A desenvoltura do Papa polonês com as mulheres sempre foi
proverbial e não era escondida. E ao mesmo tempo, apesar de se dizer
“feminista”, Wojtyla foi um dos papas mais conservadores em matéria de sexo.
Por Juan Arias
A relação do papa João Paulo II com a filósofa Anna-Teresa
Tymieniecka, mãe de três filhas, que durou 30 anos, não foi a única amizade
intensa do Papa polonês com uma mulher.
Antes da relação com a filósofa, João Paulo II manteve outra
forte relação com a médica psiquiatra Wanda Poltawska, casada com o também
psiquiatra André e mãe de seis filhas.
A amizade, que durou 50 anos, se iniciou quando Wojtyla era
padre, com 30 anos, e a psiquiatra buscava alívio em um confessor após ter
sofrido cinco difíceis anos no campo de concentração de Ravesbruck.
Wanda se resistiu a entregar todas as cartas recebidas
durante anos de Wojtyla ao processo de canonização de João Paulo II. Ele a
chamava de “irmãzinha” e afirmou que Deus lhe “havia encomendado” aquela
amizade.
A amizade do futuro Papa com Wanda e suas filhas chegou a
ser familiar. Juntos, às vezes com seu marido, às vezes somente com ela e suas
filhas, passavam dias acampados nas montanhas de Cracóvia.
Uma revista italiana publicou fotos do então bispo Wojtyla
de shorts e camiseta fazendo piqueniques no campo com Wanda e suas filhas.
A amizade com a psiquiatra polonesa durou até a morte do
Papa, a quem as filhas de Wanda chamavam de “tio Karol”.
Eu as conheci em uma tórrida manhã de agosto em Roma. Estava
em uma comunidade de religiosas leigas, sem hábito, que para ganhar algumas
liras alugavam quartos para pessoas de absoluta confiança.
Eu queria alugar um quarto ao militar espanhol que ensinou o
então Príncipe Juan Carlos a pilotar helicópteros, que era o encarregado de
comprar e levar à Espanha os helicópteros Augusta para o governo espanhol.
Enquanto conversava com as religiosas chegou um grupo de
jovens loiras, com o rosto queimado de sol, que contaram maravilhadas que
haviam estado em Castelgandolfo, a residência de verão dos papas nas cercanias
de Roma, “tomando banho de piscina com o Papa”.
Quando se retiraram, as religiosas me explicaram que aquelas
garotas eram “como filhas” para o papa Wojtyla pois as viu crescer e sua mãe
era uma psiquiatra, velha amiga sua desde muito jovem. Eram as filhas de Wanda.
A desenvoltura do Papa polonês com as mulheres sempre foi
proverbial e não era escondida. E ao mesmo tempo, apesar de se dizer
“feminista”, Wojtyla foi um dos papas mais conservadores em matéria de sexo.
Defendia que o papel da mulher na Igreja era, como Maria, “estar de joelhos e
em silêncio aos pés da cruz”, como disse, em Washington, à religiosa Theresa
Kane, presidenta das religiosas dedicadas ao ensino.
Kane criticou João Paulo II por não dar mais espaço à mulher
na Igreja. Era a primeira vez que uma religiosa criticava o Papa em público.
Wojtyla sempre manteve uma relação conflitiva com a mulher e
o sexo. Mieczslav Malinski, sacerdote e poeta, foi durante a vida de Wojtyla,
antes de chegar ao pontificado, seu fiel secretário e escudeiro, assim como seu
confidente. Costumava ir com frequência almoçar no Vaticano convidado pelo
Papa. Quando saía do almoço nós tomávamos um café juntos e conversávamos.
Segundo ele a relação de Wojtyla com a mulher sempre foi de “sublimação e
conflitiva”, já que via na mulher “o reflexo de Maria, a mãe de Jesus”.
Segundo Malinski, justamente por isso, Wojtyla conseguia ser
ao mesmo tempo desinibido em seu trato com as mulheres até “quase
escandalizar”.
Foi ele quem me contou que, sendo ainda um jovem padre,
Wojtyla gostava de ir com grupos de rapazes e garotas acampar durante dias em
lagos e montanhas. Em uma dessas vezes marcou um encontro na estação de trem
com um desses grupos para saírem em excursão, mas somente cinco garotas
apareceram. Acreditando que sem os garotos a excursão seria suspensa, ficaram
tristes. Então Wojtyla lhes disse: “Não importa, nós vamos sozinhos”, e
acrescentou: “Diante das pessoas, me chamem de tio ao invés de padre”.
