quarta-feira, 18 de julho de 2012

Conexões femininas com Deus na história, na psicologia, na poesia


Os leitores vão obter inspiração sobre por que as imagens masculinas de Deus permanecem dominantes, por que as mulheres são associadas com o pecado, e por que a noção de sacerdotisas ainda desperta um sentimento tão negativo. Muitos vão ficar satisfeitos com a conclusão de DeConick de que a distorção e o apagamento do feminino na história cristã "é o resultado da antiga misoginia tornada em decreto divino".


Tanto em nossas Igrejas quanto em nossa arena política, as questões das mulheres parecem ser tão controversas e polêmicas como sempre. Quer se trate de extrema proibição do Vaticano à ordenação de mulheres e a investigação da Leadership Conference of Women Religious ou as lutas políticas em curso acerca da disposição do governo de contracepção e de igualdade de remuneração, aqueles que enfrentam essas batalhas podem encontrar sustento em uma safra de novos livros que exploram as relações entre mulheres, Deus e a Igreja.

A análise é de Jamie L Manson, mestre em teologia católica e ética sexual pela Yale Divinity School, em artigo publicado no sítio do jornal National Catholic Reporter, 11-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
 O livro Holy Misogyny [Santa Misoginia], de April DeConick, é o produto de 25 anos de reflexão e de estudo sobre a relação da Bíblia com os entendimentos sobre sexo e gênero no antigo mundo mediterrâneo. DeConick, professora de estudos bíblicos da Rice University, em Houston, se inspirou para escrever o livro quando seu filho lhe perguntou: "Onde está a Deusa Mãe?".

 "Aí estava o meu filho de cinco anos de idade dando voz àquilo que tem sido, durante centenas de anos, o incômodo espinho da teologia e da eclesiologia cristãs", escreve DeConick. Isto é, a ausência de uma imagem feminina de Deus. DeConick escava profundamente na história judaica e cristã antiga, bem como nos textos do Novo Testamento para responder a questões que são cruciais para uma compreensão mais completa do status das mulheres não apenas na Igreja Católica Romana, mas também em qualquer sociedade com raízes judaico-cristãs. Cada capítulo faz uma pergunta intrigante da tradição. Por que o Espírito Santo se tornou assexuado? Jesus pensava que o sexo era pecado? Paulo silenciava as mulheres?

 Os leitores vão obter inspiração sobre por que as imagens masculinas de Deus permanecem dominante, por que as mulheres são associadas com o pecado, e por que a noção de sacerdotisas ainda desperta um sentimento tão negativo. Muitos vão ficar satisfeitos com a conclusão de DeConick de que a distorção e o apagamento do feminino na história cristã "é o resultado da antiga misoginia tornada em decreto divino".

Embora DeConick seja uma estudiosa, e este livro, fruto de sua formação, a sua escrita é extremamente acessível para públicos leigos, e até mesmo muito bem-humorado. Holy Misogyny é um recurso inestimável para aqueles que buscam encontrar as raízes históricas da permanente luta pela igualdade das mulheres na tradição cristã.

Se o texto de DeConick traça as raízes da santa misoginia, o livro Feminist Mysticism and Images of God [Mística Feminista e Imagens de Deus], de Jennie S. Knight, apresenta um quadro completo das suas repercussões. Knight apresenta o seu estudo sobre a importância das imagens femininas do divino para a expansão da fé e da espiritualidade, desenvolvendo uma autoimagem holística e aprofundando a intimidade da relação pessoal com Deus.

 Knight, que atua como professora assistente nas práticas do ensino religioso e dos ministérios comunitários e como diretora de ensino religioso da Candler School of Theology da Emory University, de Atlanta, encontra uma desconexão entre o seminário e as comunidades eclesiais. Embora muitos seminaristas aprendam sobre a importância do uso de imagens femininas para o divino, eles ficam apreensivos na hora de introduzir essas imagens de Deus assim que começam seu ministério em sua congregação. "Pouca coisa mudou no contexto do culto, até mesmo em Igrejas e denominações aparentemente progressistas", escreve ela.

