contentes com o crime, ainda
levaram a história adiante compartilhando as imagens em uma rede social.
O mesmo ambiente virtual usado
por criminosos é também espaço fundamental para as vítimas, que criaram
hashtags – como #meuprimeiroassédio para expor suas histórias em busca de
apoio.
Carnaval bate recorde
O Ligue 180 também é um caminho.
As denúncias de violência contra a mulher através do número bateram recorde e aumentaram
221% neste ano em relação a 2015. A pedido do Delas, a Secretaria de Políticas
para as Mulheres separou os dados das denúnicias de todo o Brasil no período de
pré-carnaval e carnaval.
“Muitas mulheres ainda não se
sentem seguras para denunciar. Às vezes, ela denuncia o crime. registra um
boletim de ocorrência e, quando a polícia aparece para investigar, ela desiste
porque o agressor pede desculpa ou por qualquer outro motivo”, lamenta
Aparecida Gonçalves, secretária nacional de enfrentamento à violência.
“Usar as redes sociais para
relatar esses caso também é uma estratégia importante e é preciso ter coragem
para expor isso”, diz Aparecida.
Feminicídio
Há um ano, entrou em vigor a lei
13.104/15, que alterou o código penal para incluir mais uma modalidade de
homicídio qualificado, o feminicídio: quando crime for praticado contra a
mulher por razões da condição de sexo feminino.
De acordo com o Instituto Avante
Brasil, uma mulher morre a cada hora no Brasil. Quase metade desses homicídios
são dolosos praticados em violência doméstica ou familiar através do uso de
armas de fogo; 34% são por instrumentos perfuro-cortantes (facas, por exemplo);
7% por asfixia decorrente de estrangulamento, representando os meios mais
comuns nesse tipo ocorrência.
Para Aparecida, meses depois,
ainda há muito o que fazer. “Temos que falar em feminicídio e traçar as
diretrizes de investigação desse crime. A crueldade contra a mulher cresce e se
espalha quando não debatemos o que está acontecendo. Antigamente, os estupros
ocorriam no escuro, no beco, no anonimato; agora são coletivos e em público”,
alerta Aparecida Gonçalves. “Depois de um ano da lei, estamos preparando um
comparativo, que deve ser divulgado em breve e ajudar nas políticas de combate.
A mulher não pode continuar aceitando e sendo culpabilizada pelos crimes contra
ela”, finaliza Aparecida.
*Segundo registros recentes das
secretarias estaduais da Segurança coletados em 2014 pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Fonte: iG/ Delas
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