Embora possa chocar alguns, nós,
os seres humanos, não somos nem centrais tampouco supremos na grande escala da
criação. Temos um lugar entre outras criaturas amadas pelo mesmo Deus vivo, e
há mais um parentesco do que um domínio.
A reportagem é de Beth Griffin,
publicada por National Catholic Reporter, 29-02-2016. A tradução é de Isaque
Gomes Correa.
Na semana passada, a Irmã
Elizabeth Johnson, destacada professora de Teologia na Fordham University e
membro da Congregação de São José, compartilhou os seus pensamentos a respeito
da ideia de parentesco com a natureza e descreveu novos modos de compreender a
forma como os humanos se enquadram dentro da obra de criação divina durante um
evento na Mary House, casa do Movimento do Trabalhador Católico (em inglês,
“Catholic Worker Movement”), em Nova York.
A palestra, intitulada “Criação:
Onde as pessoas se encaixam?”, fez parte de uma série de encontros que ocorrem
às sexta-feira na Mary House.
O mundo natural e as suas
criaturas estão em crise como consequência do consumismo e da ganância, bem
como do espaço diminuto deles no imaginário religioso contemporâneo, disse ela.
O remédio é uma conversão a 180 graus em direção à terra, focando-se no Deus
que a ama.
Johnson disse que a encíclica
“Laudato Si’ – Sobre o cuidado da casa comum’” oferece uma visão religiosa da
coexistência ambiental que difere da imagem tradicional que se tem. Ela convida
a um novo jeito de ser que fortalece, e não diminui, aqueles com quem
compartilhamos o planeta.
Como uma extensão teológica da
opção pelos pobres, Johnson disse que a natureza se transforma aí nos novos
pobres e que “o nosso amor pelo próximo precisa se estender para incluir o
pobre mundo natural diminuído por um grupo elitista de humanos”.
Johnson falou que a compreensão
católica sobre a criação era a de uma pirâmide com os humanos no topo e todas
as demais criaturas como um pano de fundo neutro. “Há uma hierarquia e nós
estamos no topo, e os outros estão aí para o nosso deleite”, explicou.
“É assustador ver a profundidade
como que esse pensamento de os seres humanos serem os chefes da natureza acabou
modelando a crença e a prática cristãs e o quanto ele apagou a criação da
experiência religiosa”, completou.
Johnson falou ainda que essa
teoria se desenvolveu com base na filosofia antiga grega que valorizou o
espírito sobre a matéria, deixando as rochas e plantas mais distantes do
divino; e os anjos, mais próximos.
Em Laudato Si’, Francisco pontua
que Jesus Cristo rejeitava uma tal noção de hierarquia:
“Mas seria errado também pensar
que os outros seres vivos devam ser considerados como meros objetos submetidos
ao domínio arbitrário do ser humano. Quando se propõe uma visão da natureza
unicamente como objeto de lucro e interesse, isso comporta graves consequências
também para a sociedade.
A visão que consolida o arbítrio
do mais forte favoreceu imensas desigualdades, injustiças e violências para a
maior parte da humanidade, porque os recursos tornam-se propriedade do primeiro
que chega ou de quem tem mais poder: o vencedor leva tudo.
O ideal de harmonia, justiça,
fraternidade e paz que Jesus propõe situa-se nos antípodas de tal modelo, como
Ele mesmo Se expressou ao compará-lo com os poderes do seu tempo: ‘Sabeis que
os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem
sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre
vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo’” (Mt 20, 25-26).
Uma alternativa à pirâmide da
metáfora dos privilégios é o círculo da vida que abraça a evolução e a história
biológica compartilhada entre todas as criaturas do planeta, segundo Johnson.
“Temos de concluir, de forma
muito radical, que o sopro de vida em nós tem a mesma fonte enquanto sopro de
vida nos animais. Porque somos todos criados por Deus, temos mais em comum do
que aquilo que nos separa enquanto criaturas”, disse ela.
Francisco contribui com algo novo
para este longo debate, ao acentuar a comunidade da criação. Não há
justificativa para a dominação sobre as demais criaturas, pois elas também
possuem um valor intrínseco e compartilham do amor de Deus.
Além disso, os maus tratos à natureza
e à criação é algo profundamente pecador e contradiz a vontade do criador de
que o mundo deve florir, disse a palestrante.
A conversão à terra inclui
componentes intelectuais, emocionais, éticos e espirituais. Intelectualmente, o
distanciamento de uma visão da vida centrada no ser humano irá honrar a
presença de Deus “na, com e sob a comunidade ecológica de todas as espécies”,
afirmou Johnson.
Emocionalmente, há uma
necessidade de nos afastarmos da ilusão do ser “ser humano em separado” e das
“demais espécies isoladas” em direção a um parentesco e uma afiliação sentida
com todas as criaturas. Se este esforço for bem-sucedido, imagens tais como a
do “irmão sol, irmã lua” – personagens centrais no Cântico das Criaturas de São
Francisco de Assis – tornar-se-ão verdades sentidas e não poesia.
Eticamente, a conversão requer
que a sociedade “se relacione com a terra com respeito, não com rapacidade”,
disse ela.
“Um universo moral limitado à
pessoa humana não é mais apropriado. Devemos centrar novamente a atenção em
toda a comunhão de vida”.
“Uma tal conversão nos leva a
trazer de volta o mundo natural para dentro do nosso imaginário religioso com
oração, arte, música, justiça e caridade. O desafio é desenvolver uma
espiritualidade que faz do amor à terra e às suas criaturas ser parte
intrínseca da fé em Deus, em vez de um elemento opcional”, declarou,
acrescentando:
“Uma conversão ecológica
significa apaixonar-se pela terra como uma comunidade viva inerentemente
valiosa na qual participamos, e esforçar-se para ser fiel ao seu bem-estar
criativo, porque amamos Deus, que ama a terra incondicionalmente”.
“Não estamos falando simplesmente
de uma obrigação moral. Temos aqui um chamado para uma relação mais profunda
com o Deus que nos transforma para uma maior generosidade em ressonância com o
amor que nos criou e que nos fortalece”, disse Johnson.
“Como Deus poderia criar o mundo
todo e deixar apenas uma espécie reinar?”, concluiu.
Fonte: Ihu
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