O cerne do livro de Knight está em seu estudo sobre as mulheres da comunidade Mary and Martha’s Place, com sede em Atlanta, um "centro sem fins lucrativos extraeclesial dedicado à espiritualidade das mulheres e ao estudo teológico feminista". Tecidas por todo o livro estão entrevistas com quatro mulheres pertencentes ao centro. Os leitores poderão se ver representados nesses membros, as quais Knight descreve como mulheres que estão "em uma busca espiritual", que "não se alimentam pelo entorno paroquial tradicional".

Knight inclui essas narrativas pessoais porque, embora haja uma literatura abundante sobre a reimaginação do divino a partir das perspectivas feminista, womanista, mujerista e negra, tem se dado pouca atenção à "experiência vivida dos indivíduos em sua interação com imagens particulares em seus contextos culturais".

Knight acredita que o cristianismo está em um estado de crise em termos de aprofundamento das necessidades das mulheres e, por extensão, dos homens. O objetivo do livro de Knight ressoa profundamente junto àqueles que se sentem feridos pela repressão do Vaticano contra a LCWR. Ela escreve: "Eu espero que as lideranças da Igreja e também os estudiosos prestem atenção às comunidades como a Mary and Martha’s Place como exemplos de uma paixão e de uma necessidade de crescimento espiritual em nossa cultura, e não como organizações extraeclesiais aberrantes".

Embora a abordagem de Knight a esse assunto seja acadêmica e, às vezes, pesado com ideias e referências acadêmicas, suas entrevistas com as quatro mulheres fazem um bom trabalho para exemplificar as muitas intuições do livro. Feminist Mysticism and Images of God é uma leitura essencial para os interessados pelo impacto que as imagens de Deus têm sobre a vitalidade e o futuro das comunidades eclesiais.

Em Mothers, Sisters, Daughters: Standing on Their Shoulders [Mães, Irmãs, Filhas: Sobre os Seus Ombros], Edwina Gateley e Sandra Mattucci celebram as vidas de 22 mulheres que "trouxe algumas luzes para o mundo". Cada mulher é introduzida através de uma breve biografia e de um poema em verso livre estendido.

Embora as autoras não deixem claro quem atua como biógrafa e quem é a poetisa, os seguidores das gravações e dos livros de Gateley irão reconhecer a sua voz na poesia. Os versos ajudam a dar corpo a cada uma dessas grandes figuras e nos colocam em um contato mais profundo com as suas paixões, medos e anseios.


A seleção das mulheres é maravilhosa: intergeracional, racial e etnicamente diversa e profundamente ecumênica. Gateley e Mattucci trazem à tona grandes figuras da Bíblia e da história, assim como ativistas pela justiça, místicas e ambientalistas contemporâneas. Os leitores irão desfrutar a revisita à vida de ícones imponentes como Hildegard de Bingen e Madre Teresa, e serão apresentados a profetisas do século XXI como a irmã de Notre Dame de Namur Dorothy Stang e Wangari Muta Maathai. Também é uma agradável surpresa encontrar Emily Dickinson e Rachel Carson nessa mistura.


Mothers, Sisters, Daughters é de leitura fácil, mas os exemplos dados pelas mulheres perfiladas irão desafiar os leitores no próprio âmago das suas vidas. Gateley e Mattucci deram uma grande contribuição ao ampliar a nossa compreensão da comunhão dos santos. É um excelente recurso para os pregadores de retiros e também é um maravilhoso presente de confirmação ou de formatura.

Embora as autoras explorem os tópicos das mulheres, de Deus e da Igreja a partir de ângulos muito diferentes, cada texto dá uma importante contribuição para a nossa compreensão das formas pelas quais o espírito de Deus se moveu por entre as mulheres na história. DeConick procura reinscrever a memória e os dons das mulheres no cristianismo da antiguidade; Knight demonstra o poder transformador das imagens femininas de Deus; e Gateley e Mattucci elevam heroínas espirituais femininas com profundas conexões com o divino.

Embora cada autora tenha a sua própria abordagem, elas compartilham uma esperança comum de que as mulheres deixem de ser entendidas como uma ameaça à tradição cristã e, ao contrário, sejam honradas pelo seu contínuo papel para animá-la.


Fonte: Ihu

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