sexta-feira, 20 de julho de 2012

A indiferença ante a violência sexual no Brasil contra crianças e adolescentes


O Brasil convive, tragicamente, com uma espécie de 'epidemia de indiferença', quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada como uma verdadeira calamidade social.
Segundo  o Mapa da Violência, foram registrados em 2011 no Brasil 7.155 casos de estupro entre 10,4 mil casos de violência sexual (que incluem assédio e atentado violento ao pudor), a maioria praticada pelos próprios pais (além de padrastos) contra as filhas de 10 a 14 anos; ou por conhecidos próximos (como amigo ou vizinho) no caso de meninas de 15 a 19 anos.

A nova edição do Mapa da Violência, elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e editado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos (Cebela), traz grave alerta sobre o que chama de “epidemia” da violência no Brasil contra crianças e adolescentes.
Em um ranking de 92 países do mundo, apenas El Salvador, Venezuela e Guatemala apresentam taxas de homicídio maiores que a do Brasil (44,2 casos em 100 mil jovens de 15 a 19 anos). Todos os três países têm economia menor que a brasileira, atualmente a 6ª maior do mundo (segundo o Produto Interno Bruto), não dispõem de um sistema de proteção legalizado como o Estatuto da Criança e do Adolescente (com 22 anos de existência) nem programas sociais com o número de beneficiários como o Bolsa Família (que entre outras contrapartidas orienta o acompanhamento da família matriculando os filhos na escola e mantendo em dia a vacinação).
Na semana passada, durante a abertura da 9ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a presidenta Dilma Rousseff destacou que “uma grande nação tem que ser medida por aquilo que faz por suas crianças e adolescentes, e não pelo PIB”.
As elevadas taxas de homicídio, segundo o coordenador do estudo, o pesquisador argentino Julio Jacobo Waiselfiz, mostram uma triste realidade: o Brasil e os países da América Latina são sociedades violentas. Segundo o pesquisador, o crescimento dos dados guarda ao menos uma boa notícia: a melhora da cobertura médica legal. “Dados da OMS [Organização Mundial da Saúde] dão conta de que tínhamos, até os anos 90, algo em torno de 20% de óbitos que não eram registrados. Os corpos desapareciam, algumas vezes em cemitérios clandestinos. Hoje a estimativa é de um recuo neste índice, para 10%”, afirmou.
Ele destaca ainda que as mortes no trânsito poderiam ser diminuídas. “Faltam melhorias na infraestrutura. Quando analisamos os dados, percebemos que os países com mais mortes no trânsito têm também piores estradas. São mortes evitáveis”, destaca, afirmando que as autoridades públicas têm, elas próprias, participação nessas mortes, ao se omitirem.
O pesquisador destaca que essas autoridades também têm culpa em um processo delicado, que funciona como um dos motores da perpetuação da violência, a culpabilização das vítimas. “Mulheres, crianças e adolescentes são muitas vezes culpados pelas autoridades por estarem expostos a situações de violência. Quando o Estado o faz demonstra ser tolerante a essas situações”, explica.
Os dados apresentados também confirmam um diagnóstico feito recentemente pela Anistia Internacional. Segundo Atila Roque, diretor executivo da ONG no país, “o Brasil convive, tragicamente, com uma espécie de 'epidemia de indiferença', quase cumplicidade de grande parcela da sociedade, com uma situação que deveria estar sendo tratada como uma verdadeira calamidade social. Isso ocorre devido a certa naturalização da violência e a um grau assustador de complacência do estado em relação a essa tragédia”, resume, em trecho citado no Mapa da Violência.
Segundo o relatório de Júlio Jacobo, foram registrados em 2011 no Brasil 7.155 casos de estupro entre 10,4 mil casos de violência sexual (que incluem assédio e atentado violento ao pudor), a maioria praticada pelos próprios pais (além de padrastos) contra as filhas de 10 a 14 anos; ou por conhecidos próximos (como amigo ou vizinho) no caso de meninas de 15 a 19 anos.
O abuso sexual agrava os riscos de violência doméstica. Segundo dados do Ministério da Saúde, analisados pelo Mapa da Violência, a residência é o principal local de agressão declarado no socorro das vítimas de até 19 anos pela rede pública. Mais de 63% dos casos de violência ocorreram na residência e cerca de 18% acontecem na via pública.
Os dados analisados (relativos a 2010) também verificaram que a violência não se distribui de maneira uniforme pelo país. O etado de Alagoas, com a maior taxa de homicídios (34,8 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes), é dez vezes mais violento que o Piauí (3,6 casos). Maceió é capital mais violenta (com 79,8 homicídios).
As estatísticas indicam ainda a concentração da violência em 23% dos municípios brasileiros (quase 1,3 mil cidades). De acordo com o Mapa da Violência, 4.723 municípios não registraram nenhum assassinato de criança e adolescente em 2010.
Entre outras causas “externas” de morte (diferentes das mortes naturais causadas por problemas de saúde), o relatório chama a atenção também para as mortes no trânsito. Entre 2000 e 2010, a taxa de mortalidade de jovens de 15 a 19 anos no trânsito cresceu 376,3% (de 3,7 para 17,5 casos em 100 mil).

Fonte: Agência Brasil

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