Mulheres marajoaras. Elas se
reuniram para discutir a necessidade de políticas públicas voltadas a elas
(Foto: IEB )
Movimento pela igualdade de
gênero ganha força na Amazônia. Combate à violência e promoção de saúde estão
na pauta.
Até alguns anos atrás, as
mulheres coletoras de sementes da Ilha do Marajó (PA) consideravam sua
atividade inferior ao trabalho dos maridos, na maioria doa casos, pescadores.
Desde 2003, no entanto, um grupo delas se reuniu e criou a Cooperativa dos Produtores
Extrativistas Marinhos e Florestais da Ilha de Marajó (Coopemaflima). De lá
para cá, se organizaram e agora estão também produzindo óleos a partir das
sementes, principalmente de andiroba. “Hoje, somos responsáveis pela melhora na
qualidade de vida de nossas famílias. Trabalhar é uma forma de emancipar e
valorizar a mulher em comunidades de cultura ainda muito machista”, diz Tamires
Cruz, presidente da Coopemaflima.
A autonomia financeira é uma das
demandas das mulheres que vivem na Ilha do Marajó. E isso está sendo alcançado
aos poucos, conforme informação e mobilização chegam aos municípios afastados
dos grandes centros urbanos. Esse tema e a necessidade de fortalecer as
políticas públicas para a população feminina foram discutidos nesa semana em um
encontro organizado pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).
Chamado “Economia Solidária, Políticas Públicas e Igualdade de Gênero: Desafios
e perspectivas para as mulheres marajoaras”, foi um espaço para trocar
experiências e histórias entre mulheres de comunidades afastadas e sem contato.
A região do Marajó apresenta
baixos índices de desenvolvimento humano e acesso a políticas públicas. São 104
mil quilômetros quadrados, o equivalente a 8% do território do Pará, mas que
concentram apenas 2% das ofertas de emprego. Ali estão cinco municípios dos 50
piores colocados no ranking do IDH brasileiro. Melgaço, por exemplo, está na
última colocação. A taxa de analfabetismo no Marajó é a pior do Estado. Vinte e
um por cento da população acima de 15 anos não sabe ler e escrever. E a
mortalidade infantil chega a 17%. Lacunas de infraestrutura básica também são
vistas no Marajó. Delegacias e postos de saúde – quando existem – ficam apenas
nas sedes dos municípios. Para chegar até lá, os moradores de comundiades
ribeirinhas precisam viajar por horas em barcos alugados e pagar pelo
combustível. A viagem pode demorar até vinte horas.
Um dos reflexos desse cenário é
visto na área de saúde. Segundo Raimunda Rodrigues, coordenadora de projetos do
IEB, a maior parte das mulheres marajoaras não fazem exames básicos, como os
preventivos para câncer de mama e de colo de útero. Levantamentos do IBGE
mostram que nenhum município da ilha possui mamógrafos. E apenas dois têm
aparelhos de ultrassonografia. Ou seja, a maior parte das mulheres ali nunca
fizeram exames preventivos na vida. “Quando o governo faz campanhas sobre
prevenção, vacinação ou ações de promoção de saúde, tudo se concentra nas áreas
urbanas. As famílias da zona rural às vezes nem ficam sabendo. Se ficam, nem
sempre têm condições de viajar até a cidade. Essas mulheres estão deixando de
usufruir um direito à saúde que têm por lei”, afirma Raimunda.
Se nas grandes cidades do Brasil,
a discussão sobre igualdade de gênero já não é uma novidade, o assunto demora a
chegar nas comunidades ribeirinhas da Amazônia. Poucas têm sinal de celular ou
internet disponível. Cooperativas como a de Tamires e lideranças femininas são
recentes e, ainda assim, casos ainda sem conexão.
Ruth Corrêa, coordenadora de
projetos do IEB, conta que até os anos 1980, mulheres não eram reconhecidas
como trabalhadoras rurais e, portanto, não podiam se sindicalizar ou ter acesso
a benefícios dados pelo governo aos homens, como aposentadoria e seguro saúde.
“Com o fim da ditadura militar e abertura política, o movimento feminista se
fortaleceu no Brasil, as mulheres se envolveram e aumentaram a participação com
demandas da sociedade”, diz. O reconhecimento delas como trabalhadoras rurais
abriu caminho para o direito à posse de terras, à licença maternidade, créditos
pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e direitos previdenciários.
Para Ruth, na Amazônia o direito
à posse de terra é um ponto fundamental para que as mulheres possam ter
autonomia financeira e produzam bens a partir da rica floresta que têm ao seu
redor, como fazem as mulheres da cooperativa de Tamires.
Hoje, uma das demandas mais
urgentes e de destaque entre as lideranças femininas é o combate à violência.
Não existe, nem chega à Ilha do Marajó nenhum tipo de política pública ou ação
do estado para conscientizar homens e mulheres ou coibir a violência. Nem sobre
a importância da denúncia. As agressões ali podem ser tanto físicas quanto
psicológicas, causadas por parentes, maridos e desconhecidos. Há também a
violência verbal e a desqualificação do papel da mulher.
De acordo com Raimunda, muitas
mulheres têm medo de denunciar seus agressores e se calam porque não há
delegacias próximas a onde moram. “Como é que uma mulher violentada vai pegar
um barco e viajar por horas? Isso é muito difícil”, diz. Mesmo quando há
delegacias, falta preparo dos profissionais para receber as queixas. Por isso,
a construção de delegacias especiais para mulheres é uma das grandes demandas
do movimento feminino no Marajó.
“As mulheres marajoaras precisam
ser empoderadas sobre seus direitos. E isso não é apenas dizer que elas podem
trabalhar”, diz Raimunda. Isso porque muitas delas já atuam em atividades
produtivas. Na Amazônia há atividades estritamente femininas e outras
masculinas. Na colheita do açaí, por exemplo, são as mulheres que tiram os
frutos dos cachos das árvores enquanto os homens cuidam do transporte e da
comercialização. Na pesca, as mulheres são as responsáveis por separar os
mariscos, atividade que requer mais cuidado.
Elas precisam de mais qualificação,
acesso à informação e mais capacitação técnica, diz Raimunda. “Muitas fazem
artesanatos, mas não sabem como escoar a peças ou como divulgar o trabalho”,
afirma. Ela ressalta a necessidade de linhas de crédito e ações de fomento para
valorizar o trabalho que já é desenvolvido por ali.
“Por estarmos na Amazônia,
podemos fortalecer práticas tradicionais, com base ao respeito à natureza. E
garantir o direito das mulheres à terra, à água e à floresta. Não com uma visão
de natureza intocável, mas de associação com o desenvolvimento local. Elas
podem ser agentes cruciais para isso”, diz Ruth.
Fonte: Revista Epoca
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