Malinski acrescentou: “Naquela época, na Polônia, o gesto de
Wojtyla era muito arriscado, já que um padre, vestido como leigo, excursionando
durante vários dias com cinco garotas, era quase uma loucura” (extrato retirado
de meu livro publicado na Espanha pela editora Grijalbo Um Deus para o Papa).
Foi Malinski, entretanto, quem me lembrou que a relação de
Wojtyla com a mulher, aparentemente desinibida, mantinha sempre um fundo de dor
já que, em vida, ainda criança, perdeu as duas mulheres de sua vida: sua mãe
que morreu jovem, de infarto, e sua irmã que nasceu morta e que, como seus pais
eram muito católicos, ao não poderem batizá-la, não a enterraram. Por isso não
está no túmulo da família no qual Wojtyla, já Papa, reuniu todos os seus
parentes. “Falta minha irmã, que nasceu morta”, comentou publicamente uma vez
falando do túmulo de sua família.
Alguns relacionaram a menina ao fato de, já Papa, Wojtyla
abolir do Catecismo Universal do Concílio o limbo das crianças. Não queria que
sua irmã morta, sem ser batizada, pudesse estar no limbo, sem gozar de Deus.
O Papa via o feminino como reflexo da virgem Maria. Tanto que
chegou a propor, durante uma de suas viagens, a figura de São José como ideal
dos maridos, e em 8 de outubro de 1980, durante a audiência geral em São Pedro,
afirmou que o marido “que olha com concupiscência sua mulher comete adultério
em seu coração”.
E mais, propôs, para melhor manter a relação entre casados,
“a abstinência sexual”.
Wojtyla dedicou semanas inteiras a desenvolver em suas
homílias públicas o tema do “corpo” nos textos bíblicos, e esse problema do
corpo e suas angústias se reflete também em suas poesias:
“E em nós que contemplamos o outono,
desencadeia-se a luta através da rachadura,
que cada homem leva dentro de si;
quando o homem ainda está no passado de seu amanhecer,
e quando não consegue aquele amanhecer em seu corpo”.
O sucessor do papa João Paulo II, o cardeal Joseph
Ratzinger, sendo já Prefeito da Congregação da Fé, durante jantar na casa de um
jornalista alemão amigo seu ao qual compareci, afirmou que o papa polonês
“sabia pouca teologia”, e que precisou revisar um texto de Wojtyla “sobre a
mulher e a Virgem Maria”. Segundo Ratzinger, Wojtyla era sobretudo um “poeta e
filósofo”.
Sobre os escritos de Wojtyla sobre a ética sexual, o teólogo
e escritor Piergiorgio Mariotti escreveu: “Pode parecer paradoxal, mas a ética sexual
de João Paulo II corre o risco de cair no antropomorfismo”.
Segundo Mariotti, Wojtyla nunca encontrou uma “harmonia
interior” no campo sexual, já que “não era um homem em paz consigo mesmo”.
Ele é defendido, entretanto, pelo político italiano Rocco
Butiglione, que diz que para João Paulo II “o amor é a chave para a compreensão
da castidade”.
Antes de ser Papa, Wojtyla escreveu: “Toda moral sexual se
baseia na interpretação correta do pudor sexual”.
A socióloga italiana Ida Magli também me explicou à época
que não existia contradição entre o comportamento aberto de Wojtyla e sua
cultura antifeminista, já que via a mulher “somente como mãe e como mãe que
deve sofrer” e isso, segundo ela, “não é um modelo para as mulheres”.
Daí veio a grande devoção de Wojtyla pela figura da Virgem.
Duas delas: a virgem negra de Czestochowa e Nossa Senhora de Fátima foram os
pilares de sua devoção mariana.
Em 13 de maio de 1981, durante a festa de Fátima, João Paulo
II sofreu um atentado na praça de São Pedro que quase o matou. Em agradecimento
às duas virgens por salvarem sua vida, o Papa quis que se enviasse aos
santuários uma parte da faixa ensanguentada que vestia no dia do atentado.
A relação conflitiva e dolorosa do papa Wojtyla com a mulher
de carne e osso e com sua idealização o acompanhou desde jovem quando, antes de
ser padre, viveu, segundo o Monsenhor Darowski, que foi secretário geral da
conferência episcopal polonesa, “um amor doloroso”.
Ainda existe um véu de segredo e mistério sobre a relação
amorosa e dolorosa de Wojtyla, ao que parece, com uma jovem judia que morreu em
um campo de concentração nazista.
Há quem defenda que, antes de ser levada pelos nazistas, os
dois tenham selado “um casamento de consciência”, que por isso não foi
consignado nos registros civis.
Se isso for verdade, João Paulo II foi casado antes de ser
Papa. Um amor que se perdeu no inferno de um campo de extermínio.
Fonte: El Pais
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