Em fevereiro, torcedoras do
Atlético Mineiro denunciaram que clube objetifica corpos femininos; em janeiro,
Messi ganhou a Bola de Ouro pela 5ª vez, Marta realizou a façanha antes. Ele
ocupou as manchetes, ela não.
Em meados de fevereiro as
torcedoras do Atlético Mineiro publicaram um manifesto denunciando a “maneira
objetificada e apelativa” que as mulheres foram tratadas no evento de
lançamento do novo uniforme do clube. Isso porque enquanto os homens desfilaram
com os trajes de jogadores de futebol, as mulheres subiram na passarela com
roupas de banho e peças íntimas, expondo o corpo. Para as torcedoras, elas
foram tratadas como “peça de enfeite de estádio, encomendadas para agradar o
público masculino”.
Em 2015 foi a primeira vez nos
últimos 12 anos que Marta não foi indicada ao prêmio de melhor jogadora do
mundo
Pouco antes, em janeiro, o
argentino Leonel Messi ganhou pela quinta vez o prêmio de melhor jogador de
futebol do mundo. A notícia correu o mundo e muito se comentou sobre as
habilidades únicas do craque. Mas, bem antes dele, Marta Vieira da Silva já havia
ganhado o prêmio cinco vezes, quando nenhum outro homem ou mulher o fizera, mas
poucos sabem disso. O mundo guardou silêncio, não houve nenhuma celebração.
A jogadora não foi perseguida por
jornalistas e paparazzis e ninguém a achou sobrenatural. Quem ainda não viu
Marta jogando perdeu uma das maravilhas humanas dos últimos tempos: qualidade,
talento, magia e entrega na sua máxima expressão. Uma obra de arte. Marta, com
uma bola de futebol nos pés, é a essência de um poema. Porém é mulher e nesta
sociedade patriarcal, as mulheres no mundo dos esportes continuam sendo
invisíveis ainda mais em práticas como futebol, karatê, judô, taekwondo,
triátlon, boxe e atletismo.
Sobre o tema, a Revista Samuel
reproduz artigo publicado originalmente pela revista argentina Marcha sobre
futebol, misoginia e patriarcado:
Misoginia made in Fifa
A simples cerimônia da Fifa e a
Bola de Ouro no futebol feminino é um claro exemplo de quão imperceptível é a
mulher no esporte mais famoso do mundo. Nesta última edição, quem ganhou a Bola
de Ouro foi a norte-americana Carli Lloyd. Quem assistiu o último Mundial
Feminino de Futebol saberá que havia qualidade entre as jogadoras de todos os
países participantes para que qualquer uma delas recebesse o prêmio. O
reconhecimento à treinadora do ano foi para Jill Ellis. No entanto, o mundo
festejou Luis Enrique Suárez e Messi.
Quanto o futebol feminino
contribuiu para a igualdade de gênero em nossa sociedade? Quanto ele contribuiu
para derrubar preconceitos e estereótipos? E a saúde emocional e física de
milhões de meninas, adolescentes e mulheres? Porque o futebol é paixão,
adrenalina, entrega e amor. A bola muda os papéis e coloca a mulher como um ser
ativo, em igualdade; no entanto, a colocam como objeto sexual, como é o caso
das líderes de torcida e tudo o que tem a ver no mundo da divulgação dos
esportes: marginalizando a mulher como simples espectadora.
O futebol também violenta as
mulheres, como ocorre nos casos de exploração sexual, principalmente quando
está em disputa um clássico ou um campeonato internacional, como a Copa do
Mundo. O enfoque é sempre o homem. A mulher é vista como entretenimento (em
todos os níveis) que deve fornecer prazer sexual para o espectador quando ele
sai do estádio e vai em busca do exótico seja para comemorar a vitória ou para
minimizar a derrota.
Na última década, a Fifa começou
a abrir espaços para as mulheres, mas sempre com migalhas. Quanto a Fifa
investe no futebol masculino? E no feminino? Qual é o salário de um juiz? E o
de uma juíza? E a hospedagem? E os campos? E o recurso humano? E os recursos
materiais? Um ponto muito importante e questionável é o campo sintético em que
jogaram nesse último Mundial Feminino, incapacitado em sua totalidade para a
saúde física e emocional das jogadoras.
A Fifa permitiria realizar um
Mundial Masculino em campos sintéticos? Nunca. Porém a Fifa apenas é a ponta do
iceberg.
Jogadoras desde criancinhas
Saindo um pouco do esporte de
elite, esta realidade de miséria nos faz questionar o que fazemos nós como
sociedade para derrubar os estereótipos em relação à mulher e o futebol?
Continuamos acreditando que sua participação em esportes de contato deve ser
proibida? Ela será menos mulher praticando-os? Em que sentido? É menos mulher
alguém que pratique futebol em relação a alguém que faz balé ou nado
sincronizado? Que faremos com as milhares de meninas que querem jogar futebol
em vez de brincar com bonecas e casinha? Vamos continuar cortando as asas?
Continuaremos negando a capacidade de uma mulher para dirigir jogos de homens,
como treinadora, médica particular, preparadora física e árbitra? Por que não
negamos a capacidade dos homens em jogos de mulheres?
Em países em desenvolvimento, os
homens ainda continuam sendo os encarregados de tudo o que tem a ver com o
futebol feminino: por acaso ainda não está em tempo de abrir as portas para a
participação da mulher? Uma mulher é questionada em sua capacidade se ela se
veste de árbitra, porém é aplaudida se entra no campo em um jogo como líder de
torcida.
E o que dizer das companheiras
sentimentais dos jogadores, que ocupam o papel de musas, modelos, que respiram
e vivem por eles, que sonham por eles, que vivem a vida deles e não a sua
própria vida… Que existem em torno deles… Uma frustração pessoal porque sempre
será a esposa, a noiva, a companheira de fulano. Sempre serão o troféu de
exibição.
O que fará o Ministério de
Educação com o futebol como meio nas aulas de Educação Física? Que fará como
ferramenta de atividades extracurriculares? O que fará o Ministério da Cultura
e o de Esportes com essa disciplina esportiva e a participação da mulher? O que
fará a televisão mundial e as marcas esportivas e tudo o que rodeia o esporte
mais bonito do mundo?
E nós? O que faremos de nossos
lugares para que o futebol deixe de ser um tema tabu em relação à participação
feminina? Que carências, xingamentos, barreiras uma menina, adolescente ou
mulher tem de enfrentar para jogar futebol? Um esporte lindo, que nos enche de
alegria, que nos alenta com sua paixão, com seus poemas soltos em cada gol, em
cada jogada magistral, em cada campeonato. Esse esporte que consegue nos
reunir, que nos faz gritar, pular e brindar, com o qual festejamos a paixão das
paixões. Com que direito excluímos e negamos a participação da mulher como
agente principal disso tudo?
Fonte: Opera Mundi
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